quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Wet and Wild


Foto: AP

Ah, o litoral brasileiro. Após três anos sem esta bem torneada e interminável costa, comecei a matar a saudade em grande estilo nos últimos dias, com direito a barrigada no Atlântico e visita a cachoeira com emoção (tremendo na base para não deslizar no limo).

A alma ainda continuará a ser lavada na virada do ano, com nova caravana rumo a areias e ondas. Mas antes do estouro da Sidra Cereser para empurrar a farofa, ofereço um tributo veranístico aos álbuns estampados por artistas que, como o Mala da Lista nas suas fotos pessoais mais recentes – das quais vos pouparei, podem deixar -, aparecem molhados. Vejam bem, eles não estão submersos, como os que aparecem neste post, mas acabam de dar um tchibum, ou tomaram um caldo, ou não estão secos por outros motivos.


10-Marianne Faithfull – “Dangerous Acquaintances” (1981)


A ex-namorada de Mick Jagger descobriu na prática que sair do banho direto para a sessão de fotos pode resultar numa capa bastante sem graça.


9-Alceu Valença – “Coração Bobo” (1980)




Não convence também esta tentativa do rei de Olinda, voltando do rio com essa cara de menino mimado.

8-Milton Nascimento – “Milton” (1976)


Já o Bituca aqui está dando uma certa pena. Me parece que se encontra naquele momento em que você já não aguenta mais a areia no shorts, muito menos o sal na pele e na boca. Hora da chuveirada, enfim.


7- Phil Collins – “No Jacket Required” (1985)


Olhe bem de perto. Reparou? Pois é, Phil Collins está com suor escorrendo do último chumaço de cabelo frontal que lhe restava até o nariz. Lembrava desta capa desde pequeno, mas só outro dia observando-a em vinil foi que saquei a falta de asseio. Eca, Phil Collins!



6-Maanam – “Wet Cat” (1985)


Esta banda faz sucesso na Polônia há três décadas, tendo nos vocais Kora. E é ela quem, ao que tudo indica, posa para esta estranha e molhada foto.


5-Flávio Venturini – “Nascente” (1981)


Alguém quer dizer algo?



4-Otto – “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” (2009)


Ensopado, barrigudo, com a calça zoada, pregando não sei o que lá no chão, provavelmente tendo o pezão branco picado por mosquitos. O estilo ogro de Otto nesta portada não poderia definir melhor o dilacerante conteúdo do álbum em si, no qual o pernambucano tenta exorcizar um pé-na-bunda.


3-Jack Johnson – “Brushfire Fairytales” (2001)


A chuva deve ser falsa. O casaco seguramente foi dado por algum patrocinador (não é assim que se vestem os surfistas profissionais)? E, mais grave, o cara é o Jack Johnson. Mas nenhum destes três fatos consegue arruinar o resultado legalzinho da capa, admito.



2-Barry White – “Just Another Way to Say I Love You” (1975)


Alguns caras mandam bem até quando aparecem suando em bicas (e segurando o microfone com um lenço) nos projetos gráficos de seus álbuns. É apenas um outro jeito de dizer “Eu te Amo”, afinal.


1-PJ Harvey – “Rid of Me” (1993)


O torso nu. O colar. Os lindos traços feios. PJ Harvey, quando quer, é sem igual. Quase nem precisava desta sobrenatural espécie de retro-auto-caldo flagrado em alta definição. Uma imagem histórica.

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Lá Vem o Mala do Paulista




Embasbacado com o skyline da zona Sul de São Paulo, que não contemplava há quase três anos, levei o André à janela. “Só neste campo de visão você tem o equivalente a toda a população da cidade onde nasceu”, ouviu do seu pai o pequeno barcelonês.

Entre as centenas de detalhes que te marcam quando você volta à SP após tanto tempo, sobretudo vindo de cidades de médio porte como Barcelona (bom, médio porte pelo menos para o Mala do Paulista aqui), um dos mais impressionantes é a massa de arranha-céus. Algo, aliás, que sempre achei bonito. E que continuo achando, a ponto de querer homenageá-los ao resgatar as melhores capas de disco em que eles são os protagonistas.


10-Depeche Mode – “Black Celebration” (1980)

 Para começar, um no estilo espelhado, bem yuppie.


9-Killers – “Hot Fuss” (2004)



Essa entra aqui pelo aspecto decadentão, com o ar poluído e o neon de letras de algum alfabeto asiático (não me arrisco a dizer qual; alguém confirma?). Enfim, me lembra um pouco a atmosfera do clássico cinematográfico “Blade Runner”.

8-Blondie – “Autoamerican” (1980)


A efervescência nova-iorquina da virada dos anos 1970 para a década seguinte tem aqui um de seus ícones. De uma glamourosa cobertura se vê não apenas a melhor silhueta feminina da época – a de Debbie Harry, claro -, mas também a sempre inspiradora vista panorâmica de Manhattan.


7-Sufjan Stevens – “Sufjan Stevens Invites You To: Come on Feel The Illinoise” (2005)


Um dos melhores álbuns da década passada é também parte da delirante iniciativa de seu genial autor, que disse querer compor um disco em tributo a cada um dos 50 estados americanos. Até agora, apenas Michigan e Illinois foram homenageados (a capa denota referênciascomo a torre Sears de Chicago, e em oura versão está o Superman).


6-Lalo Schifrin – “Towering Toccata” (1977)


Novamente o coração de Nova York comparece em grande estilo. Aqui, com o célebre compositor de trilhas sonoras argentino vigiando as finadas torres gêmeas, que aliás aparecem em outras várias capas (menção honrosa para a de “Going for The One”, do Yes, também muito boa).


5-Marvin Gaye – “Midnight Love” (1982)


Eu diria que trata-se também da Big Apple a metrópole que serve de pano de fundo para Marvin. Que, com seu sorriso maroto, discorreu sobre “cura sexual” e outras artimanhas neste bom disco.

4-Hurtmold – “Mestro” (2004)


O som urbano desse sexteto paulistano migrou com sucesso para o projeto gráfico de um de seus melhores trabalhos. Tudo a ver com a tensa mistureba de sons da banda.


3-Bad Religion – “How Could Hell be Any Worse? (1982)”


Como o inferno pode ser pior do que isso? É a pergunta, um tanto exagerada, da banda californiana em seu trabalho de estreia. Inclui o clássico “We’re Only Gonna Die”.


2-R.E.M. – “Accelerate” (2008)


É das que mais me lembra São Paulo, sobretudo os edifícios do centrão. Falta só encontrar onde foi parar esse logo bacana do trio saltando pelos ares. Na Praça das Bandeiras? No Anhangabaú?


1-Tim Buckley – “Greetings From L.A.” (1972)


Pode a poluição resultar em algo esteticamente belo? Pois a capa desta bolacha do pai do Jeff Buckley responde que sim. São Paulo e Santiago – a outra cidade que conheci que tinha essa espécie de crosta lilás tóxica no horizonte – não dão nem para o cheiro. Literalmente.

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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Preto. Branco. E só.



A MTV Brasil completou 20 anos no mês passado. Mesmo com um certo atraso, é hora de prestar tributo à parte boa do legado da emissora, principalmente sua primeira década, quando o lado visual da música propriamente dita ainda era a sua prioridade.

Há muito tempo o canal mudou de rumos, para pior, mas seus primeiros anos, durante os quais o assistíamos via primitivos conversores UHF, contribuíram em muito para a evolução da estética pop no Brasil pré-internet. Para quem estava começando nesta história de fixação por música, não teve preço. O que chegava até então era escasso, muito escasso, veiculado no “Realce” e depois “Clip Trip”, ambos da xexelenta TV Gazeta com apresentação de um sujeito chamado Beto Rivera e um boneco conhecido como Capi. (Sim, um boneco. E sim, “Capi” de “Capivara”) Aproveito a inauguração da série “memória afetiva videoclípica” para reforçar o time dos Top 10 cujo critério é o videoclipe, coisa que só fiz neste post.

Neste episódio, umas das categorias visuais favoritas do Mala da Lista: os clipes em preto e branco que mais marcaram a sua vida. Não por acaso, vários são do período inicial da “Emitevê”, como diz Caetano Veloso.

10-Leonard Cohen – “First We Take Manhattan” (1988)

É enigmático como a música em si, uma a bizarramente bem-sucedida tentativa de Cohen de fazer dance music. É velho, mas só o conheci recentemente, quando inclusive já havia presenciado Cohen tocando a música num indescritivelmente brilhante show em Barcelona há pouco mais de um ano.



9-Los Hermanos – “Sentimental” (2001)

A ruptura dos Los Hermanos com a febre “Anna Julia” foi além da música. Quando lançaram o surpreendente “O Bloco do Eu Sozinho”, também deixaram de lado os videoclipes convencionais. E se em “Todo o Carnaval tem Seu fim” se metiam em sacos e pulavam em câmera lenta e em “Fingi na Hora de Rir” recorriam à imagens caseiras de uma festa de quinze anos, em “Sentimental” eles quiseram registrar o entediante cotidiano de um pacato cidadão em super 8 e sem cores. O cara toma café na padoca, conversa com o colega de repartição e até abraça uma árvore – é, nem tão entediante assim -, enquanto o mundo desmorona na torturada interpretação da banda. O roteiro é de um dos dois líderes, Rodrigo Amarante.


8-Massive Attack – “Daydreaming” (1991)

Lembro bem que, aos doze anos, ainda não entendia o som do grupo de Bristol. Mas já sabia de alguma maneira que algo sério vinha por ali e apreciava o aspecto artístico do clipe que, além de belo, é histórico por captar a primeira encarnação do grupo, com Tricky (o segundo a rimar, depois de Robert Del Naja) e Shara Nelson.


7-Red Hot Chili Peppers – “Give it Away” (1991)

Já é que para ser nostálgico: ah, como era bom o Red Hot Chili Peppers de 1991. No auge da forma da banda, com o essencial “Bloo Sugar Sex Magik”, recém-lançado, tudo o que eles faziam era legal. Inclusive este inesquecível clipe, que alavancou a carreira do fotógrafo e diretor francês, Stéphane Sednaoui, que depois viria a dirigir outros clássicos, como “Today”, dos Smashing Pumpkins, e “Big Time Sensuality”, de Björk, ambos de 1993.


6-Pet Shop Boys – “Being Boring” (1990)

Bruce Webber, diretor de um dos grandes documentários em PB da música - “Let’s Get Lost” (1989), sobre o jazzista Chet Baker -, cuidou do mais elegante trabalho desta lista. E o mais gay friendly, a julgar pelas bundas masculinas de modelos Calvin Klein que transitam de fora. Detalhe nonsense imperdível: no minuto 2” 49’, um macaco atravessa a sala patinando, vestido em smoking.


5-Depeche Mode “Never Let Me Down Again” (1987)

E já que falamos em diretores que são grife, vamos direto ao maior deles: Anton Corbijn. Aqui, o holandês registra a passagem ao estrelato arty de uma de suas bandas-fetiche, da qual vem assinando quase todos os videoclipes em três décadas de trajetória (vários em PB). Bem ao seu estilo, faz com que a letra - aparentemente sobre um viciado na fissura esperando o traficante - não coincida com as imagens, nas quais um jovem David Gahan toma café com um sósia do humorista Millôr Fernandes.


4-Portishead – “All Mine” (1997)

Tirem as crianças da sala. Eis o possivelmente mais - com o perdão do espanholismo -escalofriante videoclipe já produzido. E ao mesmo tempo um dos mais baratos. Tudo por culpa da jovem e estranhíssima protagonista, uma versão miniatura da vocalista Beth Gibbons (será que é a sua sobrinha? Aí seria definitivamente o mais barato da história) que interpreta de maneira fantasmagórica uma canção já sinistríssima. Uma obra de arte desconcertante.


3-Bob Dylan – “Subterranean Homesick Blues” (1965)

Um dos mais influentes e parodiados videoclipes - o INXS e Weird Al Yancovich parodiou – é na verdade um promo de “Don’t Look Back” fabuloso documentário de D.A. Pennebaker sobre a turnê inglesa que Dylan fez em 1965. Mas mesmo sem querer, entrou para a história por criar um lance assim, super “proposta”, ao invés de simplesmente filmar um artista no palco, como mandava a cartilha da época.

Octagenário e ainda firmão, o Pennebaker marcou presença numa sessão do filme à qual fui há duas semanas aqui em Barcelona. Bem-humorado, foi sincero ao dizer que não lembra de quase nada dos bastidores da lendária produção. Não explicou nem o porquê da presença no clipe do cantor Bob Neuwirth e do maior arroz-de-festa dos poetas beatniks, Allen Ginsberg.


2-Chris Isaak – “Wicked Game” (1991)

Como os torcedores do Santos Futebol Clube, o negócio de Herb Ritts era um “alvinegro praiano”. Afinal, entre as obsessões do falecido diretor e fotógrafo de moda americano estavam os videoclipes filmados em preto e branco e ambientados em praias. Em 1989, emplacara “Cherish”, de Madonna, já com uma certa repercussão. Mas virou o mundo de cabeça para baixo mesmo com este, flagra do eterno amasso de Chris Isaak com a top model dinamarquesa Helena Christensen (em topless), nas areias do Havaí. A própria MTV o consagraria como o clipe mais sexy de todos os tempos.


1-Joy Division – “Atmosphere” (1988)

Em 1980, a música foi usada como trilha sonora pós-aviso do suicídio do Ian Curtis pelo mítico radialista John Peel. Oito anos depois, Anton Corbijn – ele de novo – quis homenagear sua outra banda de estimação com o mais poeticamente dark dos clipes. Acabou concebendo a versão visual do canto do cisne de Curtis proposto por Peel. E, enquanto dirigia misteriosos encapuzados carregando imagens do vocalista, Corbijn provavelmente profetizou: dali a quase 20 anos utilizaria a mesma estética bela e desiludida para a biopic de Curtis, “Control”.


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Barba, cabelo, plumas e paetês


Laerte (Foto de Augusto Gomes - Ig)

É hora de falar do verdadeiro assunto da semana. Eleições? Mas é claro que não. Me refiro à nova fase do Laerte, que agora só se veste de mulher.

O cartunista é um crossdresser, termo que, confesso, não conhecia. Não é travesti ou transexual. Nem necessariamente homossexual (Laerte, por exemplo, tem namorada). Os crossdressers, como o genial autor de “Piratas do Tietê”, aderem a hábitos estéticos femininos – aí incluem-se idas à depilação e manicure – por motivos que vão da performance artística à, em seu caso, investigação antropológica. Laerte diz que quis colocar-se na pele de uma mulher para conhecer mais a fundo nuances (e preços!) da vaidade estética feminina. Foi muito é macho, e o resultado de seu experimento é, ao mesmo tempo, surpreendente, corajoso e hilariante. Ele agora é uma pacata senhora de 60 anos.

A reviravolta do guarda-roupa – para dizer o mínimo – de Laerte lembrou ao Mala da Lista que, no mundo da música, esse lance de homem se vestir de mulher é algo relativamente normal. E quis fazer um top 10 dos exemplos mais bombásticos exemplos, aí sim incluindo não apenas crossdressers como as vertentes mais à esquerda da modalidade, tais quais travestis e transexuais. Eles são pop, e como são...

Já explico antes que não é questão de meter todo mundo no mesmo saco. As listas deste blog têm critérios, e o critério aqui é o elemento “popstar homem vestido de mulher”. Divergem quanto a serem crossdressers esporádicos, travestis ou transexuais. Em comum, têm o impacto que causam pela opção estética.

*Menção honrosa para todos os astros ligados ou influenciados pelo glam rock (de Bowie a Brian Molko, de Ney Matogrosso a Boy George). Não dá para dizer que se vestem ou vestiam de mulher. Nem de homem. É um meio termo, taí a magia da coisa.


10-Kim Petras
Descrita como “a mais jovem transexual do mundo” por ter trocado de sexo aos 16 anos (há controvérsias: outro dia vi na TV espanhola um pré-adolescente que passaria pela cirurgia), a alemã Kim (ex-Tim) Petras, conseguiu alavancar sua carreira de cantora teen pelos tablóides. Entre as notícias que nutriram o burburinho, a de que já fazia tratamento hormonal desde os 12 anos (agora ela tem 18).




9-Marilyn Manson
Ele teve sua fase travesti (na verdade um travesti alienígena) no disco “Mechanical Animals”, de 1998, em que usou seios postiços para encarnar o alter-ego Omega.




8-RuPaul
A gigantesca drag queen americana já nasceu com pseudônimo artístico (RuPaul Andre Charles é seu nome de batismo) e migrou dos cabarés para a TV e a música. Lançou cinco discos de poperó grudento entre 1993 e 2006 e brilhou ao lado de Elton John, lhe aplicando broncas e abraços de urso no clipe desta releitura farofenta de “Don’t Go Breaking My Heart”, antigo sucesso do baixinho:




7-Pete Burns (Dead or Alive)
Em 1985, quando o Dead or Alive estourou mundialmente com o hit “You Spin me Round”, Pete Burns era apenas um vocalista ultra-afeminado como tantos outros. Nada que o diferenciasse especialmente de Boy George ou do grupo Army of Lovers, que surgiu um pouco depois (aquele do bigodudo ruivo e da do sujeito com pinta de cigano de peito cabeludo). Mas passado o desbunde daqueles dias, Burns pagou micos em reality shows, chafurdou na decadência e montou e desmontou novas versões do grupo, a cada aparição ressurgindo mais transformado fisicamente. Neste mini documentário recente, dá para ver que a quantidade atual de botox em sua boca daria para saciar três Martas Suplicys, ou duas Nicoles Kidmans e meia. (O assunto na verdade é sério: o vídeo mostra o episódio em que Burns teve uma tenebrosa overdose de encherto bucal).




6-Rogéria
Astolfo Barroso Pinto, nacionalmente conhecido como a transformista Rogéria, tem 67 anos e mais de 50 dedicados ao cinema e à televisão. E também solta o vozeirão, como podemos ver a partir dos 40 segundos deste vídeo extraído da peça “Seven o Musical”. Não dá para esquecer a primeira aparição de Rogéria em nossas vidas. A minha primeira foi numa novela da Globo cujo nome não me lembro. Em uma cena, o personagem dela se irritava e berrava: “porra, meu nome é Valdemar!”.
 


5-Nomi (Hercules and Love Affair)
Foi o andrógino Antony Hegarty (Antony and the Johnsons) que, com suas colaborações vocais no disco homônimo de estreia desta banda, deu-lhe a forcinha extra necessária para o sucesso no meio indie eletrônico. A principal voz herculeana é da exuberante transexual Nomi, que antes já tinha no currículo um disco solo e também turnês ao lado do próprio Anthony. Admito que quando eu vi o bom show do grupo, no Sónar 2008, falei: “que mulherão!”.




4-Roberta Close
Essa foi guerreira. Em pleno Brasil recém-saído da ditadura, fez operação para trocar o sexo e começou uma disputa para que pudesse mudar de gênero e nome (de Luiz Roberto para Roberta), algo que conseguiu mais mais de dez anos depois. De quebra ainda gravou pérolas para pista como esta, “Sou Assim”. Atenção para o recado final: “eu sou a gatinha, eu sou a gata, miau para todos”.




3-New York Dolls
Os primeiros crossdressers da música pop não queriam apenas saber de garotas, doses cavalares de heroína e (auto) destruição. Também estavam ligadíssimos em sapatos-plataforma, saias, maquiagem. O marketing de um grupo com caras tão podres e que ainda por cima se vestiam de mulher não podia dar em outra. A maneira de ser “macho” e ao mesmo tempo aparecer com roupas femininas influenciaria toda a geração do metal farofa oitenteiro (Poison, Wasp...), resvalando também para nomes mais respeitados como Aerosmith e Guns n’Roses.




2-Jayne County

Quando ainda atendia por Wayne County e atuava em filmes de Andy Warhol, no começo dos anos 1970, Jayne já barbarizava não só por entrar em cena travestida, mas por cuspir sangue de galinha na plateia, fosse ela underground ou não. Ainda na ativa, a transexual é considerada, juntamente com os Dolls, uma das precursoras perdidas do punk americano, pela atitude, o som cru e claro, o visual. Teve o careta - é, talvez nem tanto - The Police como banda de apoio no começo da carreira.




1-Wendy Carlos


Todo um clássico. Esta senhora septuagenária aí da foto (aqui o link para uma entrevista com ela)ainda se chamava Walter Carlos quando assinou a inesquecível trilha sonora de “A Clockwork Orange”, de Stanley Kubrick, em 1972. Logo em seguida trocou de sexo e o nome, mas não alterou em nada sua peculiaridade musical, a de converter obras eruditas – Beethoven e Rossini, entre outros - em futurísticas peças executadas no sintetizador Moog. Lembro desta célebre transgender de terceira idade toda vez que vejo o travesti veterano morador do meu bairro, o gloriosamente diversificado Poble Sec.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Estética do Xilindró



A cobertura das eleições brasileiras pela mídia da Espanha tem sido chôxa, pelo menos em comparação com os últimos pleitos de ex-colônias do país, como Argentina e Colômbia. Mas a cada vez que o assunto é tratado na TV, a imagem de fundo da matéria é a foto de Dilma Roussef de quando foi presa, em 1970, por seu envolvimento com a luta armada contra a ditadura militar.

Mal sabem os ibéricos que na atual conjetura política tupiniquim abundam ex-guerrilheiros, tanto na situação (o Ministro de Comunicação Social Franklin Martins), quanto na oposição (Fernando Gabeira). Também ignoram que a estética do xilindró já foi explorada antes nas paragens verde-amarelas, como nas camisetas que em 2002 circulavam estampadas com a foto de Lula, barbudíssimo, fichado pelo Dops em seus anos de sindicalismo.

Estética essa, aliás, que é bastante familiar ao mundo pop. Por isso, e porque basta de política, resgato aqui alguns astros que quiseram decorar capas de seus álbuns com toques carcerários.

*Passaram no detector de metais do Mala da Lista apenas os casos em que o próprio autor vê, ou está prestes a ver, o sol nascer quadrado. O que exclui capas clássicas como “Crime of the Century”, do Supertramp (que traz apenas mãos e grades flutuando no espaço).



10-Dexter – “Exilado Sim, Preso Não!” (2005)


Entre as celebridades paulistanas que entrevistei em 2003 para o livro “São Paulo de Todos os Sonhos” (falo disso também aqui), o então detento Dexter, que me atendeu por celular – mas é claro -, foi de longe a mais simpática e prestativa, numa prova de que as aparências enganam (e enganam mesmo: a mais arredia e mal-humorada foi a monja budista Coen). Desde junho deste ano, Dexter cumpre em regime semi-aberto sua pena por assalto a mão armada. Terá mais tempo, esperamos, para preparar uma capa melhorzinha para o novo CD, prometido para 2011.



9-Whodini – “Escape” (1984)


Na primeira metade dos anos 1980 o hip-hop ainda vivia sua fase mais naïve pré-gangsta, mas o trio de Nova York já não estava para brincadeira. O mais curioso é que dá pinta de que eles estejam em um zoológico, e que nem sequer se encontrem do lado de dentro da cela/jaula.



8-Racionais MC’s – “Holocausto Urbano” (1990)


O quarteto estreou em disco com uma de suas obsessões, as capas com cadeia. Além desta há a assustadora de “Raio-X do Brasil, de 1993 e a belíssima da coletânea homônima de 1994, mas ambas não incluem Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay como personagens.



7-James Brown – “Revolution of the Mind” (1971)


Talvez depois de Dexter, James Brown seja o que tem maior intimidade com o xadrez desta lista. Nada como transformar tal relação na capa de um álbum ao vivo.



6-Bezerra da Silva – “Esse Aí que É o Homem” (1984)


“Meu Bom Juiz”, LP do sambista lançado em 2003, traz ele encarcerado e também vestido de juiz. Mas a arte é tão tosca que preferi este, em que o saudoso malandro acaba de “perder” e está em vias de entrar pelo cano, aparentemente nas mãos do Hermes e do Renato.



5-Public Enemy – “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” (1988)


Capa clássica de um álbum mais ainda. Que Chuck D, Flavor Flav e rapaziada andaram relendo na íntegra ao vivo, como testemunhei em 2008 aqui em Barcelona. Vai encarar?



4-Mack Vickery – “Live at theAlabama Women’s Prison”


Este contemporâneo obscuro de Johnny Cash, que trocou o rockabilly pelo country, era ousado: se Cash fizera um disco em presídio para homens (“Live at Folsom Prison”, de 1968), Vickery deu um jeito de gravar o seu numa prisão feminina. A capa ficou com pinta de cartaz de filme pornô, mas tudo bem.



3-Floyd McClellan – “I Am An Ex-Convict From A Florida Chain Gang” (1978)


Outra pepita garimpada pelo blog LP Cover Lover, entrou bem neste ranking pelo traje Irmãos Metralha e pelo olhar perdido de McCellan, que parece muito mais carente de um tratamento psiquiátrico do que atormentado pela falta de liberdade.



2-Chico Buarque - “ParaTodos” (1993)


Em 1961, bem antes de começar a escrever canções com metáforas sobre a ditadura que os censores não entendiam, Chico foi preso por roubar um carro com um amigo. As fotos do fichamento não mentem: ele ainda era “di menor”.



1-Ivan Lins – “Nos Dias de Hoje” (1978)


Até tu, Ivan Lins? É a pergunta que não quer calar esta semana. Pois parece que sim, até ele, Ivan Lins, andou trancafiado entre grades. Nos anos 1960 e 1970 o cantor carioca era bastante politizado, fase que gerou a capa mais crua, autêntica e fiel ao espírito desta lista. E tendo como referência o som de churrascaria que o cara vem fazendo desde os 1980 – e ah, como é difícil não levar isso em conta -, imaginar um milico informando, grave, que “capturamos o subversivo Ivan Lins! Capturamos o subversivo Ivan Lins!”, pode ser dos mais insólitos exercícios.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quem precisa de dentes bonitos?




Quando eu for para o Brasil, no fim do mês que vem, passarei pelo dentista. É algo que não faço há tempos, de tão pavorosos que são os relatos das pessoas que estiveram em cadeiras odontológicas espanholas. Aqui é normal uma pessoa voltar de um consultório com um dente a menos ao reclamar de uma simples cárie. Arranca-se dentes na Espanha do século 21 como se ainda estivéssemos na Guerra Civil de 70 anos atrás.

E não só: é socialmente aceitável um apresentador de TV com boca de Jeca Tatu, e até mesmo uma gata ou um boa-pinta saírem para balada com um dente da frente faltando. Ou seja, dentista, para os que desfrutam as políticas igualitárias mas mal-pagas do bem-estar espanhol, é luxo. Certa vez minha irmã Adriana , por exemplo, ouviu um estrondoso e irônico “óóóóóóóóóóó´!!!” quando comentou a um grupo de amigos, em sua maioria chefs e sommeliers fartamente remunerados da alta gastronomia ibérica, que iria cuidar da arcada dentária no dia seguinte. De forma que um Dia do Dentista, como celebra-se no Brasil na próxima segunda-feira, não faria muito sentido por aqui.

Daria para viajar em uma série de teorias para o desmadre dental geral desta nação, mas 100 % certo mesmo é a contribuição para isso do tal do desprendimento estético europeu, onde (ainda bem) ninguém liga – ou finge não ligar – para como o outro está vestido, se fede ou não, se não há nada faltando em sua boca. Deve ser por isso que 8 dos 10 integrantes desta lista são europeus. Mas lista de quê? Ora, nem precisa falar: dos piores dentes da música pop.

*Menção honrosa para Elvis Costello e Flea, com dentes frontais separadíssimos, mas que em seus casos acabou rendendo-lhes um charme extra.



10-Goldie




Muitos músicos, especialmente rappers, enchem a boca de ouro para demonstrar algum status. No caso do pioneiro do drum and bass Goldie, a tentativa de fazer moral com a rapaziada se misturou a uma dentição naturalmente problemática da maneira mais espalhafatosa, numa confusa combinação de placas bacterianas, tártaro e pedras de alguns quilates. Deu certo, afinal “Ourinho” já pegou muita gente, de Naomi Campbell a Björk.


9-Johnny Rotten (Sex Pistols)



 O codinome Rotten (“podre”) veio justamente do estado em que se encontrava a dentição de John Lydon no começo de sua carreira. Desde o estouro dos Pistols em 1976 até hoje em dia, não faltaram dinheiro ou oportunidades para dar um trato, mas Johnny sacou que um sorriso Cepacol em seu caso perderia bastante a graça.


8-Amy Winehouse


Amy segue o mesmo estilo de Rotten. Mas ela o supera no ranking, porque de um cidadão conhecido como Joãozinho Podre que toca na mais controversa banda punk inglesa até se admite a janela. De uma neo-diva soul que um dia foi estilosa e até mesmo gostosa, não.


7-Justin Sullivan (New Model Army)




A coisa começa a esquentar. Afinal o buraco é mais embaixo quando o... er.... buraco é mais no meio.


6-Paul McCartney




Sim, foi temporário, mas Paul MacCartney esteve com o dente frontal esquerdo quebrado, por causa de um acidente de motoca, quando os Beatles ainda estavam no auge (1965-1966). E mais, consta que permaneceu assim pelo menos por seis meses, período que inclui a gravação do clipe da música “Rain” (foto). Para analisarmos o tamanho do descuido, seria como se hoje em dia somássemos as maiores bandas pop, vamos dizer U2 e Coldplay, tendo como vocalista uma mistura de Beyoncé e Lady Gaga. Pois imagine o impacto deste suprergrupo multiplicado por três, e em seguida visualize um de seus principais integrantes sendo banguela. Nem o Google aguentaria tanta repercussão.


5-Chet Baker


Ah, as noites em claro. Ah, as mulheres. Ah, as doses de heroína sem fim.
Ah, como a conta saiu cara para os excessos de Chet Baker. Entre as despesas mais pesadas, os anos na prisão, a aparência de 100 anos de idade quando tinha 50 e a perda dos dentes da frente numa surra.


4-Richie Havens


Na mesma linha de Baker vai o herói do folk negro Richie Havens, que fez o show inaugural de Woodstock segurando a bronca de 400 mil hippies apenas com voz, violão e nenhum dente superior sequer. Meu amigo Cláudio Versiani, grande fotógrafo e jornalista, tem em sua parede um retrato ao lado de Richie em um show mais recente nos EUA. Nela, o cantor já aparece com sua prótese (dentadura?) adquirida no final dos anos 1970.


3-Jerry Dammers (The Specials)




Mais chocante do que não exibir nada em cima é passar a vida toda com uma janelona tripla dessas. Já era marca registrada do tecladista dos Specials quando eles inventaram o ska-rock há mais de 30 anos, e continua sendo agora, quando a banda voltou aos palcos e ele se recusou a participar.


2-Shaun Ryder (Happy Mondays)


Shaun era assim...
No primeiro dos dois shows que vi da volta dos Happy Mondays aqui em Barcelona, em julho de 2006, Shaun Ryder estava prestes a fazer sua primeira visita ao dentista em duas décadas. Aos 44 anos de idade, boa parte deles dedicada a extravagâncias comparáveis à do banguela Chet Baker, ele finalmente gastaria mais de 10 mil libras para trocar ou recuperar cada mísero dente. O cirurgião que trabalhou por seis horas em sua bocarra não ocultou a verdade: “Shaun’s teeth were as bad as you can get”.


...e ficou assim


1-Shane MacGowan (The Pogues)




Volto ao começo do post em estado de alerta: todos os 8 europeus do ranking são ingleses ou ingleses por adoção (Jerry Dammers nasceu na Índia). E destes, seis cresceram num período bastante decadente da Inglaterra, a segunda metade da década de setenta e primeira da de 1980. O que nos leva à suposição de que, entre outras privações vividas pela nação de Margaret Tatcher, estavam a escassez de água fluoretada nas torneiras ou até mesmo de pasta de dente nos supermercados. Ou alguém imagina que Shane McGowan viu algum dia uma escova pela frente? Pelo menos até sua recente decisão de se auto-banguelar e aderir à dentadura, é difícil mesmo conceber.

Numa hilária reportagem da revista inglesa Mojo do começo deste ano, Shane infernizou a vida do jornalista, o enrolando infinitamente sobre a hora e o local da entrevista, que nunca saía. Acabaram combinando o encontro de madrugada num pub, onde o repórter já o encontrou bebaço. Não satisfeito, MacGowan ainda convenceu o pobre a acompanhá-lo a uma espécie de chalé no meio do nada, ao que arrastou, inapropriadamente, outro camarada ainda mais alcoolizado que insistia em dar pitacos na conversa. MacGowan chegou totalmente banguela ao casebre. Perguntado sobre onde teria ido parar a dentadura do figura, o amigo do músico respondeu ao jornalista: “é bem possível que ele a tenha esquecido no bar”.