segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Astros do Rock




Como no caso das flores que estampam uma porção de capas de discos, os artistas gráficos também não são totalmente originais quando escolhem a Terra, o Sol, a Lua e outros astros e satélites para ilustrarem a cara de suas bolachas. Podem, é verdade, encontrar soluções criativas para o uso dos planetas, como vemos neste novo post.
São dois Top 5, um neste post e outro no seguinte. Neste primeiro, só capas que usam a Terra como tema. No seguinte, a Lua ou outros companheiros de galáxia localizados a alguns milhõezinhos de anos-luz daqui. O critério novamente são os projetos gráficos, e não os álbuns em si. Embora também só discos legais tenham entrado no páreo.

TOP 5 TERRA

5-Afrika Bambaataa – “Planet Rock: the Album” (1986)
Em sua discografia há outro álbum com nosso planeta na capa (“The Light”, de 1988), mas este, convenhamos, é muito mais engraçado. A direção de arte é de Monica Lynch, co-fundadora da fundamental gravadora de hip-hop Tommy Boy Records.



4-Jean Michel Jarre – “Oxygene” (1977)

Um dos primeiros álbuns com mensagem ecológica, tem capa criada por Michel Granger que é ao mesmo tempo naïve e forte. Até então caveiras eram quase que exclusivamente ícones de metaleiros e fãs do Grateful Dead do que emblemas para perfumados tecladistas franceses. Ah, e sim, o disco é classe. Parente direto de outros experimentalistas ambient da época, como Brian Eno.


3-Public Enemy – “Fear of a Black Planet” (1990)

O mais explosivo álbum do Public Enemy não poderia ter uma capa pouco impactante. Aqui, a Terra está prestes a ser enquadrada na mira de Chuck D, Flavor Flav e sua turma. E a julgar por “Burn Hollywood Burn”, “Can’t Do Nuttin’ For Ya Man” e outras faixas do repertório, dava para levar os caras bem a sério. 


2-Pixies – “Bossanova” (1990)

Com o quarteto de Boston, tudo tinha que ser diferente, esquisito. Aqui está o Planeta Terra, mas na concepção do artista gráfico inglês Vaughan Oliver ele é envolto por um anel como o de Saturno e compõe uma espécie de painel astrológico bizarro com imagens de bichos e objetos bem estranhos.




1-Coldplay – “Parachutes” (2000)

Não sei porque, mas demorei um tempo até sacar que a bola amarela que ilustrava a capa do trabalho de estréia da banda era, na verdade, um globo como estes que estudávamos na escola.


terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eu, que não sei assobiar


Na democracia dos iPods, acho bonito isso de todo mundo ser DJ, mas a dura verdade é que temos que aguentar as consequências. De tão ruins, algumas seleções musicais chegam a ser engraçadas.
Outro dia, a amiga de uma amiga resolveu, animadíssima, se encarregar da seleção musical de um evento. Um jantar, na verdade, com não mais que quinze pessoas. E antes que o primeiro prato fosse servido, a canção que ecoou do aparelhinho da Apple para inaugurar os trabalhos sonoros foi “Wind of Change”, dos Scorpions.
Isso mesmo. Entre as infinitas canções existentes, ou, sendo menos radical, as mais de 20 mil que podem caber em um tocador de MP3, soou a balada do grupo de hard rock baba alemão.
Ao invés de preparar uma marmita às pressas e ir comer no quarto, me ative ao aspecto de diversão citado no primeiro parágrafo. Na verdade, mais do que me fazer rir, o extremo mau gosto musical me fascina, sobretudo quando vem de pessoas amigas. Fiquei inclusive com cara de “quero mais”.
Já pensava em pedir “aquela do Whitesnake” quando o assobio do início da mesma canção me desviou totalmente do assunto. Me lembrei de que existem várias músicas que adoro e que têm trechos assobiados. Não sei se é porque nunca consegui assobiar – ainda hoje tento e sai um “fffff, fffff” – ou porque realmente este som tipicamente humano sempre rouba a cena quando aparece em um arranjo. Seja apenas um “fiu-fiu” ou uma melodia improvisada, acabamos por lembrar de tal canção em grande parte por causa do dito cujo.
Em resumo, obrigado aos Scorpions e esta amiga da amiga. Agora eu tenho um Top 10 músicas com assobio. Não inclui “Wind of Change”. Ah, e nem “Don’t Worry Be Happy”:

10-Monty Python – “Look on the Bright Side of Life” (1979)
Há quem não tenha saco para o humor cerebral do grupo inglês de atores, roteiristas e músicos Monty Python. Eu sou fã desde que, com 12 ou 13 anos, vi “ A Vida de Brian” na televisão. Peguei do meio e acompanhei até o gran finale, quando Brian, ou o que os romanos pensam ser Jesus Cristo, é levado para ser crucificado na companhia de um bando de outros condenados. Um deles, vivido por Eric Idle, consola Brian (Graham Chapman) com a canção que fala sobre “olhar o lado bom da vida” justo neste momento. E assobia feliz.


9-Tom Jobim e Elis Regina – “Águas de Março” (1974)
Musicalmente, a versão desta faixa registrada no programa “Ensaio”, gravado pela TV Cultura em 1973, só com Elis e banda, é imbatível. Mas a de estúdio, que entraria no mítico álbum “Elis & Tom” no ano seguinte, é a que traz o assobio sincronizado à melodia de piano. E ela serve de playback para que a cantora e o maestro dublem neste especial da Bandeirantes.
Não dá para perder Tom Jobim, que àquela altura começava a despedir-se de seu shape de galã, dançando meio durão, mas à vontade. Igualmente divertido são os dois tentando dublar os assobios e os diálogos finais, que na gravação do original haviam saído de forma totalmente espontânea.


8-Manel – “En la que el Bernat se’t Troba” (2008)
Na semana passada, durante as Festes de Gràcia (a mais concorrida das muitas festas de bairro que ocorrem anualmente em Barcelona e que junta dezenas de milhares de pessoas na rua) o público estava enlouquecido pelo grupo Manel.
Basicamente, a banda é uma das exceções na cena de artistas que fazem pop em catalão, em geral não muito inspirados. Tem boas melodias e letras e aposta em arranjos um pouco na linha de Beirut (ver número 7 da lista), com ritmos valseados e influências folk européias. Esta faixa, que abre o badaladinho disco de estréia do quarteto, “Ells Millors Professors Europeus”, do ano passado, é uma das bolas dentro do repertório. E o coro de assobios (xiulets, em catalão) tem sua parcela de culpa nisso.
Como a letra fala sobre um encontro casual em Barcelona, a banda resolveu rearranjar a canção para um formato meio vaudeville e sair pelas ruas da cidade. O resultado é prova de que, com uma ou outra idéia boa, dinheiro não precisa ser problema na hora de se fazer um vídeo. Aproveitem e se familiarizem um pouco com o idioma número 1 daqui, o catalão. Primo menos conhecido e mais fechado da família latina.


7-Beirut – “O Leãozinho” (2008)
Claro que gosto da versão original do Caetano, que uns dizem ter sido escrita para a Maria Bethânia, enquanto outros falam do baixista Dadi como "muso". Mas enfim, há alguns motivos para que não seja a dele a selecionada aqui.
A-Esta versão do projeto encabeçado pelo geniozinho precoce americano Zach Condon é excelente. O sotaque é inevitável, mas o cara é um dos melhores intérpretes da atualidade, e faz arranjos primorosos como o de cordas deste vídeo.
B-Não dá para ter certeza de que, no arranjo original, é mesmo um assobio ou um sintetizador o que zanza pelo fundo da melodia. Neste do Beirut, sim.
C-Caetano já apareceu duas vezes e voltará a dar as caras por aqui, logo.
Soube que Zach Condon e sua turma tocarão no Brasil em setembro, embalado por uma música sua que entrou em trilha de série da Globo. As coisas andam diferentes na emissora ou é impressão? Se o Tarcisão vai estar ao seu lado, não sei. Mas que ao vivo Beirut vale bastante a pena, posso garantir.


6-Guns n’Roses – “Patience” (1988)
“Ora, você tira sarro da baladinha dos Scorpions e vem com esta do Guns n’Roses?”
Sim, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Até em seus momentos mais melosos, o Guns da fase pré-megalomania (os discos e a turnê “Use Your Ilusion”, de 1991) está entre os melhores grupos de rock de todos os tempos. Mesmo com estes cabelos, ou com a dancinha de Axl.
“Appetite for Destruction” (1987) é insuperável, mas “Lies” (1988), soma de um EP gravado ao vivo e quatro baladas acústicas inéditas, mantém o bom nível. A maionese desandaria pouco depois, mas entre a tijolada inicial e o delírio decadente dos anos que viriam, esta espécie de épico assobiado (são várias partes no biquinho) fez história.


5-Bangles – “Walk Like an Egypthian” (1986)
Novamente, não dá para ignorar os cabelos, as maquiagens, as roupas, as danças. Mas quem nunca arriscou, à época ou no revival oitentista, os passos "egípcios" nos embalos deste one hit wonder? OK, two hit wonder se lembrarmos que as Bangles também lançaram a balada–bailinho “Eternal Flame”.


4- Giani Ferrio - “One Silver Dollar” (1965)
Lado a lado com a percussão grandiloquente dos tímpanos e a atmosfera misteriosa das guitarras com efeito trêmulo e da gaita, os assobios compôem o beabá das grandes trilhas sonoras do melhor spaghetti western produzido nos anos 1960.
O mestre supremo é o compositor italiano Ennio Morricone, autor de inesquecíveis temas para películas do conterrâneo Sergio Leone. Os que mais gosto dele são os encomendados para os filmes “A Fistful of Dollar” (“Per un Pugno di Dollari”, de 1964) e de “The Good, The Band and The Ugly” (“Il Buono, il Brutto, il Cattivo”, 1966).
Mas minha favorita dos “bangue-bangue à italiana” é de outro compositor oriundo da Bota, Giani Ferrio, concebida para “One Silver Dollar” (“Un Dollaro Bucato”, 1965) de Giorgio Ferroni (advinhem onde nasceu este). A ponto de que o grupo em que toquei entre 1998 e 2003, TchucbandioniS, fizesse uma versão-citação em faixa homônima ao título do filme em português, “Um Dólar Furado”. Baixe a versão do Tchuc aqui:


3-Peter, Bjorn and John – “Young Folks” (2006)
Mais uma vez, poucos elementos gerando magia pop. No caso do trio de suecos, foram suficientes bateria, chocalho, baixo, um par de vozes e um riff de assobio. Ah, e que riff de assobio mais irresistível…


2-Pixies – “La La Love You” (1989)
“Doolittle”, o melhor álbum dos Pixies, guarda um som de riffs e batidas minimalistas, dispostos de maneira quase geométrica e que sustentam letras gemidas com estranheza e nonsense.
“La La Love You”, uma simples canção de amor na voz do baterista David Lovering, é tudo isso e mais um pouco. O mais um pouco, leia-se, é o imprenscidível “fiu-fiu” que Black Francis e Kim Deal soltam antes do “yeah”.


1-Otis Redding - “Sitting in the Dock of the Bay” (1968)
A lenda é das melhores do pop, e verídica: em dezembro de 1967, Otis Redding resolveu terminar a letra desta música e gravar a nova parte apenas quando retornasse de um show em Cleveland. Só que, na volta, o bimotor que transportava o soul man e sua lendária banda Bar-Kays caiu em um lago no Winsconsin, matando ele, o piloto e quatro músicos.
A morte ocorreu três dias após a gravação e o produtor encarregado, o não menos mitológico guitarrista Steve Cropper (da backing band definitiva da Stax, Booker T and the MG’s), teve a decência de manter os assobios de Otis na mixagem definitiva. Até então provisórios, à espera da tal nova parte que nunca veio, os “whistles”, que inauguravam involuntariamente o nicho dos hits póstumos, estão entre os mais célebres já escutados.
Não que “Sitting…” já não fosse sensacional. Mas o assobio final eterniza a canção, da mesma forma que contribui para a atemporalidade da obra de Otis.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pra não dizer que não falei das flores


Como me disse uma vez um amigo, colecionador voraz de LPs e CDs, “existem infinitos discos”. Isso não é desculpa para que os músicos se acomodem na falta de originalidade de aspectos importantes de seus álbuns, como a capa, mas realmente faz com que seja mais difícil ter uma idéia inédita.
Algum “gênio” que escolha, vamos supor, os girassóis de Van Gogh para ilustrar a cara de sua bolacha, terá que disputar com grossa concorrência o predomínio nos tags que digam “flores” nos mecanismos de busca virtual.
Claro que, dentro do mesmo tema, dá sempre para selecionar belas amostras. Caso contrário este blog não existiria. Portanto, aproveitando o exemplo do parágrafo anterior, este post se despede da truculência do boxe e diz “olá” às flores. Aqui estão as 10 melhores capas de discos estampadas com as benditas. Percebam a predominância das rosas, estas ancestrais obsessões humanas.
Embora somente discos de que eu gosto bastante ou que ache bem interessantes tenham sido selecionados, o critério é pelas capas que acho mais legais dentro deste tema. Se fosse pelos álbuns em si, a ordem do Top 10 provavelmente seria outra. 

10- Kate Bush – “Sensual World” (1989) – Capa: John Carder Bush
Beirando o excesso de dramatismo, Kate Bush quis passar aqui a sensação de estranheza que quase sempre acompanhou o seu trabalho. Este disco, aliás, é inclassificável como os outros que ela fez na década de 1980. Seu irmão mais velho, que além de fotógrafo é escritor e poeta, captou a mensagem. 



9-Caetano Veloso – “Circuladô” (1991) – Capa: Caetano Veloso e Lívio Campos
A influência do poeta concretista paulistano Haroldo de Campos (1929-2003) em Caetano parece ter ido além do poema “Circuladô de Fulô”, que o cantor musicou e utilizou como tema deste álbum. Os recortes do olho direito e da boca de Caê, sobrepostos pelo próprio sobre um girassol (ou isso creio), são o complemento plástico da proposta. As distorções da guitarra no wave do americano abrasileirado Arto Lindsay, produtor responsável, fecham o pacote.



8-Hüsker Dü – “Warehouse: Songs and Stories” (1987) – Capa: Daniel Corrigan
Fotógrafo favorito de Soul Asylum, Replacements e outras bandas da cena indie de Minneapolis dos anos 1980 e 1990, o americano Daniel Corrigan ganhou da mais notória delas, o Hüsker Dü, carta branca para a foto frontal deste discão, a coleção definitiva de canções raivosas e melódicas do trio capitaneado por Bob Mould. Não deu outra: flores.



7-The Cure – “Disintegration” (1989) – Capa: ???
Pode ser que meu gosto para capas – ou flores – seja criticado pela escolha desta. Mas ela representa tão bem a explosão de romantismo do disco, com Robert Smith naufragando entre pétalas, memórias e amores platônicos, que vai para o trono. O “Sgt. Peppers” dos melancólicos tinha que ter uma capa melodramática. Afinal, nunca foi tão gostoso ser triste quanto nos 71 minutos e 42 segundos de “Disintegration”.
*Para minha tristeza – ou alegria – estou a milhares de quilômetros de distância deste meu LP, e em vários sites não encontrei o responsável pelo artwork do disco. Se alguém souber, por favor me conte.


6-Nick Cave & the Bad Seeds – “No More Shall We Part” (2001) – Capa: Tony Clark
Eu tenho um jardim em casa, mas não sei quais são as flores pintadas pelo artista australiano Tony Clark nesta capa. Novamente, ele acertou ao captar a atmosfera sonora, a das lamúrias lentas e elegantes, em busca da cura para corações partidos. Para quem prefere o Nick Cave cantor ao Nick Cave gritalhão.


5-Martinho da Vila – “Rosa do Povo” (1976) – Capa: Elifas Andreato
Com lugar cativo entre os principais capistas brasileiros, sobretudo na década de 1970, o artista paranaense Elifas Andreato utilizou diferentes padrões em bolachas importantes. Para citar algumas delas, recorramos às marcas dos pés de Clementina de Jesus em álbum homônimo da sambista de 1980, ou ao vagabundo no banco do trem de “Ópera do Malandro” (1979), de Chico Buarque. Mas sua opção mais marcante foi pelos desenhos, fossem eles baseados em retratos dos cantores – como ocorreu em LPs de Paulinho da Viola e Adoniran Barbosa, entre outros – ou os que simplesmente sugerissem imagens fortes, como nesta "cover" de Martinho da Vila.


4-Depeche Mode – “Violator” (1990) – Capa: Anton Corbijn
É difícil bater o homem multimídia Anton Corbijn quando o assunto é imagem de bom gosto no mundo pop. Autor das fotos definitivas de dezenas de bandas influentes - entre elas Joy Division e U2 - diretor de uma infinidade de clipes e criador de cenários para shows, ele também cuida de capas de discos. E muitas. Esta, de um dos melhores e mais góticos álbuns do Depeche Mode (grupo para o qual dirige quase todos os vídeos), é um verdadeiro ícone gráfico. Não foi por acaso que, quando estreou como diretor de longas, Corbijn mandou uma bola no ângulo com “Control” (2007), biopic de Ian Curtis, vocalista do JD.



3-Red Hot Chili Peppers – “Blood Sugar Sex Magik” (1991) – Capa: Henk Schiffmacher e Gus Van Sant

O que é legal na “portada” desta pedrada que escuto com razoável frequência há 18 anos é a rosa como elemento muito mais sexual e exótico do que romântico ou melancólico. Afinal, até este disco, os Chili Peppers não queriam saber de frescurinhas e tocavam pau. Sem querer, foram também precursores na fetichezação de suas próprias tatuagens. Todas são exibidas individualmente no encarte interno, após terem sido fotografadas por ninguém menos que o badaladíssimo diretor americano Gus Van Sant. Os desenhos tribais unindo a rosa central às bocas de Anthony, Flea, Frusciante e Chad são do célebre tatuador holandês Henk Schiffmacher, responsável por boa parte da arte corporal dos quatro pimentas.


2-New Order – “Power, Corruption & Lies” (1983) – Capa: Peter Saville
O artista inglês Peter Saville está para as capas mais ou menos como Anton Corbijn para os clipes e fotos. Peça-chave na estética minimalista e gelada dos projetos gráficos da mítica gravadora Factory, de Manchester, ele assinou trabalhos para um batalhão de talentos, de Joy Division a Paul McCartney, passando por Pulp e Goldie. Esta é de uma beleza corrosiva e irônica, ou pelo menos o foi nos momentos em que seus compradores primordiais descobriram que o nome do longplay, oculto na versão original (esta), era “Poder, Corrupção e Mentiras”.


1– The Beatles – “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” (1967) – Capa: Peter Blake
Garanto que a música sobrenatural que emana dos sulcos deste disco de 42 anos de idade não influenciou na posição desta capa no Top 10. O critério aqui foi a criatividade no uso das flores. O nome da banda, uma imagem hindu e algo que se parece a um instrumento de cordas foram reproduzidos em arranjos florais. Logo os conspiradores diriam que o tal instrumento era o baixo de Paul McCartney, aumentando a lista de indícios para a tese de que o canhoto estaria morto já àquela época. O que torna o trabalho de Peter Blake, um dos pioneiros da pop art e autor de projetos gráficos para gente como Paul Weller e Clapton, ainda mais mágico e misterioso.



quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Lona





Andei vendo na internet uns trechos de “Tyson”, documentário de James Toback sobre um dos maiores mitos de nossa geração, que vem atraindo os holofotes nos mais concorridos festivais de cinema do planeta.
Não pude deixar de lembrar do dia em que Mike Tyson foi derrotado pela primeira vez, em fevereiro de 1990. Eu passaria a noite na casa de um amigo da escola. Ele não estava nem aí para a luta, que seria com o então pouco conhecido e sério candidato a beijar a lona James “Buster” Douglas. Eu não, me mantive ligadíssimo em frente à TB até a madrugada.
Era um hábito que eu, meu pai e, muitas vezes minha irmã também, tínhamos em muitos fins de semana: dormir vergonhosamente no sofá durante as preliminares, para acordar apenas a tempo de presenciar ao vivo os poucos segundos que costumavam durar os combates de “Iron Mike”. Em casa ele sempre foi chamado assim. Eu nem queria saber de Ali, Louis, Foreman… para mim nunca houvera ou haveria alguém comparável a nosso ídolo. E para falar a verdade, nem era tão fã de boxe. Só queria ouvir falar de Iron Mike, o não-pugilista, aquele que ignorava a técnica e subia ao ringue para simplesmente massacrar os oponentes, pegar o dinheiro e ir embora. O mais rápido possível
E eis que, pela primeira vez após assombrosas 37 vitórias seguidas (a maioria por nocaute e grande parte deles no primeiro assalto) Tyson não só recebeu os primeiros golpes bem encaixados de sua carreira, como caiu e perdeu. Me assolou naquele momento uma incredulidade que ainda me causa arrepios, enquanto meu amigo dava de ombros e se ocupava com alguma outra atividade qualquer. “Você não está entendendo, o Mike Tyson perdeu! O-MAI-KE-TAI-SSON-PER-DEU!!!”. Descontrolado, eu o sacudia pelos braços.
O mundo nunca mais seria o mesmo, Iron Mike chafurdaria numa decadência histérica de derrotas ridículas, prisões, escândalos, surtos psicóticos e até um ato de canibalismo em cadeia mundial, arrancando com os dentes nacos da orelha de Evander Holyfield. Eu praticamente nunca mais assisti a uma luta, embora viesse a vencer com facilidade a versão eletrônica do ilustre peso-pesado no jogo “Mike Tyson’s Punch- Out”, da Nintendo. Mas a cada vez que uma música ou disco faz referência a boxe, ainda suspiro lembrando de quando nem tudo estava perdido, e Iron Mike era nosso único e indestrutível campeão.
Abaixo, portanto, os 10 melhores motivos para dar alguns socos no ar escutando música:

10-Toots & the Maytals – “Knock Out”
Um dos maiores nomes da história da música jamaicana em todos os tempos, Toots & the Maytals é apenas mais um dos muitos grupos que dividem o coração entre o boxe e os grooves de ska e reggae. Na capa deste disco de 1981 o vocalista Toots Hibbert mostra o quanto é chegado ao esporte.

9-Miles Davis – “A Tribute do Jack Johnson”
Miles Davis nunca escondeu sua paixão pelo boxe. Hermeto Pascoal conta em um documentário da HBO que, quando foi morar nos EUA no final dos anos 60, o trompetista lhe convidou à sua casa. Mas Miles não quis ouvir uma nota sequer tocada pelo alagoano, preferindo entregar-lhe um par de luvas e ordenar que subisse no ringue que mantinha em sua casa. Hermeto obedeceu e, segundo relata, após confundir Miles com seu olhar estrábico, gingou, golpeou e derrubou o anfitrião. “Este albino é muito louco”, teria sido a resposta do jazzista em reação ao nocaute.
Mais ou menos no mesmo período, precisamente em 1970, Miles gravou as sessões de improviso jazz-rock que resultariam em “A Tribute to Jack Johnson”, trilha sonora de um documentário sobre o primeiro negro a ser campeão dos pesos-pesados, em 1908. Aqui, um trecho, devidamente "trilhado" por Davis.


8-Hurtmold – “Mike Tyson”

Esta faixa pertence a “Cozido” (2002), um disco importante desta cultuada banda paulistana, que deixava ainda mais o hardcore de lado para mergulhar em peças predominantemente instrumentais. Nos bons tempos de Iron Mike, poderia ter facilmente de fundo musical para uma de suas célebres caminhadas rumo ao ringue, sempre de camiseta preta cortada e ao lado de Don King.

7-Dynamites – “Joe Louis”
O lance dos músicos jamaicanos com o pugilismo é mesmo sério. Tanto que a célebre gravadora Trojan lançou há cinco anos “Sucker Punch: Jamaican Boxing Tributes”, uma compilação de temas sobre lendas do tablado. Há várias muito boas, entre rocksteady, dub e outras especialidades da casa. Mas se tiver que ir diretamente a uma, vá de “Joe Louis”, da relativamente obscura “rhythm session” Dynamites, em homenagem ao ícone homônimo, rei absoluto das luvas na década de 1940.
 



6-Paralamas  do Sucesso – “Perplexo”
A música já é muito boa, uma sagaz levada caribenha embalando um desbafo sobre a bagunça brasileira pós-Plano Cruzado. Com a frase “Eu vou lutar eu vou lutar, eu sou Maguila, não sou Tyson”, então, não dava para ficar de fora. Aliás, excluir o Maguilão deste Top 10 teria sido um verdadeiro jab na reputação deste blog.



5-Bob Dylan – “Hurricane”
Muito antes de O.J. Simpson, nos anos 1960 um outro esportista negro norte-americano foi o epicentro de uma enorme polêmica envolvendo assassinato. No caso do boxer Rubin Carter, ou “Hurricane”, as acusações que pairavam sobre ele e outro suspeito diziam respeito a três homicídios. Diferentemente de Simpson, também, ele foi condenado a mais de vinte anos de prisão, que cumpriu sem que fosse provada a sua participação nos crimes. Sua tragédia inspiraria, entre outras coisas, uma grande campanha em seu favor, um filme estrelado por Denzel Washington de 1999 e esta preciosidade lançada por Bob Dylan (escrita com Jacques Levy) em 1976, que conta uma das versões da história.


4- David Bowie – “Let’s Dance”
Sempre achei que ele usa luvas de boxe nesta capa. Não dá para ter certeza. Pode ser perfeitamente alguma moda daquele 1983, à qual só alguém tão descolado como Bowie teria acesso. Não sei. Mas também, se não eram luvas de boxe, agora ficam sendo, oras. 


3-James Brown – “Living in America”
Esta música não entraria nem no Top 400 de James Brown, e aposto que o próprio Godfather of Soul pensava o mesmo. Mas, para efeitos cômicos convulsivos – e nostálgicos, se você foi um menino nos anos 1980 – escutá-la nesta cena de “Rocky IV” (1985), com o avião dependurado, Apollo vestido de Tio Sam dançando em frente a uma espécie de búfalo gigante que solta fumaça pelo nariz… bom, aí funciona. Pobre Apollo, mal sabia o quão caro custaria a humilhação que seu papelão proporcionou ao russo Ivan Drago.


2-Muhammad Ali e Sam Cooke – “The Gang’s All Here”
Muhammad Ali era pura música. Diziam – ele, inclusive – que dançava em suas lutas. No documentário “When We Were Kings” (1996, de Leon Gast), sobre a luta que travou com George Foreman em 1974 no Zaire, não faltam convidados ilustres como B.B. King e o próprio J.B.. Seus fãs africanos não param um minuto de entoar o cântigo “Ali, Bomaye” (Ali, mate-o) e inclusive suas hilárias provocações a Foreman são tão ritmadas que poderiam embalar uma pista de baile.
O namoro entre suas esquivas perfeitas e as notas musicais se transformou até em disco, que não poderia ter outro nome a não ser “I Am The Greatest!”. Lançado em 1963, quando o mito pré-muçulmano ainda era conhecido como Cassius Clay, inclui “The Gang’s All Here”, que tem seu nome nos créditos (ai se não tivesse). Mas a melhor versão da canção é a deste vídeo da época pré-lançamento, em que Clay divide os vocais com o gogó de veludo do maior ídolo pop negro da época, Sam Cooke.

1-Grandmaster Flash and the Furious Five – “The Message”
Ao reclamar por “can’t even see the game, or the Sugar Ray fight”, Rahiem, rapper do Grandmaster Flash and the Furious Five, não estava apenas contribuindo com um trecho de um dos melhores raps da história. Ele também mostrava a frustração de não poder acompanhar pela TV o desempenho de Sugar Ray Leonard, um dos ban-ban-ban peso-médio e derivados à época “romântica” do hip-hop, entre o final dos anos 1970 e meados da década seguinte.
O legal desse vídeo de 1983, além da canção, é o visual pré-gangsta rap dos caras, uma mistura espalhafatosa de Earth, Wind & Fire com Village People. E tem também uma rápida troca de socos no ar à menção de Sugar Ray no minuto 2’27.







quarta-feira, 5 de agosto de 2009

TV Party Tonight





Pegando  carona em “TV Eye”, o cume do último top 10, comecei a lembrar das primeiras incursões da televisão em minha vida.
Para tal voltei novamente à primeira metade dos anos 1980, mais especificamente ao apartamento de um amigo ancestral, durante uma sessão da série televisiva do herói japonês “Spectroman”. Era alguma emissora xexelenta, a Gazeta ou a finada Manchete, que transmitia os episódios no final da tarde.
E, quando, como de costume, nos inspiramos no que estávamos vendo e nos engalfinhamos no carpete para mais um combate, seu sensato pai resolveu intervir. Decepcionado, nos alertou para o fato de que, enquanto perdíamos nosso tempo com nossa acrobática luta, na Suécia as famílias liam livros, ao invés de assistirem à TV.
Ainda posso ver com todos os detalhes a cara de perplexidade de meu amigo. Era como se seu pai estivesse falando… sueco. Mas afinal - pensamos em sincronia -, o que há de errado com a televisão? E por que os adultos sempre implicam com ela, se no final da conta são os marmanjos os verdadeiros fissurados por seus encantos?
Enquanto meu chapa – que apesar de pequeno, sempre foi ágil como uma flecha – aliviava a chave de braço e pouco a pouco me deixava respirar, o sangue foi voltando a meu cérebro. Soou então lá dentro, de imediato e com uma intensidade que só pode ter sido provocada pelo fluxo repentido de sangue na cachola, o verso de “Minha Vida”, canção de Lulu Santos que tocava no rádio e nas festinhas de meu prédio naquele mês:


Os garotos da escola, só a fim de jogar bola/
Eu queria ir tocar guitarra na TV

Eu não era muito chegado no Lulu – continuo basicamente igual neste ponto, embora admita há tempos que o cara é um mestre dos hits radiofônicos – mas aquelas duas frases faziam sentido de uma forma diferente para mim. Eu estava, sim, a fim de jogar bola 24 horas por dia, mas também queria tocar guitarra na TV. Era, portanto, mais ambicioso que o próprio autor da canção, porém antes de mais nada achava televisão legal pra caramba.
O tempo passou, eu parei de jogar bola (nada a ver com parar de gostar de futebol; uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa) e fui vez ou outra tocar na TV. Bateria, é verdade, mas fui.
Só que entre o ultimate fighting com meu eterno camarada e os nacos de grama que arranco quando tento voltar às quatro linhas - bienalmente e com um aproveitamento patético -, colecionei uma série de músicas favoritas sobre televisão, ou que falem da maledeta. Tal repertório acaba de ser condensado em mais um top 10 do Mala da Lista. Acho que ainda dá tempo de prestar esta homenagem, antes que o songbook universal de cantigas sobre o Youtube supere o das feitas sobre a TV. Reparem como na maior parte da lista a nossa caixa mágica de imagem e sons é citada em versos de conotação negativa. Ah, estes adultos….
(Menções honrosa para “TV Eye”, que fica de fora para que o repeteco seja evitado, e “A Televisão”, de Chico Buarque, que para variar tem uma puta letra, mas musicalmente é meio chata.)

10-Ned’s Atomic Dustbin – “Kill Your Television”
Algúem se lembra do Ned’s Atomic Dustbin? Era uma banda inglesa da safra fim dos 80/começo dos 90, daquelas um terço pesadas, um terço dançantes, um terço psicodélicas. Meio na onda da cena de Manchester de Stone Roses e Happy Mondays, mas talvez um pouco mais barulhenta e com dois baixos. Os caras até voltaram agora para um revival após uma década e meia no limbo. E seguramente não têm deixado de fora “Kill Your Television” um de seus “minor hits”. Refresquem a memória:


9-Paralamas do Sucesso – “Alagados”
Demorei vinte anos para entender que, depois da palavra “Alagados”, o Herbert Vianna dizia “Trenchtown”, nome da famosa quebrada em Kingston, Jamaica. Mas nunca pairou dúvida sobre o que vem em seguida, “a esperança não vem do mar, nem das antenas de TV". Um baita hino do trio brasiliense, precursor em algumas coisas importantes no nosso pop, como a aposta pelos ritmos jamaicanos (a linha de baixo do Bi Ribeiro é de tremer o chão). O clipe é toscão como todos da época, mas tem seus charme e espontaneidade:


8-Arcade Fire – "Antichrist Television Blues"
Vi duas vezes esta big band canadense em cidades diferentes, mas na companhia da mesma pessoa, no caso um outro amigo de tempos imemoriais. Na primeira, no Tim Festival 2005 edição Rio de Janeiro, eu estava mal-humorado e cético, e ele confiante de que seria um grande show. Quando, na introdução, o integrante ruivo apareceu com um tambor de banda marcial amarrado na cintura, rosnei.
Mas a qualidade das composições, o talento dos músicos (que trocam de instrumentos com a naturalidade com que os atletas mudam de provas em um decatlon) e, principalmente, a entrega assustadora deles no palco, me conquistaram já na terceira canção. A tal ponto que, na seguinte vez que os vimos, em Barcelona dois anos depois, preferimos nos ater ao concerto vorazmente a dar ouvidos aos ingleses bêbados que insistiam em tentar arrumar briga conosco. 
Esta faixa, do fantástico segundo álbum “Neon Bible” (2007), é sobre um sujeito que, em seu delírio torturado meio televisivo, desconfia que é filho do Cão.


7-Legião Urbana - "Eduardo e Mônica"
Não fosse Renato Russo um grande contador de histórias, os roteiristas desse clipe-tributo não oficial de “Eduardo e Mônica” teriam muito mais problemas. Mas a simplicidade e precisão de frases como “o Eduardo ainda estava no esquema escola- cinema-clube-televisão”, da letra foram decisivas, e o resultado visual é bem divertido. Vivo, Renato possivelmente adaptaria para “esquema escola-cinema-Youtube-televisão”, mas aí já é só um palpite.
Faltou só a imagem do Eduardo jogando futebol de botão com o seu avô:


6-Gil Scott-Heron - "The Revolution Will Not Be Televised"
Por poemas declamados sobre grooves como este, de 1970, Gil Scott-Heron é um dos personagem-chave na criação do hip-hop. Lá já estavam o ritmo e a poesia, mas ambos não dormiam abraçados como determinaria, no final daquela mesma década, a ciência dos MCs.
“The Revolution will not be Televised” aborda um turbilhão de assuntos em torno da discriminação racial, o foco central de boa parte da obra do proto-rapper. Mas basicamente ele usava a imagem da televisão como sinônimo do que é biônico, ensaiado, não espontâneo, não verídico, fake. Segundo Scott-Heron – que cancelou um show aqui outro dia -, a revolução seria ao vivo. Pela pegada do cara, até ainda dá para acreditar.


5-Titãs – "Televisão"
Outro da série “não dá pra saber o que é melhor”: se Chacrinha, um carro abre-alas personificado, anunciando a banda como acreana ou berrando uns “OOOO-EEEE” no final; se o performático Arnaldo Antuntes entrando apenas um compasso depois que começa o playback; se a coreografia dos bizarros roqueiros teatrais paulistas na selva suarenta, carioquíssima, do auditório; se o sonoplastas do programa insistindo em marcar o tempo da canção com uma bateria eletrônica; ou se a música em si, um petardo pop que anunciava que alguém havia ficado “burro, muito burro demais” por causa dela, a Televisão.
Mas não. Já sei. O melhor é a dança que uma das chacretes faz de improviso, certamente não programada na coreografia ensaiada à tarde, no minuto 1’26. Com seu maiô chocante, a bailarina expressa o que aquele rock esquisito estava causando ali naquele exato momento, em seu verdadeiro ser. Seus passos robóticos súbitos são a sua tentativa de aproximar-se do que era hypado naquele momento, os estranhos Titãs.
Gloriosas eram as chacretes. Se ainda fosse vivo e exercesse a nostalgia dos anos 80 – algo pouco provável -, Nelson Rodrigues diria que as dançarinas de funk, todas elas juntas, não serviriram para amarrar as sandálias de uma única chacrete sequer.


4-Black Flag - "TV Party"
De tão bagaceira, o vídeo desta música esteve em uma edição do finado “Piores Clipes do Mundo”, que o Marcos Mion apresentava na MTV Brasil. “Nós faremos uma festa da TV hoje à noite!”, anunciava Henry Rollins à frente do Black Flag, nos idos de 1981. Já pensou ter que administrar esse sujeito entrando na sua sala com ganas de farrear, como ele faz no começo do clipe? Desta lista, é talvez a mais ambígua das referências à TV, porque obviamente critica a idiotização dos que passam dias em frente à tela, mas é cantada com tanto empenho que acaba sendo um hino para seus maiores entusiastas.


3-Lou Reed - "Satellite of Love"
Basta de reticências. O personagem deste clássico de Lou Reed, lançado em 1972 no essencial álbum “Transformer”, desce do muro (do armário ele já saíra) e declara sem pudores:

I Watched it for a little while… /I like to watch things on TV.

Nós também, Lou. Nós também.
A música aparece aqui em trecho do afetado filme “Velvet Goldmine” (1998), do mesmo Todd Haynes de “I’m Not There”. Afetado, vocês dirão, porque era sobre a afetada cena glam da Londres do começo dos anos 1970. Mas eu reduziria em uns 35 % a afetação da película, se pudesse. Fato é que Woody Allen deve ter visto e gostado, pois anos mais tarde recrutaria seus dois atores principais para protagonizar seus filmes realizados na Inglaterra: Jonathan Rhys Meyers (o personagem supostamente inspirado em David Bowie) e Ewan McGregor (o que faz referência a Iggy Pop).
Brincadeira. Claro que Allen não viu e nem gostou. Como sabemos, ele é averso à cultura pop e só gosta de jazz produzido entre as décadas de 1920 e 1940.


2-Caetano Veloso - “Nine out of  Ten”
Nenhuma versão ao vivo encontrada no Youtube supera a original. Então, para não perder a magia, vai essa gravação de estúdio, do precioso “Transa” (1972), com uma pitoresca seleção de imagens, mais ou menos sincronizadas com o ritmo. Dos irmãos Marx a Garrincha, entrou todo mundo na mistura, balançando ao som de um dos momentos mais inspirados da trajetória de Caê, no qual ele trata a “telly” com carinho:
Im alive and vivo muito vivo, vivo, vivo/
In the Eletric Cinema or on the telly, telly, telly/

Nine out of ten movie stars make me cry/

Im alive



1-Racionais MC’s - "Capítulo 4, Versículo 3"
Eu podia jurar, até outro dia, que Mano Brown dizia “Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor. Pelo rádio, TV, revista e outdoor” em determinado momento desta música. Não sei porque. Mas ouvi de novo a música e realmente é “rádio, jornal, revista e outdoor”. Enfim, não tem problema, porque o rapper menciona a dita cuja em outra parte, com a sólida raiva que marca cada linha deste clássico: “seu comercial de TV não me engana. Eu não preciso de status, nem fama”. 
“Capítulo 4, versículo 3” é um dos momentos mais marcantes da história música brasileira. Não só pela avalanche comercial inesperada que ocasionou, com seus mais de um milhão de cópias vendidas sem a ajuda de uma grande gravadora. De seus quase dez minutos, Brown não alivia a barra em nenhum, não tira o pé do acelerador nem para respirar. E mais do que esbravejar contra a velha inimiga televisão – a recusa do grupo em aparecer na Globo é mítica e ainda perdura - e os outros meios, ele incorpora uma série de personagens e pontos de vista diferentes, participantes de uma mesma situação sem saída. O assassino sanguinolento e vingativo, o cidadão comum que vê o barco afundar ao seu redor, o pastor pregador que ora por nossas almas.
Esta versão ao vivo é muito boa porque Brown, Ice Blue, Edi Rock e KLJ estavam tinindo, com o divisor de águas “Sobrevivendo no Inferno” recém-saído do forno, em 1997. Um disco que começava com a frase “minha intenção é ruim”, para quem não se lembra.