quarta-feira, 31 de março de 2010

Dia da Mentira e outras verdades



Amanhã é 1º de abril, o Dia da Mentira, e Páscoa ao mesmo tempo. Cheira a conspiração das brabas, envolvendo o Papa, Gepetto e a Fábrica de Chocolates Pan. Mas enquanto você resolve se acredita, e sobretudo se pega ou não a estrada para a farofa do feriadão, pense neste playlist apropriado do Mala da Lista: as dez melhores canções sobre a mentira. Se eu tiver falado alguma, por favor vá até ali embaixo e clique em “comentários”.



10-Babes in Toyland – “Bruise Violet” (1992)


Poucos marmanjos que se metem com rock sujo conseguem a potência deste trio de princesas de Minneapolis. Especialmente na hora de botar pra fora uma neurose ódio/amor de uma garota apontando as lorotas da outra (especulou-se por um tempo que a mal falada seria Courtney Love). Tão nervoso que passou no crivo de Beavis & Butthead (assista aqui ao imperdível momento em que Beavis entende “Fire!” no lugar de “Liar!”).





9-Erasmo Carlos – “Pega na Mentira” (1981)


Para descontrair um pouco, o Tremendão chamou “o seu amigo” Roberto Carlos para compor um rock baseado nas frases que simplesmente não poderiam ser verdade no Brasil de 1981. O mais legal é ver na letra quais assuntos Erasmo e o Rei colocaram em pauta: “Zico tá no Vasco, com Pelé”, “em Copacabana não tem argentino” e “beijei o beijoqueiro na televisão” são alguns dos sinais daqueles tempos.







8-John Lennon – “Give me Some Truth” (1971)


Arquitetada nas tumultuadas sessões de 1969 que resultariam no disco “Let it Be” (lançado em maio de 1970, quando os Beatles acabavam de anunciar seu fim), esta canção era mais um indício das diferenças entre os integrantes da banda. Via-se nos ensaios apenas Lennon realmente empolgado com sua letra raivosa, que disparava a todos os lados. Sobretudo à hipocrisia e às mentiras contadas por políticos, males para os quais John pedia “um pouco de verdade” como antídoto. Era tão dele a canção que acabou migrando para sua carreira solo.






7-Manu Chao – “Mentira” (1998)


O sample do antigo lamento mexicano “Llorona” (nos fóruns ninguém chega a uma conclusão sobre de quem é a versão, alguém aí sabe?) que aparece no minuto 2’24’’ é tão sensacionalmente bem encaixado com o resto do arranjo que quase rouba a cena. Quase. Não fosse a canção de Manu Chao uma das mais simples e inesquecíveis já escritas sobre o tema, onde há espaço até para um “todos es mentira, la verdad”.






6-Tom Zé – “Gene” (1998)


Uma pena que o vídeo não traga esta música na íntegra (ver a partir do minuto 1, com Tom Zé cantando cheio de pedaços de jornal na boca). Além do fantástico trecho que ele chupinou de outra composição sua, “O Sândalo”, de 1972 (“Faça suas orações uma vez por dia / Depois mande a consciência junto com os lençóis para a lavanderia”), fica faltando o outro ainda mais brilhante: “a gente já mente no gene /A mente do gene da gente”. Eu falo que o Tom Zé é subestimado como letrista...





5-The Troggs – “You're Lying” (1967)


Os heróis do garage rock inglês sabiam fazer barulho, mas também conseguiam falar de ciúmes e meninas mentirosas. “Você tenta fingir que eu sou seu único amor / Mas eu sei que você está mentindo”. Simples assim. Chacoalhado por um riff de guitarra matador, se transforma na mais pura verdade.







4-Fabio Góes – “Sem Mentira” (2006)


Neste post eu já discorri um pouco sobre essa e outras músicas de “Sol no Escuro”, primeiro disco de Góes. E talvez sua melhor qualidade seja mesmo o elemento “sem mentira”. O hall da música ganharia mais clássicos a cada dia se os compositores rodassem menos lâmpada e cantassem mais verdades como: “eu já fingi ser muito melhor /Eu aprendi a ser pior /Mas sem mentira”. O povo do seriado “Alice” gostou tanto que pôs na trilha sonora.






3-Marcos Valle – “Mentira” (1973)


Do Planet Hemp, que lhe surrupiou a base instrumental e o falsete “é mentira, chu-chu” para a música “Contexto”, aos diretores da bizarra novela argentina cujos trechos aparecem neste vídeo, não há quem resista à canalhice de Marcos Valle.







2-Leadbelly – “Where did You Sleep Last Night?” (1944)


O Nirvana fez possivelmente a mais famosa das versões desta canção de domínio público em seu mítico “Unplugged” de 1994. Mas meio século antes a lenda folk Leadbelly já acumulara uma porção de gravações do mesmo tema. E com o devido respeito às dores de corno de Kurt Cobain, há que se dobrar a Leadbelly quando ele pergunta a sua garota onde passou a última noite, implorando para que ela seja sincera. Na mitologia das canções, é elementar que ela dirá que dormiu em casa ou coisa do gênero. E, segundo os mesmos códigos, é evidente que estará mentindo.







1-Rollins Band – “Liar” (1994)


No mesmo show da Rollins Band sobre o qual falei neste outro post, vi Henry Rollins cantar a letra inteira desta música olhando nos olhos de uma garota que subira nas costas de algum mané. Imagino que a pobre deva ter passado um bom tempo traumatizada.


Este hino irônico e colérico sobre pessoas mentirosas aparece em boas versões ao vivo no Youtube. Mas o clipe, um dos mais marcantes da respeitabilíssima videografia do holandês Anton Corbijn, é todo um clássico (Beavis & Butthead também acham), com o ex-Black Flag atuando como Super-Homem/Clark Kent, policial e freira. Nas imagens com filtro sépia (laranja?) ele faz promessas, é sedutor e bonzinho; quando voltam as cores normais, ele mostra a cara da mentira. E ela, como vocês verão, é vermelha.

You wanna know why?



CAUSE I’M A LIAR!!!




quarta-feira, 24 de março de 2010

Gringos x Latim



Alertou o sempre atento blog Cilada Mental de que Mike Patton lançará disco com clássicos do kitsch pop italiano. Não será a primeira vez que o hiperativo vocalista do Faith No More se aventurará no idioma – em 1997 ele lançou o álbum ítalo-experimental “Pranzo Oltranzista” e em 2005 foi curador de coletânea em homenagem ao maestro das trilhas sonoras Ennio Morricone. E muito menos será seu début em línguas latinas. Já na primeira vinda do FNM ao Brasil, em 1991, o cara surtou com o português e aprendeu centenas de palavras e frases, as quais não parava de declamar em entrevistas e shows. Seu momento de glória foi um “la polízia va a tomar no cue!” num show no Olympia, em São Paulo. “Eu amo aprender idiomas o suficiente para que possa ofender as pessoas. Faz com que elas pensem que você gosta delas!” me explicou Patton sobre sua técnica em uma entrevista para a extinta Bizz em 2007. “Eu falo um pouco de português, mas há tempos não pratico”.

Lembrei então de nossa roommate, que na semana que vem parte de volta a Portland, nos EUA. Após quase três meses de Barcelona, o grau de seu aprendizado de espanhol pode ser medido pelo “what?” que ela soltou após ouvir um “hola, ¿qué tal?” há poucos dias. Sua performance patética ilustra a monstruosa dificuldade que ingleses-americanos-canadenses-australianos e afins costumam ter ao enfrentar as línguas latinas, ainda que elas os fascinem. E mesmo os gringos que têm suposta facilidade para novos beabás, como Patton, podem proporcionar preciosas e engraçadíssimas amostras do macarronismo. Uma coisa levou à outra e resolvi terminar um Top 10 que já vinha arquitetando, o de anglofalantes tateando na escuridão dos idioma latinos, essas galáxias de conjugações e fonemas que estão a anos-luz de sua compreensão.

Valem só as canções com versos criados pelo ou para o intérprete. Versões traduzidas ficam de fora, portanto (que dor é tirar “La Complainte du Partisan”, cantada por Leonard Cohen, por exemplo...). Selecionei as que considero as dez mais marcantes, incluindo aí as mais toscas, as mais bonitas, as mais sem noção, as mais engraçadas e as que mais funcionaram, simplesmente. Duas de português, duas de espanhol, duas de italiano e duas de francês. Poderia ter varado a noite em busca de algum popstar que tenha gravado algo na quinta língua latina mais mainstream – o romeno –, mas preferi completar a lista com dois brasileiros que foram garimpar idiomas mais underground da família latina. Vamos ver no que vai dar.


10-Mr Bungle macarroneia um italiano – “Violenza Domestica” (1995)


Começamos direto com um dos incontáveis - além de mais antigo – projetos de Mike Patton. Inclui até um “ma perchè?”, com sotaque razoável e a mãozinha de italiano no gesto clássico (todos as pontas dos dedos juntas, mão para cima e para baixo).




9-The Clash enrola em espanhol – “Spanish Bombs” (1979)

Começa bem. A melodia é das melhores de toda a discografia da banda, e a temática homenageia os soldados que fizeram frente a Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Mas o refrão dá uma desandada com frases um pouco sem pé nem cabeça: “Spanish bombs yo te quiero infinito, yo te quiero, oh my corazón". Que fica mais engraçado pelo “quiero” com som de “cuero” cantado por Joe Strummer e Mick Jones. O último aliás gostou da ideia e voltou ao spanglish na ainda mais clássica “Should I Stay or Should I Go”, que gravaram dois anos depois.




8-Beatles sem noção de italiano – “Sun King” (1969)

Eu imagino que nem Lennon e nem McCartney tinham mais muito saco para ficar pensando nos versos ideais, uma vez que já sabiam que estavam gravando o último disco dos Beatles, “Abbey Road”. E simplesmente ficaram a fim de enfiar umas palavras em suposto italiano para enfeitar uma canção de instrumental a arranjo vocais espetaculares, “Sun King”. Ligaram então um botão random imaginário e até um “obrigado” entrou na salada:

Quando paramucho mi amore de felice carathon.
Mundo paparazzi mi amore cicce verdi parasol.
Questo abrigado tantamucho que canite carousel.





7-Caetano arrisca um catalão – “Vaca Profana” (1988)

A letra fala de várias cidades brasileiras e européias, entre elas Madri e Barcelona, usando expressões e palavras bem espanholas, como “mala leche” e “pureta”, e aludindo à “Movida Madrileña”, o movimento cultural dos anos 1980 do qual participou Pedro Almodóvar, entre outros. Mas Caetano foi além. Citando Gaudí, as “ramblas do planeta” e dizendo que “também te mata Barcelona”, mandou ainda um “horchata de chufa, si us plau”. Bem para dizer que esteve mesmo na Catalunha: “si us plau” é “por favor” em catalão (reparem como é primo-irmão do “s'il vous plaît” francês), e “horchata de chufa” é um refresco doce bem daqui - e que eu nunca experimentei. Ou melhor, mais precisamente de Valência, que para os independentistas faz parte dos não-reconhecidos Països Catalans (Países Catalães). Uma discussão da qual vou poupar-lhes agora, e vocês ainda me agradecerão por isso.
*O vídeo tenta acompanhar cada verso com uma figura, é lamentável. Mas a música vale bastante a pena.






6-Stevie Wonder se aproveita do português - “Bird of Beauty” (1974)

Ritmicamente, é o caso clássico de gringo que foi tentar fazer um samba, não soou como o planejado, mas o resultado acabou sendo um groovão pra lá de interessante. Aí faltava dar o “toque brasileiro” extra. E aí é que mora o perigo: “tudo bem, você deve descansar a sua mente / Não faz mal o que vai acontecer daqui pra fente /Vai cantar alegria que chegou tão de repente / Voce coração assim tao feliz / Já vai cantar carnaval”. Um lance bem Zé Carioca, bem olelê-olalá do Sr. Wonder. Mas a gente perdoa porque a música é mó legal. Ah, e tinha vídeo de um show ao vivo, mas o embromation de português é incompreensível. Além de que a original de estúdio é muuuito melhor.




5-La Belle provoca em francês – “Lady Marmelade” (1974)

A célebre frase, "voulez-vous coucher avec moi ce soir?" (“você quer dormir comigo esta noite”), foi roubada de uma peça de Tennessee Williams, dizem os oráculos de internet. Mas, ao ser musicada, foi uma bola no ângulo em termos de gancho pop. Um refrãozão e tanto feito sob encomenda para as garotas do Labelle nos anos 1970 e reaproveitado por Christina Aguilera, Pink e outras – todas vestidas de piranhas - um quarto de século mais tarde.




4-Legião Urbana desenterra galego-português – “Love Song (Cantiga de Amor)” (1991)

Aqui o lance de musicar velhos versos foi bem mais profundo. Renato Russo e seus comparsas buscaram lá no repertório do trovador Nuno Fernandes Tornelo, do século XIII, uma cantiga de amor em galego-português, o idioma do norte da península Ibérica na época. O galego, uma das quatro línguas oficiais da Espanha moderna (as outras são castelhano, catalão e basco), é o portunhol institucionalizado. Ou melhor, é o “espanhês”, já que soa como se o espanhol tivesse se metamorfoseando em português, e não o contrário, como no dialeto sem-vergonha que os brasileiros improvisam quando vão a Bariloche. Sendo assim, as palavras podem ser a exata fusão dos dois idiomas. Por exemplo, temos “pessoa” em português, “persona” em castelhano e “persoa” em galego. Enfim. Aqui vai a letra da cantiga e a boa versão da Legião, que uma professora me apresentou em uma aula de literatura no primeiro colegial:

Pois naci nunca vi Amor
e ouço d'el sempre falar
Pero sei que me quer matar
mais rogarei a mia senhor
que me mostr'aquel matador
ou que m'ampare d'el melhor





3-Beatles rimam em francês – “Michelle” (1966)

Antes de aloprarem o italiano com “Sun King”, os Beatles criaram “Michelle”, cujos versos em francês, elaborados com a ajuda de uma professora do idioma, eram corretos: “Michelle, ma belle / Sont les mots qui vont très bien ensemble / Tres bien ensemble”. Não era preciso entender picas de francês, como é meu caso (aliás, tomara que esteja mesmo escrito certo isso aí em cima). Tratava-se da tradução do primeiro verso da música, em inglês, que queria dizer basicamente que “eram palavras que soavam bem quando combinadas” Todo um clássico, é claro.



2-Beck triunfa em espanhol – “Loser” (1994)

Eu já estava selecionando alguma das canções que do Pixies com trechos em espanhol quando a também sempre atenta e infalivelmente brilhante Anita me lembrou desta. Seria um crime deixar de fora uma música que, ao festejar o derrotismo, paradoxalmente triunfa em grande estilo. É o brado definitivo do spanglish: “Sooooy um perdedor / I’m a looser baby / So why don’t you kill me”. Fora o vídeo imperdível, bem do comecinho do Beck, em sua faceta mais “weirdo”.



1-Faith No More esculacha em português – “Caralho Voador” (1995)

Olha o Patton aqui de novo. E vem para levar medalha de ouro pela cara-de-pau generalizada: por compor uma bossa nova ao mesmo tempo chinfrim e irresistível; pela escolha do título; e por escrever “de orelhada” o trecho em português no encarte, cheio de erros hilários, e que faz com que nada faça nenhum sentido.

Eo non posso dirigir
E agora a pares
Neo dedu indehado
No neo naris


Fazendo as adaptações devidas, fica assim:


Eu não posso dirigir
E agora aparece
Meu dedo enterrado
No meu nariz


O que até faz sentido, mas ainda assim é bem absurdo. Melhor que isso só o próprio Faith No More encarnando os cantores de churrascaria os quais ironizavam com esta bossa de teclado Casio há quinze anos. Agora, com os quilos a mais do revival espremidos nessas camisas postas para dentro, aquela cena está completa.











quinta-feira, 18 de março de 2010

Glauco




Não vai dar para escapar do desgradável e tristíssimo assunto da semana, o assassinato do cartunista Glauco e seu filho Raoni. Graças ao fanatismo religioso, esta praga que mata mais do que tsunamis e terremotos, a tríplice entente do humor sequencial corrosivo paulistano ficou órfã de um de seus vértices – os outros, todo mundo sabe, são Angeli e Laerte. Glauco era para mim o medalha de bronze entre os três, mas adoro e continuarei a adorar o tosco personagem Geraldão e as charges políticas, destaques em meio a outros milhares de trabalhos do desenhista.

Sua astúcia e traço inimitável faz com que cada quadrinho, sozinho, pudesse render facilmente uma capa de disco. Mas, se não me engano, Glauco nunca assinou a arte de uma bolacha ou um CD. Precisaria vasculhar nos sebos paulistanos para confirmar isso, e não será possível agora, portanto alguém me avise se estiver enganado.

Mas alguma homenagem a Glauco, mesmo que indireta e rápida, este blog teria que prestar, dentro da esfera musical. Então aqui vão cinco capas de álbuns influenciadas por quadrinhos. Ou seja, que têm pelo menos os balõezinhos. E um brinde ao humor ácido.

5-The Mothers of Invention – “Freak Out!” (1966)

Leitura psicodélica Jack Anesh para o disco duplo de estreia da banda de Frank Zappa.



4-Pavement – “Wowee Zowee!” (1995)

De Steve Knee, que já fex capas para Apples in Stereo e Dave Matthews Band. Coincidência: “Wowie Zowie” é o nome de uma música do disco do Mothers aí em cima.




3-Planet Hemp – “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” (2000)

O melhor e mais eclético disco – e o último de estúdio – da banda carioca e sua ótima capa estilo HQ na favela.



2-Sonic Youth – “Goo” (1990)

Um clássico na onda de Roy Liechtenstein. Do artista Raymond Pettibon, irmão de Greg Ginn, do Black Flag, com base em uma foto de Maureen Hindley e David Smith. Eles estavam a caminho do julgamento da irmã de Maureen, Myra e Ian Brady, casal de serial killers ativo na Inglaterra nos anos 1960.


1- Big Brother & the Holding Company – “Cheap Thrills” (1968)

A mais famosa entre as várias capas de disco que o gênio Robert Crumb criou foi essa para a banda de Janis Joplin. Entre as outras que assinou, várias foram para seu próprio grupo musical, The Cheap Suit Serenaders.













segunda-feira, 8 de março de 2010

And the Oscar doesn't go to...




Nem “Avatar”, nem “Guerra ao Terror”. Este post é sobre uma categoria do Oscar que não existe, mas deveria: as melhores cenas de filmes que, combinadas com músicas de fundo não escritas para elas, dobram ou triplicam seu impacto. Basicamente, é sobre a arte de selecionar uma canção já existente e utilizá-la na íntegra, ou quase na íntegra, para que se recontextualize totalmente e eternize uma passagem cinematográfica. Pode ser uma introdução de longa-metragem (metade dos escolhidos do Top 10 o são), um trecho do meio ou um final triunfal. Juntos, imagens e som aqui viram um vídeo clipe de multiplicados significados. Produzir magia com esta combinação, assim como os atores cantando do post “Calouros de Luxo”, é para poucos. Mas quando rola, sai de baixo.



10-King Crimson – “Moonchild” (1969) no filme “Buffalo 66” (1998)

É fascinante como a noção do fetiche pode variar tanto. Para Vincent Gallo, o misto de ator-diretor-modelo-cantor de vanguarda que Johnny Depp adoraria ser, a felicidade é a sexy-chubby Cristina Ricci sapateando sobre uma pista de boliche ao som de um velho tema dos maestros do rock cabeção torto, o King Crimson. E não é que fica legal?






9-The Kingsmen – “Louie Louie” (1963) no filme “Quadrophenia” (1979)

O filme de Franc Roddam inspirado em álbum homônimo do The Who é todo um clássico sobre a rivalidade entre as subculturas dos mods e dos rockers na Inglaterra dos anos 1960. Mas se você quer apenas a cereja do bolo, pule ao minuto 4'29’’, divertido ao dobro com a dublagem em italiano: Ace Face, o personagem vivido por Sting, acha que está abafando coreografando o passo mod para a gatinha. Mas quem rouba a cena – e o broto - é Jimmy, o protagonista da película vivido por Phil Daniels, ao bailar este hino do rock garageiro. Mais do que merecido, aliás. Afinal, o Sting mod não convence. Na mesma medida em que o Sting amigo dos índios e o Sting iogue não convencem. Pensando bem, até mesmo o Sting Sting não convence.






8-The Doors - “The End” (1967) no filme “Apocalypse Now” (1979)

Tá bom, ta bom, você cansou de “The End”. Aquele hippie da sua classe passava o dia ouvindo essa música e martelando em sua orelha “Doors é mutcho doido, meu” (OK, eu sei também que o hippie em questão pode ter sido você, mas tudo bem). Só que experimente imaginar, em primeiro lugar, como foi ter criado este som lá em 1967 (um dos anos mais importantes da história da música pop, diga-se). E logo tente mentalizar como foi assistir pela primeira vez ao mítico começo do filmaço de Coppola com “The End” na abertura – e depois no final. Parece de verdade que as guitarras de escalas orientais foram dedilhadas tendo o fogo das bombas do Vietnã em mente. Começando pelo “fim”, Coppola já avisava todo mundo que aquela viagem definitivamente não acabaria bem.






7-Chuck Berry – “You Never Can Tell” (1964) no filme “Pulp Fiction” (1994)

Suado em bicas, revirando-se na cama sem conseguir decidir qual canção encaixará à perfeição com tal cena. É assim que imagino a rotina insone de Quentin Tarantino, o diretor cuja destreza no ofício de juntar os melhores frames e notas lhe tornou escravo de si mesmo. Quando toca uma música numa passagem importante de um de seus filmes, automaticamente pensamos em quanto o cineasta matutou para chegar a esta conclusão. Todo mundo tem uma “cena musical de Tarantino” favorita, sejam os embalos de kung fu sincronizados com épicos do western ou Nancy Sinatra de “Kill Bill”, ou a gostosa Vanessa Ferlito oferecendo um lap dance no compasso de The Coasters (“Death Proof”). Eu fico com uma básica: John Travolta mostrando o porquê de ser John Travolta após a intimação de Uma Thurman na lanchonete temática de “Pulp Fiction”.






6-Chava Alberstein - “Had Gadia” (1989) no filme “Free Zone” (2005)

Dê a um bom diretor (Amos Gitai) uma janela de carro, uma atriz que saiba chorar (Natalie Portman – pelo menos aqui ela soube) e uma canção de gelar a espinha. Você terá um dos começos de filmes mais estranhos e inesquecíveis do cinema moderno, que antecede a entrada na Jordânia de uma americana (Portman) que vem  de Jerusalém. A polonesa-israelense Chava Albersein escolhera uma canção folclórica ancestral, cujo título pode ser traduzido como “O Cordeiro” e cuja ideia de círculo vicioso lembra muito as nossas "A Velha a Fiar" e "Domingo Pede Cachimbo", e adaptara para os conflitos da primeira Intifada no Oriente Médio, no final dos anos 1980. A função poética lhe custou ameaças e censura em Israel. No vídeo, onde o contexto se dá, há a tradução da letra (do ídiche? Hebraico?), mas nem é necessário lê-la para saber que as coisas não vão bem por ali. Nem na ficção, nem na realidade.






5-Toots & the Maytals – “54-46 Was my Number” (1976) no filme “This is England” (2006)

Do mullet da mãe do protagonista à desolação das paisagens suburbanas inglesas dos anos 1980, todos os detalhes do filme de Shane Meadows estão contextualizados com perícia minimalista. Mesmo assim, o diretor fez questão de preparar uma abertura matadora para, em poucos minutos, fisgar o espectador com um resumo visual do que foram os anos Thatcher, dizendo: “assista a meu filme, ele é do caralho”. Ao som, é claro, de uma pepita jamaicana como as que ouviam os skinheads (a subcultura do bem, anterior à chegada dos mentecaptos ultranacionalistas) retratados no imperdível longa. Quero ver você não ficar com vontade de assistir a “This is England” depois desta sequência inicial.






4-Kenny Rogers & First Edition - “Just Drop in (To See What Condition My Condition Was In)” (1968) no filme “The Big Lebowski” (1998)

Sabe o Kenny Rogers, aquele cantor de country barbudo e grisalho, aparentemente caretão, que bombava nos anos 1980 (a ponto de ser o quarto na ordem dos que cantam versos em “We Are The World”)? Pois o cara era psicodélico duas décadas antes de soltar o gogó no famoso hino humanitário. Psicodélico o suficiente para gravar uma canção sobre pesadas bads trips e o suficiente para que esta mesma música fosse parar no delírio narcótico de Jeffrey Lebowsky (papel do recém-Oscarizado Jeff Bridges) no mais cultuado dos filmes dos Irmãos Coen. Sim, o histórico videoclipe que passa na mente do “Dude”, no qual ele recebe os sapatos de Saddam Hussein, desliza por baixo da pernas das dançarinas e joga boliche (olha o boliche aqui outra vez) com Maude (Julianne Moore), tem trilha do Kenny Rogers. E o pior é que é bom. Vale conferir tudo, de ponta a ponta. Inclusive a parte após a música, com o recado que um policial dá a Lebowski em plena ressaca, antes de atirar uma caneca no vagabundo. (Ah, esses diálogos dos Irmãos Coen…):

I don’t like your jerk-off name. I don’t like your jerk-off face. I don’t like your jerk-off behaviour. And I don’t like you…Jerk off.

(Para mais observações minhas sobre personagens e falas de filmes dos Coen, clique aqui aqui ou aqui)






3-The Jesus and Mary Chain – “Just Like Honey” (1985) no filme “Lost in Translation” (2003)

Eu já falei bastante do papel da música neste filme no já citado post “Calouros  de Luxo”, mas especificamente o final é uma obra-prima da modalidade. Não apenas a escolha da canção, mas também o timing de sua entrada na trama fazem não só com que as ruas abarrotadas de Tóquio pareçam ter sido desenhadas à medida para o indie sonhador de The Jesus and Mary Chain, como também triunfam na difícil missão de nos convencer de que Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson) nasceram um para o outro, e que seu romance terá futuro.


2-Linda Scott – “I’ve Told Every Little Star” (1961) no filme “Mulholland Dr.” (2001)

A loirinha Camilla Rhodes (Melissa George) poderia nem estar sabendo, mas uma obscura trama criminosa estava por trás de sua escolha como a atriz nesta estranha audição. Um cidadão conhecido como "O Cowboy" daria cabo do diretor caso ele não dissesse as palavras mágicas: "this is the girl". O que faz de sua doce e sexy dublagem do standard de Oscar Hammerstein II e Jerome Kern ainda mais perigosa, sombria... e sexy. David Lynch é outro gênio quando o assunto em questão é desconcertar os espectadores por meio da música.



)



1-Bauhaus – “Bela Lugosi is Dead” (1979) no filme “The Hunger” (1983)

Ser um vampiro em 1983, na visão de Tony Scott (o irmão mais novo, alternativo e menos bem-sucedido de Riddley Scott), era descer ao underground de Nova York e eleger presas na cena punk gótica, então o que o cineasta considerava de mais perverso e provocador em termos de estética. Scott identificava tanto o amor amaldiçoado e imortal dos chupadores de sangue com aqueles cabelos espetados e roupas negras que foi além de escalar David Bowie, um dos inspiradores de toda aquela agitação, para o papel do vampiro condenado. Convocou o próprio Bauhaus, os Beatles daquela tchurma, para participar da orgia. Como resultado, Catherine Deneuve e Bowie farejando sangue fresco na balada ao som dos berros de “Undead! Undead! Undead!” de Peter Murphy constitui-se num começo de filme absolutamente clássico. Vi no cinema numa re-exibição em São Paulo há alguns anos e tremi na base.






quarta-feira, 3 de março de 2010

Dedo-duro


Há pouco fui alvo de uma dedoduragem gratuita numa situação de trabalho. Um diz-que-me-disse desnecessário (um erro meu que eu já havia corrigido) e descabido (era um assuntinho de merda com importância exagerada apenas para o dedo-duro). Detalhe: nem conhecia pessoalmente o alcagueta. E espero não conhecer.

Como comprovaremos pelas músicas deste post, existem mil e uma maneiras de se lidar com esta particular e desagradável fauna constituída por intrigueiros, fofoqueiros maldosos, dedo-duros. A minha é fazer uma lista de dez grandes canções sobre eles. Quando um exemplar da espécie cruzar o seu caminho, passe um pente fino neste top 10 para saber qual será teu estilo na hora de se defender.

*Menção honrosa para “O Dedo e o Lobo”, de André Faria, canção ainda inédita, mas que quando sair do forno será forte aliada na luta.



10-James Brown – “Talkin’ Loud and Sayin’ Nothin” (1970)

Pena que o vídeo não pega a música até o final. Rapaziada estilosa requebrando no mítico programa televisivo “Soul Train” enquanto o Godfather aconselha “cuide de suas tralhas, não se preocupe com as minhas” sobre um de seus grooves mortais.

 





9-Racionais MC’s – “Vida Loka” (2002)

X9 é o nome dos dedo-duros na cadeia. Na estrofe do minuto 2’29’’, Mano Brown conta o que acontece com eles no xilindró: “Verme é verme, é o que é / Rastejando no chão, bem de baixo do pé /Fala uma, duas vez, se marcá até três / Na quarta, xeque-mate, que nem no xadrez”.






8-O Rappa – “Se não Avisar o Bicho Pega” (1999)

Esta música fala de dois tipos de dedoduragens, a “boa” e a “má” na visão dos traficantes cariocas. A primeira, como indica o título, é o ofício dos olheiros de avisar, com “pipa, foguete, morteiro, muita bala”, os donos do morro de que a polícia ou os rivais estão chegando; a segunda é a de manter o bico calado na hora certa, “pois sem caguetagem jamais alguém dançou”. Prefiro a versão original do disco "Lado B Lado A", mas esta também tem seu impacto.







7-Run-D.M.C. - "You Talk Too Much" (1985)

“Quando o gato comeu sua língua, você a pegou de volta”. Ah, o bom e velho Run-DMC...
(*Menção honrosa para canção homônima de Gaylads, grupo da golden age do ska jamaicano, sem vídeos na rede)

 



6-Living Colour – “Mind you Own Business” (1993)

A expressão equivalente da língua inglesa para “cuide da sua vida” codificada em barulho é dos melhores antídotos. Ainda mais com este refrão esquizofrênico com o andamento da música acelerando e desacelerando.







5- Hank Williams – “Mind your Own business” (1949)

Percebam, 44 anos antes do Living Colour o Pelé do country americano já usara a mesma frase feita para uma brilhante faixa. “If you mind your business, then you won't be mindin' mine”, lecionava Hank. E nêgo ainda não aprende.







4-Bezerra da Silva – “Dedo duro” (1977)

“Fecharam o paletó do dedo-duro / Pra nunca mais apontar”. E olha que estas estas são somente as duas primeiras linhas da letra.






3-Jackie Opel - "Cock Mouth Kill Cock" (entre 1963 e 1965)

Os Gaylads não eram os únicos da safra inaugural do ska a não pegar bem com as fofocas. Junstin Hinds, autor da canção, e Jackie Opel, o poderoso intérprete desta versão, também eram partidários do ditado do título, algo como “a boca do galo mata o galo”.






2-Marvin Gaye – “I Heard it Through the Grapevine” (1968)

Norman Whitfield e Barrett Strong, dois dos principais compositores de hits da Motown, abordaram outro aspecto do mundo das fofocas neste clássico: a dor de ser o último a saber. O gênio Marvin armou até uma conversa telefônica no palco. Uma mescla genial de drama, suingue e galhofa.





1-Originais do Samba – “Falador Passa Mal” (1973)

Assobios brilhantes, levada da pesada, versos de Jorge Ben, gargalhada de Mussum. Melhor que isso, só o recado:
Que malandro é você, que não sabe o que diz?
Cuidado com muita mentira você po-de perder o nariz
Olha eu vou te dar um a-lô, que é pra você se mancar
Olha eu vou te dar um a-lô, que é pra você se mancar
Se você sair por aí, e não conseguiu arranjar alguém
Deixe que alguém saia por aí, e consiga arranjar você