terça-feira, 29 de setembro de 2009

Calouros de luxo





Quem tem amigo ator – e quase todo mundo tem um, ou que aspira a tal – nota que, vira e mexe, eles estão “trabalhando a voz”. Não só porque impor o gogó em cena é necessário, sobretudo no teatro, mas também porque quando menos se espera, um papel pede uma palhinha musical em determinado momento de tal peça, filme, série, novela ou performance.
É o caso das figuras selecionadas neste novo Top 10, que traz atores e atrizes em gloriosas e imprevisíveis aparições musicais no cinema.  Foram privilegiadas as interpretações mais surpreendentes, que revelam um pouco ou muito mais sobre a própria personalidade destes cantores improvisados, e até dos diretores e roteiristas por trás das referidas cenas. Tais atores ou atrizes, quando bancam cantores, estão mais vulneráveis, humanos, e boa parte dos momentos musicais que protagonizam contribuem para a eternização de algumas películas importantes.
Não valem, é claro, os musicais. Em primeiro lugar porque dificilmente não são chatos ou cansativos; em segundo, porque não trazem nada de espontaneidade, já que seus atores se exaurem em aulas de canto e têm pretensões de “artista completo”, aquele que atua, canta, dança… também ficam de fora cenas ótimas em que os astros dublam, como a loirinha Melissa George fazendo caras e bocas sobre “I’ve Told Every Little Star”, de Linda Scott, na sombria audição de “Mulholland Drive” (2001), ou Penélope Cruz chorando ao emular Estrella Morente num restaurante em “Volver” (2006). Só quem soltou mesmo o gogó, ainda que por cima da gravação original, passou no crivo do Mala da Lista.
*Menção honrosa para o ator catalão-alemão Daniel Brühl cantando a imbatível “Suzanne”, de Leonard Cohen, no filme “Salvador” (2006), que foi impossível de encontrar.

10-Chiara Mastroianni canta “Eye of the Riger” (Survivor) – “Persepolis”, 2007
O sangue de azul de Chiara Mastroianni – a atriz só é filha do Marcello Mastroianni com a Catherine Deneuve – não impediu que ela se despisse de qualquer noção de ridículo para desafinar neste hino kitsch oitentista, parido também para uma trilha sonora – a de“Rocky IV” (1985). Ele volta aqui como um escrachado cântico de auto-ajuda à protagonista desta fundamental animação, baseada no ainda mais obrigatório livro homônimo da iraniana Marjane Satrapi. Francesa, é claro que Chiara não deixaria de exagerar no sotaque para elevar o índice de deboche da cena.



9-Malcolm McDowell canta “Singing in the Rain” (Gene Kelly) - “A Clockwork Orange”, 1971
É quase tão desconcertante quanto a ultraviolência gratuita dos droogs ou o desumano tratamento Ludovico: Alex, o líder da turma de hooligans, canta e baila alegremente “Singing in the Rain” enquanto viola uma mulher e espanca seu marido.
Mestre na recontextualização de músicas conhecidas nas trilhas de seus filmes, Stanley Kubrick foi especialmente perverso na escolha da canção de Arthur Freed e Nacio Herb Brown popularizada por Gene Kelly em filme homônimo de 1952. Sobrou para Malcom McDowell puxar na crueldade e no sarcasmo. A fórmula, aliás, que consagrou a tal Laranja Mecânica.



8-Javier Bardem canta “Por el Amor de una Mujer” (Julio Iglesias) – “Huevos de Oro”, 1993
Karaokês são um interessante brinquedo pop (ver também item 1 desta lista). Aliados à breguice, um bom ator e um ousado diretor, tornam-se irresistíveis. Em “Huevos de Oro”, do polêmico cineasta espanhol Bigas Luna, o novo rico Benito, vivido por Javier Bardem, é obcecado por este dramalhão de Julio Iglesias. A canção “evolui” na trama e acaba passando de trilha de fundo a peça importante do roteiro quando, numa crise de ciúmes – de suas duas mulheres – Benito sola:
Por el amor de una mujer/

Jugué con fuego sin saber/

Que era yo quien me quemaba…
Não preciso nem dizer para reparar nos trajes do pessoal, especialmente a sunga do cidadão com o qual se irrita Benito, e também no momento em que ele percebe que fio do microfone é curto. Também vale lembrar que o elenco trazia não só Bardem, mas uma série de outros atores castellano-hablantes que viriam a triunfar mundialmente, como Benício del Toro e Maribel Verdú, além da portuguesa Maria de Medeiros. 


7-Vários cantam “Wise Up” (Aimee Mann) – “Magnolia”, 1999
Você aí que, como escreveu Álvaro de Campos em seu “Poema em Linha Reta”, foi “tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil”. Você que, como o conhecido descrito por Mano Brown em “Capítulo 3, Versículo 4”, está “viciado, doente, fodido, inofensivo”: junte-se a nós. Estamos todos na lama e nem por isso vamos deixar de cantar.
É mais ou menos este o mote desta célebre passagem de “Magnolia”, de Paul Thomas Anderson, que só não levou o caneco de mais inusitada do filme porque competia com a chuva de sapos no final. Mas trata-se de uma verdadeira ode à aceitação da depressão e a celebração da derrota, entoada em coro pela nata do cine indie americano (William H. Macy, John C. Reilly), reforçada por pelo menos um figurão do alto clero de Hollywood (Tom Cruise) e por gente que passou do primeiro ao segundo grupo ao longo desta década (Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman).
A infiel, o loser, o traumatizado, a insegura, o complexado. Todos se unem nesta espécie de “We Are the World” da era Prozac. E preparem-se pois, como diz a americana Aimee Mann no refrão, “It’s not Going to Stop”.





6-Marieta Severo e Daniel Oliveira cantam “As Rosas não Falam” (Cartola) - “Cazuza, o Tempo não Pára”, 2004

O único aspecto positivo que Cazuza enxergava sobre ter sido batizado como Agenor é que ele compartia nome com um ídolo, Cartola. Na hora de adaptar para a tela o livro “Só as Mães são Felizes”, da mãe do cantor, Lucinha Araújo, os roteiristas Fernando Bonassi e Victor Navas tiveram o cuidado de incluir duas homenagens ao sambista. Ambas, “O Mundo é um Moinho” e “As Rosas não Falam”, estão no possivelmente melhor disco da história da música brasileira, “Cartola” (o de 1976, com Dona Zica na capa). No minuto 8’29” deste trecho, Daniel Oliveira de Oliveira (Cazuza) e Marieta Severo (Lucinha) dividem os vocais em uma interpretação da espetacular canção.


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5-Vários cantam “Tiny Dancer” (Elton John) - “Almost Famous”, 2000

Esta fez tanto sucesso, independentemente até do filme, que ajudou a recuperar o prestígio de uma velha balada de Elton John, presente originalmente no álbum “Madman Across the Water”, de 1971.
Como todas as outras do disco, teve sua letra escrita pelo antigo parceiro do cantor e pianista, Bernie Taupin.  Assim que, se o que te emociona são os versos, dê graças a Taupin, e não a John. Mas imagino que, como aos vários atores que cantam na cena para espantar a ressaca e o clima pesado de uma briga – entre eles Kate Hudson e Jason Lee -, o que te pega é a melodia, ou o conjunto melodia+letra, ou simplesmente “a magia do momento”.
Fácil de dizer também que este é um dos “filmes de música” mais legais, por ser baseado numa experiência real do diretor Cameron Crowe (sim, o cara colaborava com a Rolling Stones ainda na puberdade) e pelo retrato romântico da primeira metade dos anos 1970 na música. Algo que ele já fizera, mas com um viés mais irônico, com a cena grunge dos 1990 em “Singles” (1992).



4-Nicolas Cage canta “Love me” (Elvis Presley) - “Wild at Heart”, 1990

Pode procurar. Sempre será possível achar referências à estética americana dos anos 1950 e do comecinho da década seguinte na obra de David Lynch, seja nos longas, curtas ou na inigualável série “Twin Peaks”. As mais evidentes são sempre as roupas, os penteados e as músicas das trilhas sonoras.
Como no item 6 desta lista, Lynch oferece um tributo duplo a outra lenda, Elvis Presley, na voz de Nicolas Cage, ou Sailor, o protagonista do inesquecível filme lançado no Brasil como “Coração Selvagem”. Cage, que daria canja vocal em trilhas de outras produções, como “Leaving Las Vegas” (1995), não deixa a peteca cair em interpretações das baladas “Love me” e “Love me Tender”, ambas lançadas pelo Rei em 1956. A primeira ficou a melhor. Em ambas, a musa é a maravilhosa Laura Dern (atualmente casada, aliás, com um músico: Ben Harper).





3-Jack Black canta “Touch Me” (The Doors) - “School of Rock”, 2003

Jack Black é meio como Jim Carrey: às vezes suas micagens podem te irritar ao extremo, mas muito frequentemente também elas te causarão gargalhadas espasmódicas. Goste ou não do cara, o versátil Richard Linkater, diretor de “School of Rock” que também assina outros longas  totalmente diferentes e bons, como “Fast Food Nation” e “A Scanner Darkly” (ambos de 2006), não poderia ter escolhido outro ator-palhaço para o papel do professor de rock.
O fato de Black já cantar e tocar (tem a escrachada dupla Tenacious D) ajudou, mas fica até em segundo plano considerando o enfoque sem noção que o ator dá ao personagem: um roqueiro decadente e sem talento, mas que se leva extremamente a sério como artista e vê o ofício de ensinar rock a pequenos almofadinhas, ainda que de improviso, como a mais intocável das obrigações.
São vários os momentos hilários do filme. Mas este, que tem como aperitivo aulas de riffs de guitarras de Black Sabbath, Deep Purple e AC/DC, e ainda um grand finale com Black solando com pouquíssima noção diante das crianças, é o campeão.





2-Cliff Gorman canta “Cold Lamping” (Public Enemy) - “Ghost Dog – The Way of the Samuray”, 1999

“Yeah!!! Niggers, indians… the same thing!”. A escrotidão do mafioso de chapéu e óculos sentado à mesa é só mais um dos componentes de uma das melhores sequências da filmografia de Jim Jarmusch. Um dos gângsters (que é a cara do Fat Tony, de “Os Simpsons”) está tentando explicar para seus chefes que o matador que eles buscam atende pelo codinome de “Ghost Dog”. O único que se anima a dar alguma explicação para o apelido é Sonny Valerio (vivido por Cliff Gorman, falecido em 2002), porque é fã de hip-hop. O que vem depois – as rimas de Flavor Flav que Valerio manda do nada e a dancinha que ele ensaia no banheiro antes de levar bala na testa – é pura arte nonsense cinematográfica.



1-Bill Murray canta “More Than this” (Roxy Music) - “Lost in Translation”, 2003

Se soubesse dirigir filmes, eu faria exatamente como Sofia Coppola, ou o Cameron Crowe ali do item 5: passaria dias, semanas, meses escolhendo o momento certo de inserir minhas músicas preferidas em passagens cruciais de minhas películas. Arriscaria até dizer que algumas das cenas de “Lost in Translation”, inclusive, surgiram da necessidade da diretora de enfiar estas canções na história.
Como por exemplo “Sometimes”, do My Bloody Valentine, tornando ainda mais doce a cena da volta de Charlotte (Scarlett Johansson) e Bob Harris (Bill Murray) para o hotel num táxi; ou “Too Young”, do Phoenix (grupo daquele que seria o futuro marido de Sofia, Thomas Mars), embalando a dupla e Charlie Brown (Fumihiro Hayashi) na noitada. O já clássico final cliffganger, com “Just Like Honey” de The Jesus & Mary Chain ninando o choro de Charlotte e o sorriso de Bob, jamais seria o mesmo com outra música de fundo. Só que nenhuma dessas canções, tão importantes na trilha, nem nenhum dos belos temas originais de Kevin Shields (do próprio MBV) criados sob encomenda, são cantados pelos atores.
Para isso, voltemos à ferramenta do karaokê, tão sabiamente empregada no roteiro de Sofia. Todo mundo que passa pelo microfone na cena da balada manda bem: Charlie Brown incendia a casa com “God Save The Queen”, dos Sex Pistols, Charlotte improvisa uma graciosa versão de “Brass in Pocket”, dos Pretenders, e a releitura de Bob para “(What’s So Funny ‘Bout) Peace, Love and Understanding”, de Nick Lowe, é empolgante. Mas o próprio Bob Harris, ou Bill Murray, cantando “More Than This”, da fase mais pop Roxy Music, é a chave da trama.
Pouco depois dos primeiros e bêbados versos, “I could feel at the time, there was no way of knowing”, as danças de foco da câmera mostram a atenção que ela presta ao crooner cinquentão. Quando Bob se dá conta e seu olhar cruza com o de Charlotte, está cantarolando “more than this, you know there’s nothing more than this”, e os dois percebem a adequação da letra ao momento. O flerte que era velado passava a ser escancarado. Mas a sentença decretada por Bryan Ferry - sabiam Charlotte e Bob - seria provavelmente a mais dura das verdades daquele affair. "Você sabe que não há nada além disso".
Nunca teremos acesso ao segredo final – embora na internet sigam fervendo teorias a seu respeito, inclusive com leituras labiais atentas aos sussurros de Murray no ouvido de Scarlett -, mas no mundo real a tendência seria que o ator (secundário) Bob voltasse, um milhão de dólares mais rico e ainda mais decadente, aos braços de sua mulher, a chata dos carpetes. E a meiga e sonhadora Charlotte passaria pelo menos mais alguns meses tentando achar motivos para permanecer ao lado de seu marido pau-mole, o fotógrafo John (Giovanni Ribisi). Que, segundo quem defende o aspecto autobiográfico do script, seria o genial diretor de longas e clipes Spike Jonze, ex de Sofia Coppola. 
Já imaginou fazerem um filme tão bom só para contar o quão mau marido você é?

  








terça-feira, 22 de setembro de 2009

Onde se chega de barco




Como disse há dois posts, passei férias em Formentera, a menor, mais paradisíaca e menos farofeira das Ilhas Baleares, na costa nordeste Espanhola. É aquela que serviu de locação para “Lucía y el Sexo”, filme de Julio Medem lançado em 2001. É aquela, também, citada por Gilberto Gil na letra da música “Ladeira da Preguiça”, cuja gravação mais famosa é a da Elis Regina.
O tempo todo lembrávamos dos versos “Formentera é uma ilha, onde se chega de barco, mãe”, nos quais Gil usa esta preciosidade insulana que bóia no Mediterrâneo para “mandar conta pra casa de que esse mundo é uma maravilha".  Elementar que a partir daí o Mala da Lista embarcou, quase que literalmente, em um Top 10 músicas sobre ilhas ou arquipélagos. Reais ou imaginárias, pequenas ou grandes, urbanas ou selvagens, elas são os cenários dos delírios do inconsciente coletivo pop. Merecem, portanto, que você relaxe e ancore em mais esta próxima compilação.
*Menção honrosa para a rápida citação à mais famosa ilha brasileira em “Eu Sou 157”, dos Racionais MC’s, segundo a qual o prêmio aos assaltantes bem sucedidos seria “praia e maconha, comer todas burguesa em FERNÃO de Noronha”.

10-Madonna – “La Isla Bonita”
Dentre as dezenas de clipes de Madonna, o que acompanha esta música é um dos mais bregas. Apóia-se nos velhos clichês latinos do “caliente” ou “sensual”, com um carnaval de referências fora de lugar, sem pé nem cabeça. Para começar, o lugar homenageado na canção é San Pedro, uma ilhota pertencente ao Belize, país da América Central, mas a cantora veste um traje de bailaora de flamenco, a música que vem do sul da Espanha. Completa o balaio de gato “latino” uma referência a “samba” na letra, supostamente legitimada no vídeo pela presença do percussionista brasileiro Paulinho da Costa – habitué dos estudiões nos anos 80.
Mas a razão da entrada de “La Isla Bonita” não é o kitsch, do “tão ruim que é bom”. Acontece também que esta era a música que soava no set de ?uestlove, o notável baterista do The Roots, quando ele discotecou na minha vizinha Sala Apolo, em Barcelona, há dois anos. Empolgado com a fluência e o ecletismo de sua seleção e com a corrente sanguínea percorrida por uma série de drinques, acabei invadindo o palco. Minha intenção, que era das melhores – impressionante como bêbado pode ter sua lógica própria e ela fazer completo sentido durante a embriaguez -, foi obviamente interpretada de outra forma pelo segurança da casa. Até um certo copo voador foi visto na confusão antes que, coberto de razão, o cara me dominasse e me expulsasse dali.
Quando contei ao meu grande amigo André Faria, testemunha solidária do vexame, que, no final do ano passado, tinha por fim tocado na Apolo com o Soweto, ele me respondeu: “deu a volta por cima”. E é verdade. Nesta e na segunda vez que acabei tocando lá, se não me engano era o mesmo segurança que estava impedindo o avanço de hipotéticos bebâdos em minha direção. Outro dia cruzei com ele na rua. Pensei  que o mundo dá voltas e quase o convidei para tomar uma cerveja ao som de “La Isla Bonita”.


9-Elvis Presley – “Blue Hawaii”
Tudo sobre o Elvis fase gordo é fascinante. Como chegou a tal estado físico? De onde diabos sacava estes figurinos? Por que suava tanto? Quantas pílulas, ao final, tomava diariamente?
Este vídeo, já dos anos 1970, representa a decadência do Rei do Rock. Trajando seu look mais imitado, o que geraria a clássica fantasia “Elvis fase Gordo”, ele dubla um hit de 1961, da trilha sonora de filme homônimo à canção. Estrelado, aliás, pelo próprio, em pleno Hawaii, quando ele ainda era magro, bonito, saudável e possuía voz impecável.


8-Megadeth – Devil’s Island”
Eu ainda vou digitalizar os VHS que tenho com gravações das transmissões que a Globo fez de festivais de rock internacionais ocorridos no Brasil na década passada. A cobertura do Rock in Rio II, em 1991, é todo um clássico. O âncora Pedro Bial não dava uma dentro e os créditos de músicas e músicos apareciam com erros, entre outras gafes.
O melhor, porém, foram as contribuições dos entrevistados na noite dos metaleiros. Já falei sobre este personagem ao descrever um show da dupla Sunn 0))) para a extinta revista Bizz durante a cobertura do Sónar 2007, mas volto a ele: cabeludo, louro e seboso, o cara sacudia o pescoço para as câmeras e, não importando a pergunta do repórter, respondia invariavelmente: “Metal…Metal… Invasor Mal”. Gastei a fita de tanto dar rewind nesta parte. Não acreditava, e não creio até hoje, na sensacional escolha de palavras do sujeito para definir a música que amava. Invasor Mal.
Mas enfim, ainda naquela noite, a mesma em que os headbangers enxotaram Lobão do palco, tocou o Megadeth. E, logo no começo, com Dave Mustaine babando e sem enxergar nada por causa da franja engordurada, veio “Devil’s Island”. A música fala sobre a Ile du Diable, ilhota na costa da Guiana Francesa que sediava colônia penal até os anos 1950. Foram as tentativas de fuga deste pequeno pedaço de terra as que inspiraram também o livro e o filme “Papillon”, ambos lançados nos anos 1970. Aqui, o vídeo do Megadeth tocando “Devil’s Island”  no Rock in Rio II, que alguma santa alma digitalizou.


7-Tom Waits – “Coney Island Baby”
Lou Reed tem uma música com este exato mesmo nome, mas eu prefiro a do Tom Waits, cuja letra se refere a alguma beldade da ilha convertida em península vizinha ao Brooklyn. Uma balada em seu estilo lamurioso e gutural, cheirando a cabaré vagabundo. O vídeo é tipo “licença poética”, mas até combina com o latido cavernoso de Waits.


6-The Hold Steady – “Joke About Jamaica”
Espécie de piada interna, a citação à Jamaica do início da letra agradou tanto a seus autores que acabou virando título e conceito. Sorte nossa, porque seria muito óbvio selecionar um rocksteady, um ska, um reggae ou um dub para homenagear a ilha do Usain Bolt nesta lista.
Culpa de uma das mais sólidas bandas americanas surgidas nesta década, The Hold Steady, que levou a sério influências como Elvis Costello e Bruce Springsteen para criar sua própria linguagem.


5-Pixies – “Isla de Encanta”
“Hay aviones cada hora”. Parece slogan de companhia aérea, mas é apenas mais uma das referências latinas na obra dos Pixies – que vão de um disco batizado “Bossanova” à canção “Debaser”, sobre o filme “Un Chien Andalou”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí.
Este verso, bem como o resto da música, fala sobre os baratos de Puerto Rico, o território meio dos EUA, meio independente apelidado de “Isla del Encanto”. O errinho na troca do “o” pelo “a” é mais um charme extra do que mancada de gringo. Aqui, um vídeo do quarteto de Boston tocando a cantiga ao vivo há duas décadas.


4-Fleet Foxes – “Mykonos” 
Em fóruns virtuais que debatem letras de músicas – eles existem aos montes -, já vi até gente defender a tese de que a ida à ilha grega de Mikonos referida nesta canção pode significar inclusive o ingresso em uma clínica de reabilitação. Seria necessário perguntar à banda para sacar, mas o fato é que os tais versos dizem:
E você irá a Mikonos
Tendo a visão de uma costa delicada

E de um sol que possa talvez dissipar

Sombras das besteiras que fez

Não sei. Fato também é que Fleet Foxes é muito bom. Harmonias vocais elaboradíssimas e arranjos grandiosos, temperados com country-rock e um certo apelo gospel. E que, segundo o espião brasileiro infiltrado em Paris Felipe Cremonese acaba de me contar, são ainda melhores ao vivo.



3-Elis Regina – “Ladeira da Preguiça”
Pronto, está aqui a canção citada na introdução do post. Tirada da essencial edição com Elis do programa “Ensaio”, da TV Cultura, disponível em DVD. Por sua interpretação, pela canção em si e pela banda espetacular que revolucionou a forma de tocar samba: o finado baixista Luizão Maia, o pianista César Camargo Mariano (então marido da cantora) e o baterista Paulo Braga.
Ah, e em tempo: ainda só se chega de barco em Formentera. Vindo de Ibiza.


2-Herbie Hancock – “Cantaloupe Island”
Não adianta procurar no mapa. A Cantaloupe Island não existe. É mais uma forma de descrever um lugar farto nos melões que levam este nome do que qualquer coisa. Mas como o tema é tão bom, vai para o trono.
Jazzistas do porte de Herbie Hancock têm trajetórias e discografias tão extensas que muitas vezes custa achar uma versão boa de seus standards. Os que passaram pelos anos 80, incluindo o pianista, dificilmente escaparam da tendência dos arranjos equivocados, com timbres bregas e solistas de mau gosto. Por isso foi um alívio encontrar esta interpretação: curta, simples como a própria canção, em formato trio sem firulas e com a presença do fantástico inglês Dave Holland no “baixolão”.


1-The Kinks - I’m on a Island
Eu interpreto que, ao reclamar por estar “em uma ilha” e não ter “nenhum lugar para onde nadar”, Ray Davies engrossa o sofrimento que sente por uma garota que não quer nada com ele, citada em outra parte da letra. Portanto, esta ilha seria a própria Grã-Bretanha, de onde são os Kinks. É como se ele dissesse, em seu mau humor e depressão, “cassete, ela me dispensou e eu ainda estou nesta porra desta ilha”.
Enfim, melhor me calar. O que importa é a doçura de mais esta gema pop do quarteto inglês, cuja melodia por si só já garantiria o primeiro posto.


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Astros do Rock - Parte 3




Agora sim. Após Terra e Sol, tudo o que sobrou do Céu - pelo menos em termos de capas de disco - vem parar neste post. E não se fala mais nisso.

TOP 5 LUA, ESTRELAS E OUTROS
5-The Sisters of Mercy – “Floodland” (1987)
Em princípio, são meio xumbrega estas sobreposições de rostos em contraste com a Lua. Mas o conjunto da obra acaba dando o climão meio sinistro necessário para o aspecto visual deste clássico do rock gótico.


4-Larry Coryell – “Spaces” (1969, lançado em 1974)

Há que se ter cuidado quando o assunto é jazz fusion. O que começou muito bem com os experimentos de Miles Davis e as bandas montadas por seus músicos de apoio (Weather Report, Mahavishnu Orchestra, Return to Forever), logo desandaria num circo de virtuosos insuportáveis e trilheiros para consultórios e elevadores.
Felizmente, “Spaces”, do guitarrista americano Larry Coryell, pertence à safra original, quando o que importava ainda era a tentativa de reunir o que de melhor tinham o rock, o jazz, o funk e outros ritmos. Uma proposta bem traduzida pela capa multicolorida e com alguma psicodelia, além de, é claro, espacial.




3-The Smashing Pumpkins – “Mellon Collie and the Infinite Sadness” (1995)
 Não é fácil um álbum duplo, e ainda por cima bom, vender milhões de cópias e de quebra faturar sete Grammys. Tudo fica mais complicado quando o disco em questão tem um viés melancólico tão escancarado. Não só pelo nome e a música, mas também pela capa.
 Por cima da carne seca na metade da década passada, a banda de Billy Corgan pôde escolher um dos mais consagrados autores de logos, o nova-iorquino Frank Olinsky, para cuidar da arte. Com as logomarcas da MTV e de bandas como Sonic Youth e Tom Tom Club no currículo, ele tratou de romantizar ao máximo o conceito do sempre torturado Corgan. E precisou de um ou outro planetinha fictício para completar o pacote.

2-Willie Nelson – “Stardust” (1978)

Há algo especial na simplicidade deste trabalho da pintora Susanna Clark. À altura de certos arranjos do álbum, a cargo do mesmo Booker T. Jones citado no post anterior.



1-Santana - “Santana III” (1971)
Ainda na rebarba de Woodstock, Santana seguiu chapando-se e gravando bons discos em sua melhor fase, a da virada dos anos 1960 para 1970. Este, o terceiro, de sua vasta discografia, além de ter sido seu último sucesso considerável antes de seu revival em “Supernatural” (1999), tem algumas de suas melhores gravações, como “No One to Depend On” e “Jungle Strut”. E que capa sideral “mucho doida”, não?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Astros do Rock - Parte 2




O post sobre as capas com lua, estrelas e outros astros variados acaba de ser postergado. Após minhas férias em Formentera, a ilha, não dava para ignorar as que trazem o mais popular – ou pelo menos o mais endeusado – dos nossos companheiros de Cosmos como protagonista: o Sol, oras.

TOP 5 SOL

5-Mutantes – “Tudo foi Feito pelo Sol”


Sérgio Dias, então único remanescente dos Mutantes originais, quis guinar para o rock progressivo em alta no momento da produção deste disco. Ganhavam espaço as músicas cheias de partes, solos extensos e temática lírica pendendo mais para o fantástico do que para o psicodélico (um dos pontos fortes “mutânticos” originais).

Há quem tenha náuseas quando escuta “Tudo foi Feito pelo Sol”. O LP está, sim, bem abaixo dos preciosos trabalhos anteriores dos paulistanos. Mas quem o encara sem preconceitos acaba encontrando um disco com algumas boas surpresas. A capa, infelizmente, não é uma delas.



4-John Coltrane – “Interstellar Space” (gravado em 1967 mas lançado só em 1974)

Bem descomplicada, esta capa representa de certa forma o estado de espírito místico de Coltrane à época do lançamento do disco. A música que vem da bolacha encartada, pelo contrário, é uma das mais desafiadoras e difíceis já registradas em acetato.
Aqui está o gênio supremo do sax em sua fase mais radical, de improvisos delirantes e intermináveis, “dialogando” com o baterista Rashid Ali. Cada sessão ganhou o nome de um planeta. Já ouvi nego dizendo que é o melhor disco que já escutou, e fulano xingando a mãe de Trane por tê-lo feito. Ou seja, no mínimo, bem interessante.



3-Rollins Band – “The End of Silence” (1992)

Acho que eu preferiria encarar até um sol de “mala leche” como este da capa do que Henry Rollins irritado. No show que a Rollins Band, sua banda pós-Black Flag, fez no antigo Palace, em São Paulo há quinze anos, lembro nitidamente do cantor ameaçando a platéia: “no more stage divings, ok?” Ao que foi prontamente obedecido, é lógico.



2-King Crimson – “Lark’s Tongues in Aspic” (1973)

Esta capa é estranha, instigante e traz forças antagônicas contrapostas, como a música do próprio King Crimson em seus melhores momentos.
Um deles, aliás, é este álbum, o encontro inédito de elementos então sem nenhuma intimidade entre si. Do metal à percussão experimental, passando pelos protótipos rítmicos do que hoje em dia se conhece como math-rock.




1-Isaac Hayes – “Hot Buttered Soul” (1969)
 Ao que tudo indica, é a luz do Astro Rei a que reluz na careca do mestre do soul safado falecido há um ano, ou pelo menos a idéia era passar este efeito. Se não era, passa a ser a partir de agora. Acho, então, que não precisa dizer muita coisa mais sobre esta foto de Bob Smith.
 Só, talvez, de que seu impacto está à altura do causado pelo álbum, uma revolução no formato das canções soul e onde tudo pode acontecer. Até um clássico de Burt Bacharach se transformar num lamento psicodélico de doze minutos.