domingo, 20 de dezembro de 2009

2000-2009: Os anos Indie (Parte 2)


OS DISCOS NACIONAIS PREFERIDOS DO MALA DA LISTA NA DÉCADA (DO 5 AO 1)

5-Fabio Góes - "Sol no Escuro" (2006)


Coragem e ambição. Com estes dois trunfos se faz um grande disco, caso haja talento de sobra. Não é todo dia que um artista desconhecido do grande público preenche um álbum com seis baladas entre onze faixas, se desnudando nas letras e recorrendo ao falsete vocal para percorrer delicadas melodias. Tudo sobre um som grandioso, vivo, enriquecido por paredes de cordas e metais de arrepiar. 

Quem ouve "Sem Mentira", "Lembranças", "Surfista" e "Sol no Escuro", algumas destas baladas de tirar o fôlego, tem boas pistas sobre seu autor. A angústia que circunda as profundas letras do paulistano Fabio Góes não ocupa as 24 horas de seu dia, ainda bem, mas é irmã de sua elevadíssima auto-exigência como compositor, músico e produtor. Sabendo disso, não é de se surpreender que a bolacha tenha tardado cinco anos para ficar pronta. Cada acorde de piano, dedilhado de violão e virada de bateria ficou em sua cabeça por todo este tempo.

E sua inquietude talvez seja seu maior tesouro: uma vez lançado o disco, Góes fez questão de mudar  a maioria dos impecáveis arranjos para transpor o repertório ao palco. E quem espera algo parecido a "Sol no Escuro" para o segundo álbum, já em estágio avançado de produção, que se prepare para uma experiência bastante diferente. Sua introspecção virá canalizada em novos ritmos e destilada em outros assuntos.

*Uma música: "Sol no Escuro"



4-Curumin - "Japan Pop Show" (2008)



Que Luciano Nakata é um baterista que volta com o bolo quando a maioria dos outros ainda está comprando o fubá, muita gente já sabia há tempos. Que canta pra cacete, sem vergonha de assumir seu posto na linhagem dos soulmen brasileiros, que sabe compor e que toca bem outros vários instrumentos, também. Faltava, e ele mesmo admitia, soltar as amarras e sepultar uma espécie de obrigação auto-imposta de conseguir um resultado apenas eficaz e correto na esfera da black music. Regra de uma geração - que não vingou - de compositores dedicados a um suposto neo-soul nacional, em geral vinculado à gravadora Trama em seus primeiros anos.

"Achados & Perdidos", o disco solo de estréia do músico paulistano, de 2003, já havia emplacado pelo menos duas jóias samba-soul de fazer Tim Maia bailar na tumba - "Vem Menina" e "Samba Japa" - , além de trazer potentes grooves ("Cadê o Mocotó") e brincadeiras psicodélicas ("Acorda Simpático"). Também projetava-o nos EUA, onde não cansam de chamá-lo para turnês. Mas "Japan Pop Show" atropelou as expectativas ao ser a prova clara de que ele deixou para trás as barreiras - tem de samba em japonês ("Sambito") a pancadão político ("Caixa Preta"), passando por suas primeiras incursões mais roqueiras ("Viver na Magrela"), entre outras ousadias. Cada canção é um universo por si só e pela forma como foi vestida, em arranjos que promovem a exata parceria entre o melhor do vintage e a estética de uma década que ainda está por vir. Por estas e por outras, tecnicamente sua sonoridade é a mais espetacular entre os álbuns listados aqui.

"Na minha opinião, não existe essa coisa de não ter risco em arte" me avisava o multinstrumentista numa entrevista para a revista PIB. Era a sacada que lhe faltava. Agora as outras "promessas do soul nacional" comem poeira e chega a ser assustador pensar no que pode vir por aí em se tratando de Curumin.

*Uma música: "Mistério Stereo"



3-Mombojó - "Nadadenovo" (2004)


Este disco é o melhor exemplo da invasão indie descrita na introdução do post. Não apenas por ter sido lançado com a revista Outra Coisa, mas por trazer, graças a um ou outro detalhe técnico que não vem ao caso, uma comovente textura de fita demo. Aspecto este que não esconde as grandes canções sofridas de Felipe S., a perícia dos músicos do então septeto recifense - alguns com 17 anos à época da gravação - e seu bom gosto nos arranjos e emulações de belos timbres. O encontro insólito entre a burocracia (o álbum foi bancado pela prefeitura de Recife) e uma enorme ambição artística atestou o quanto a cidade pernambucana ainda é musicalmente especial, além de ser um dos momentos sonoros da década.

O que o segundo álbum, "Homem-Espuma" (2006), tem de qualidade técnica, o primeiro tem de inspiração, entrelaçando samba, bossa nova, jovem guarda, heavy metal, surf music, choro, melancolia indie britânica em impressionante harmonia. Era o passo adiante que a safra pós-mangue beat tinha que dar. Soa como se um bando de moleques inconsequentes gostasse, na mesma medida, de "OK Computer" e "Construção", mas  na verdade sonhasse em tocar com o Roberto Carlos dos anos 60 e 70.
Mas espera: não é exatamente isso o que é o Mombojó?

*Uma música: "O sol, o Céu e o Mar".

2-Racionais MC's - "Nada como um Dia Após o Outro Dia" (2002)


O impacto de "Sobrevivendo no Inferno" (1997), o maior fenômeno da Indústria independente nacional e ícone máximo do nosso rap, seria impossível de reproduzir, por seu ineditismo. Mas o que nem os mais ferrenhos fãs do mítico quarteto da periferia de São Paulo esperavam era que a bolacha seguinte, dupla, estivesse à altura da anterior, melhor produzida e com letras tão marcantes e eternas como "Capítulo 4, Versículo 3" ou "Eu Tô Ouvindo Alguém me Chamar".

E se "Sobrevivendo..." começava com a frase "Minha intenção é ruim", "Nada como um Dia Após o Outro Dia" abria com "fé em deus que ele é justo". Prova de que os cinco anos entre os discos cultivaram outros enfoques para tratar de antigas e novas aflições. Como resultado, nasceram um conjunto de rimas - com grande destaque para as do messiânico Mano Brown - que renderiam uma verdadeira antologia de raiva ("Negro Drama"), amor ("Vida Loka"), humor ("Eu Sou um 157") e delírio culpado ("Jesus Chorou"). Daria para passar horas falando sobre dezenas dos verso presentes, mas é óbvio que vale muito mais a pena simplesmente dar um play nos dois volumes, "Chora Agora" e Ri Depois". Que, diga-se de passagem, se fossem enxutos e editados em um só, se transformariam em um clássico imbatível.

Ninguém cutucava a ferida da sociedade brasileira tão certeiramente desde Chico Buarque. Mas enquanto o nosso Blue Eyes fura as paredes cirurgicamente, primeiro com uma broca 4 e depois com outras mais grossas, compenetrado e inabalável, os Racionais são como uma equipe de pedreiros ruidosos derrubando os mesmos patamares sólidos com bolas gigantes suspensas por guindastes. E o efeito é igualmente irreversível.

*Uma música: "Jesus Chorou".



1-Nação Zumbi - "Rádio S.Amb.A" (2000)


“A gente acha que a melhor fase sempre está por vir”. A frase do baterista Pupillo, dita a este blogueiro numa entrevista de setembro de 2004 ao site da MTV, definia uma grande banda em seu auge. Algo que ainda não era possível prever na alvorada da década: após o baque da morte de Chico Science, algumas gravações não muito convincentes (presentes no CD duplo de sobras, remixes e versões ao vivo "CSNZ") apontavam um momento de impasse na banda pernambucana.

Uma hesitação enterrada com a chegada de "Rádio S.Amb.A", este rolo compressor de ritmos, ruídos, melodias, texturas e poesia que mudou a cabeça dos céticos instantaneamente. Uma única audição e se apagava de nossas cabeças a especulação "imagina o que Chico Science estaria aprontando se continuasse vivo" para dar lugar ao mantra "mas que puta som faz esta nova Nação Zumbi, meu deus".

Bravos, os recifenses haviam ousado seguir sem o lendário frontman e ainda por cima mudando muito seu som. Só que o fizeram de uma forma natural, lógica, de quem não tem outra opção a não ser tocar a bola para frente com uma diferentes combinação de cabeças pensantes. Algo bem parecido, guardadas as enormes diferenças geográficas e estilísticas, ao que ocorreu quando o Joy Division perdeu Ian Curtis e se transformou em New Order: no saldo final obtiveram-se duas bandas do caralho, parentes de primeiríssimo grau, mas bem diferentes entre si.

Da era Chico permaneceu a vontade de criar o novo e a fábrica de ritmos que, tendo o maracatu como base, se transmuta em sempre poderosos grooves bastardos de genes importados (as denominações de origem vão da Nigéria à Jamaica, de Detroit a Havana); da nova configuração, brotou uma maneira mais obscura de enxergar as composições, menos radiofônica, apoiada em acordes menores, psicodelia umedecida em dub e nos versos introspectivos de Jorge Du Peixe. E mesmo com tanta informação, se sobressaíram coerência e identidade suficientes para manter a Nação Zumbi no topo da cadeia. Com a confiança e ganas de trabalhar expressas por Pupillo - a mesma década ainda traria os ótimos "Nação Zumbi" (2002) e "Futura" (2005), além do irregular "Fome de Tudo" (2007).

*Uma música: "O Carimbó"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

2000-2009: Os anos Indie






No post The iPod Years, falei sobre os dez álbuns internacionais favoritos do Mala da Lista entre os lançados nesta década. A duas semanas da troca do 0 pelo 1 no terceiro dígito, o blog publica a lista que ainda devia, a dos dez discos brasileiros que mais cativaram seu autor neste começo de milênio.

Uma década muito interessante para a música no Brasil, aliás. Bem diferente dos burocráticos anos 90, vividos sob a ressaca do bombástico BRock oitenteiro, com seus sobreviventes acomodados em insossos discos acústicos e tendo basicamente a MTV como um oscilante termômetro pop - a emissora investiu em jóias do quilate de Chico Science e os Raimundos do começo, mas também em barcas furadas over como Tihuana e Charlie Brown Jr..

Mercado cheio de potencial, mas infestado de vícios, injustiças e problemas financeiros, o brasileiro virou de cabeça para o ar entre 2000 e 2009. Dá para dizer até que a tal da revolução fonográfica chegou antes em nossas terras do que na gringa. Por causa justamente desta fragilidade mercadológica, bem como a evolução e democratização das tecnologias de registro em estúdio - nunca foi tão fácil gravar -, cada nova iniciativa ou tentativa de mudança repercutiu com mais força. Em 2001 bandas como o Karnak já se propunham a priorizar a internet para a comercialização de seus trabalhos, e também apostavam no sistema de venda em bancas criado por Lobão dois anos antes. Logo depois a revista Outra Coisa, editada pelo próprio, instituía o lançamento mensal de álbuns, alguns deles bem bons (um deles veio parar aqui), no mesmo formato.

Em termos de grana, diga-se a verdade, pouco se lucrou com os novos mecanismos, e quase ninguém escapou do perrengue da falta de dinheiro para se viver fazendo música. Mas aos trancos e barrancos, e com a vantagem de serem mais livres artisticamente, os independentes foram conquistando público e atenção dos meios de comunicação nacionais e, via myspace e afins, muitos chegariam ao exterior. Alguns, como Cansei de Ser Sexy e Céu, dariam a volta ao mundo sem precisar da alavanca da mídia massiva ou das BMGs e EMIs da vida.

Os grandes festivais brasileiros com nomes internacionais deixaram de escalar bandas tupiniquins consagradas e filiadas a majors, como era o costume nos anos 80 e 90, e foram cavar no meio indie seus convidados (que não necessariamente eram mais "opening acts" coadjuvantes).

A busca por um contrato com uma grande gravadora, que até o começo da década ainda era um sonho de muitos, passou a ser a última opção dos artistas. Não só pela proliferação de selos independentes (até eu participei da criação de um) dispostos a bancarem novas apostas, mas também pela falta de faro e tato das majors e seus contratos-armadilhas, em que muita gente boa ainda continuaria a cair. Não é à toa que, na hora do balanço final, apenas duas bolachas editadas por grandes gravadoras entrariam neste lista (os itens 8 e 6).

Na intersecção de todos estes elementos criou-se uma cena realmente instigante e farta, com centenas de bandas trazendo boas e más ideias de todos os cantos do país - do tecnobrega do Pará ao rock gaúcho, passando por um hip-hop em rápida mutação -, e cruzando informações em festivais bacanas. Sem executivos no pé, a moçada bateu cabeça por conta própria, errou sem levar bronca e experimentou aos montes, como há tempos não fazia. Desta maneira, elevou o padrão de qualidade e o já notório ecletismo musical brasileiro. Algo que acabou por atrair inclusive a atenção de alguns poucos veteranos afinados com a inquietude, como Tom Zé (que leva aqui uma menção honrosa pelos quatro álbuns ainda cheios de surpresas e tesão que lançou nestes anos) e o sempre atento Caetano Veloso.

Por falar em figurões, esta foi também uma década em que recém-chegados quiseram mostrar reverência ao passado. Os recifenses do Del Rey (Mombojó nas horas vagas) prestam tributo a Roberto Carlos; o Instituto homenageia a fase "Racional" de Tim Maia; a Nação Zumbi se traveste de Sebozos Postizos para reler Jorge Ben, algo que o próprio fez, a contragosto, em seu "Acústico MTV"; projetos como "Disco de Ouro" e "Com:tradição", do Sesc Pompéia, em SP, uniram velhos mestres e novas promessas em inovadoras parcerias. Algumas viraram álbum, como o encontro entre Maria Alcina e Bojo ("Agora") e Elza Soares e Mugomango ("Vivo Feliz").

Com novatos ou velhos conhecidos, os critérios desta lista são os mesmos da internacional. Não vale mais de um disco de um mesmo artista e dá-se preferência a álbuns que criaram uma estética como critério de desempate. Leiam, opinem, mandem suas listas, porque o Mala aqui quer conhecê-las e publicá-las.

10-Seu Jorge - "Samba Esporte Fino" (2001)



Galã, boa-praça e ator com importante participação em "Cidade de Deus", Seu Jorge acabou sendo tão hypado nestes anos 00 que quase dá para esquecer a origem do burburinho. Há até quem não saiba que o ex-Farofa Carioca (uma banda que poderia ter rendido bem mais do que de fato rendeu) de versátil voz de trovão - ótima tanto para funks quanto para diferentes linhas de samba - estreou em carreira solo de cantor com o pé direito.

Uma pena que sua gravadora de então, a independente Regata (extinta pouco depois do lançamento), não deu conta da divulgação, e "City of God" e sua bizarra ponta em "The Life Aquatic of Steve Zissou" acabaram por ser o motivo oficial da badalação em torno do cantor. "Samba Esporte Fino" poderia ter sido um dos raros encontros musicais brasileiros de qualidade e popularidade, já que tinha uma série de canções não apenas boas, mas também grudentas, como o samba-rock "Carolina", o partido alto "Pequinês & Pitbull" e o samba-funk "Chega no Suíngue", todas reforçadas por bons arranjos e um molho setenteiro na produção.

Sem muita paciência para gravar discos, Seu Jorge não fez mais nada à altura desde então. Se continuar assim, logo será uma espécie de novo Carlinhos Brown. Ou seja, uma celebridade musical internacional identificada com o "retrato do Brasil contemporâneo" e outros clichês, mas que fora de seu quartel-general ninguém sabe explicar direito o porquê de tanto paparico.

*Uma música: "Te Queria"


9-Cidadão Instigado -"E o Método Tufo de Experiências" (2005)







Entre os compositores brasileiros modernos, o cearense Fernando Catatau é o responsável pelos sons que mais podem surpreender e mexer com seus brios. Seja êxtase ou irritação a reação que lhe provocam suas canções amalucadas, impossível é ficar indiferente. Uma bola que ele recebeu de Tom Zé, com quem aliás comparte uma curiosa familiaridade vocal. Comprando a briga e se submetendo a não ser compreendido muitas vezes, e chato em outras, o segundo disco da banda de Catatau, é daqueles que marcará uma época e instigará outros inovadores a dar a cara a tapa.

A "culpa" não é apenas das letras, ora lúcidas demais ("Silêncio na Multidão"), ora delirantes em dose cavalar (a fantástica "Os Urubus só Pensam em te Comer"). Catatau chuta o balde também pelos experimentos em estúdio e pelos arranjos que, num golpe de segundos, podem pular de um inferno de guitarras tensas a la King Crimson a insanos baiões, fazendo escala em teclados oitenteiros e doces melodias pop. E seu Cidadão provoca o blasesismo do eixo Sul-Sudoeste compondo confessionais baladas brega ("Te Encontra Logo" e "O Tempo"). Uma cutucada transferida a letra de música em "Apenas um Incômodo", sobre o preconceito contra nordestinos, que finaliza com o grito ameaçador "me aguente!!!".

O recado foi dado e hoje não falta quem o obedeça, inclusive alguns gringos garimpeiros das esquisitices brasileiras. "Não acho certo focar no mercado de world music, acho esse caminho meio perigoso", me disse Catatau, farto em razão, em entrevista para a revista da MTV de março de 2007.

*Uma música: "Os Urubus só Pensam em te Comer"

8- Los Hermanos - Ventura" (2003)


A trajetória mais cinematográfica da década foi a do Los Hermanos: explodiram com o megahit "Ana Julia" que, de Jim Capaldi a bandas de axé, todo mundo gravou; foram perseguidos por isto; se isolaram para gravar o segundo disco, "O Bloco do Eu Sozinho"; deram a volta por cima, encantando críticos com a nova bolacha; criaram um séquito de fanáticos muitas vezes assustador e irritante, mas comovente; fizeram mais dois álbuns, entre eles "Ventura", e centenas de shows lotados que pareciam missas, com fiéis urrando cada letra de cada verso; penduraram as chuteiras e partiram para projetos paralelos ou carreiras individuais. Tudo isso em menos de oito anos.

Por trás de toda esta novela, além da idolatria de um público que não se via desde a Legião Urbana, estavam boas canções, de dois bons autores (Camelo e Amarante) e muita coragem. Coragem de falar de amor sem vergonha, de evocar técnicas de Chico Buarque (a obsessão pela alegria efêmera do Carnaval e o olhar feminino para escrever certas músicas), de se assumir perdedor como o Weezer, e de botar hardcore, samba, indie rock, ska e valsa para conversar.

Mais uma vez, trata-se de uma história de riscos que valeu  a pena ter sido percorrida, com seus altos e baixos. E se "O Bloco do Eu Sozinho" (2001) é histórico por ter inaugurado o mito hermano, "Ventura" é o retrato de uma banda que já conhecia o caminho das pedras. As canções eram ainda mais apropriadas ao coro de milhares aos berros, mas vinham com um quê maduro e calejado especial. Entre elas, "O Vencedor", que de quebra gerou o clipe mais emocionante da década.

*Uma música: "A Outra"


7- Hurtmold - "Hurtmold" (2007)


O seu avô diria que nada podia ser mais paulistano musicalmente do que Adoniran Barbosa. Sua mãe preferia Premeditando o Breque e Itamar Assumpção. Mas como você, nascido no último quarto de século 20, traduziria a megalópole por meio de sons? Eu respondo: com um disco do Hurtmold. Pode parecer bastante abstrata a tese, posto que o sexteto faz música sem letras há alguns CDs. Mas insisto que ninguém atualmente traduz em música os contrastes, perigos e prazeres da cidade - e a tensão e excitação de vivê-la - como o Hurtmold. Não são necessárias palavras. Escrevo isso na qualidade de paulistano expatriado que escuta certos sons para se sentir mais em casa.

No começo falaram tanto (eu inclusive) "tem influência de Fugazi" ou "parece muito Tortoise" que a banda suou ainda mais a camisa para criar uma cara autêntica, o que fez de cada disco uma experiência intensa à sua própria maneira. Buscaram tudo que é tipo de referência, do free jazz cabeçudo - utilizado em pílulas de posologia precisa, como fez o Radiohead no final de "The National Anthem" - ao dub jamaicano, passando por suas origens hardcore e os afro-sambas de Baden Powell. Tocando o jazz como os não-jazzistas que são e batucando como os não-sambistas que são, triunfaram na concepção de algo muito particular e precioso. "Hurtmold" é o resumo de todos estes passos.

"No começo não tínhamos desenvoltura para trabalhar as nossas muitas influências", me contava o baterista Maurício Takara, uma das figuras chave da cena experimental de SP na década, numa entrevista para o site da MTV de outubro de 2004, época do lançamento do ótimo disco "Mestro" (fora desta lista por pouco). "No Hurtmold não temos idéias pré-estabelecidas. Nunca tive liberdade desse jeito em outros trampos". Dá para perceber. Você aí, paulistano ou não, ouça e comprove.

*Uma música: Hali Djascar

6-Marcelo D2 - "À Procura da Batida Perfeita" (2003)


Deu tanto Marcelo D2 nesta década que até cansamos do cara. Mas pelo menos um bom motivo houve para que chegássemos a este ponto. Seu segundo disco solo, farto em belos samples de groove setentista nacional e escasso em apologias à maconha – tem coisa mais chata do que isso? -, é bom pra caramba.

Eu percebi parte do potencial quando o escutei, antes do lançamento, na casa do produtor responsável, David Corcos, no comecinho de 2003. Mas só depois de ver o impacto que causou em todo o país acabei de entendê-lo. E o fato de ter obtido tanto êxito é dos mais louváveis. Uma nova modalidade de pop ganhava seu espaço, o do rap misturado com samba e feito com garra, bom gosto e para as massas. 

Que ainda traz sua quota de lenha na fogueira – ouve quem interpretasse "Qual É?" como um recado ao rap mais carrancudo de São Paulo.

*Uma Música: "A Maldição do Samba"



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Kiss, Kiss, Kiss




Nesta terça-feira faz 29 anos que John Lennon morreu baleado por Mark Chapman. Nunca deixo passar a data, porque para mim é fácil de lembrar: o fã com problemas mentais tirou a vida do mais marcante dos rapazes de Liverpool um dia antes de que eu completasse dois anos.
Ainda sinto, numa infantil beatlemania, algo estranho em relação à proximidade dos dois fatos. E também acho curioso que tenha, mesmo inconscientemente, coexistido com Lennon. Sua lenda é tão sem tamanho que ele parece ter vivido em uma outra e encantada era, e não nas mundanas quatro décadas que antecederam minha chegada ao mundo. Fãs de Nirvana nascidos no começo dos anos 1990 devem sentir algo parecido com relação a Kurt Cobain, e especulo que muito bebê deste 2009 estabelecerá no futuro algum tipo de conexão sem nexo entre sua data de nascimento e a morte de Michael Jackson.

Outra coisa que sempre me vem à cabeça em 8 de dezembro é a capa de "Double Fantasy", o disco que John lançou, em colaboração com Yoko, três semanas antes dos disparos. A bolacha marcava não só a retomada, em grande estilo, de sua carreira musical (deixada de lado por cinco anos em favor da paternidade), mas também uma reconciliação com a amada japonesa. E a capa era o reflexo da nova fase, com o retrato do casal se beijando. A atmosfera carinhosa contagiou as músicas, mais especificamente a engraçada "Kiss, Kiss, Kiss", de Yoko.

Foi o suficiente para inspirar, direta ou indiretamente, uma série de outras capas que flagram beijos. Mais um crédito do mundo pop que vai para Lennon, e que este blog trata de reconhecer com este top 10.


10-Bloc Party - "Intimacy" (2008)

Intimidade, ao menos no conceito do Bloc Party, é o beijo já escrito, mas ainda por acontecer. Plasticamente, o mais legal desta foto é o desenho sinuoso formado pelo espaço entre as bocas e os narizes.










9-Bob Dylan - "Together "Through Life" (2009)

Extraída de uma sessão de Bruce Davidson, fotógrafo de amplo acervo sobre a fauna urbana americana (de famosos e anônimos), capta dois supostos membros de uma gangue novaiorquina em um amasso motorizado. Especula-se em fóruns que poderia se tratar de um beijo entre dois homens, mas não dá para ter certeza.


8-Picastro - "Whore Luck" (2007)

O beijo-fusão que estrela este projeto gráfico é tão peculiar como o som desta banda de Toronto, um indie rock calmo e estranho à base de violoncelo, guitarras e a voz de Liz Hysen. A cantora divide seu tempo entre suas delicadas canções e aulas de comunicação que professa a crianças e adultos surdos (ela é uma rara exceção que escuta em uma família de deficientes auditivos).


7-Cidadão Instigado - "O Método Tufo de Experiências" (2005)

Até hoje não sei direito o que é o método tufo, mas este disco, um dos mais ousados da década, já começa a chamar a atenção pela romântica capa. Engraçado como o jovem de camisa preta do desenho segura a moça com a palma da mão bem aberta.



6-Elvis Presley - "Love, Elvis" (2005)

Sempre é possível farejar a caça a níqueis nas compilações. Mas a gente deixa passar quando a capa destas duvidosas seleções são tão divertidas. Reparem na linguada que o Rei do Rock dá na rapariga. Alfred Wertheimer, fotógrafo que acompanhou Elvis na aurora de sua carreira, não perdoou e flagrou.



5- The Cure - "Kiss me, Kiss me, Kiss me" (1987)

Já sei, não há nada acontecendo aqui, mas a equação close do lábio + nome do disco resulta em uma escancarada ode ao beijo. Será que a boca com batom é do Robert Smith?



4-Tricky - "Blowback" (2001)

Certos casais maconheiros se beijam assim, soltando fumaça um na cara do outro. No meu tempo, isso se chamava "peruana", e não precisava ser algo necessariamente erótico, como na bela cena entre Tricky e a ex-musa Martina Topley-Bird registrada por Anton Corbijn. Pelo contrário. Era muito mais normal que você fosse apresentado à prática por aquele seu camarada sem neurônios do que pela gatinha da classe na qual você estava de olho.




3-Jards Macalé - "Contrastes" (1977)

O único item da lista prévio a "Double Fantasy", é também uma das capas mais turbulentas da Música Brasileira. Na original, Macalé aparecia em um malho bucólico com sua então esposa, a hoje renomada escritora cearense Ana Miranda. Quando o compositor carioca foi relançar o trabalho em CD, já nesta década, o encarte foi vigorosamente vetado pela ex. "Já não tenho nenhuma afinidade com Macalé", disse Ana em uma entrevista à revista Veja. Ele se vingou, editando a versão digital com o retrato queimado. Aqui, as duas capas: Macalé se dando bem e Macalé beijando a boca fantasma.






2- John Lennon & Yoko Ono - "Double Fantasy" (1980)"

Pois eis a dita cuja. Yoko posa angelical, John sorri enquanto a beija. Um retrato tão definitivo que serviu de inspiração para a fotógrafa Annie Lebovitz naquela que seria considerada a melhor foto de capas de revistas em 40 anos: a que fez para a Rolling Stone americana, com nu enganchado em Yoko, em sessão realizada no dia do assassinato.



1- Suede - "Suede (1993)

As grandes obras estão aí para serem superadas. E, em termos de impacto estético, a capa do álbum de estréia do Suede deixa para trás até o motivo desta lista. Andrógina como o som da banda inglesa, teria causado ainda mais controvérsia do que já causou se seus críticos conhecessem a versão original, da fotógrafa, escritora e ativista gay americana Tee Corinne, morta em 2006. Sem o close, vê-se ambas as mulheres nuas, e a da direita está em uma cadeira de rodas.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sorria: isto é Mogwai




O Mogwai, que há dois posts encabeçou o top 10 de capas de discos ilustradas por aves com o álbum "The Hawk is Hawlling", é uma das bandas de que mais gosto, pelo menos entre as surgidas nas últimas duas décadas. Principalmente por suas performances ao vivo. Assisti a quatro shows do quinteto escocês, um em São Paulo em 2002 e três em Barcelona (2006, 2007 e 2008), e apenas o último foi OK. Os outros foram inesquecíveis, demolidores, transcendentais.

Para quem não conhece, o Mogwai é uma quadrilha de hooligans que faz um som emotivo e muito intenso. Eles mesmo não escondem que originalmente tentavam tocar metal, mas com a pouca técnica e velocidade que deus lhes deu, acabaram por canalizar suas ganas sônicas de outra maneira. Inauguraram, em 1997 com o álbum "Young Team", uma fórmula que seguramente já havia sido imaginada por outros músicos antes, mas que ninguém tivera a manha de por em prática: concentrar em peças instrumentais a melancolia do Cure + a explosão do Sonic Youth + o volume absurdo e as texturas sobrenaturais do My Bloody Valentine, obtendo assim a estética indie "sensível" em estado puro.

O que justifica plenamente, aliás, o nome da banda. Mogwais, vocês vão lembrar, eram os bichinhos fofo do filme "Gremlins" (1984). Lindos e meigos, mas que se transformam e se multiplicam em monstros grotescos, maldosos e ruidosos ao acréscimo de água. No filme, a o uso da palavra mogwai logo descobria-se fatal, já que em cantonês significa "espírito maligno". No caso do Mogwai banda, o H2O, ou este tal elemento diabólico da mística chinesa, seria o álcool. Uma combinação cujo efeito resultante é um monstro com corpo de ruído e cabeça de melodia, que destrói o que encontra pela frente com seus obscenos crescendos de distorções e ecos de guitarra.

Imaginem o mais gigantesco carro abre-alas do mundo pedindo passagem em uma avenida infinita. Em seguida substituam o impacto de surdos e tamborins pelas guitarras de afinação alternativa do infernal gordinho Stuart Braithwaite (sempre há um pedal mais poderoso para ele pisar nos compassos que estão por vir) e pelas melodias de teclado tristes, mas esperançosas, de Barry Burns. A cada dinâmica de barulhos, uma lufada de vento sonoro na cara, como as do menino Calvin quando desce tobogãs com Haroldo. É mais ou menos esta a experiência Mogwai ao vivo.

Os cinco rapazes de Glasgow são ainda mais especiais por sua personalidade. Como ia dizendo, não fazem o gênero típico de indies indefesos de cabelinho sobre o olho, mas sim o de hooligans beberrões com as manhas de subirem no palco todos trajando agasalhos do Celtic F.C.. O baterista Martin Bulloch, por exemplo, não abre mão do cachecol verde e branco do time sobre seu instrumento em nenhuma hipótese. 


E, no que é a cereja do bolo da banda, eles mantêm um senso de humor corrosivo e nonsense ao escolher nomes para suas músicas, aproveitando que quase nenhuma possui letra. Quanto mais bonita e melancólica é a canção, mais escrachado e pitoresco seu título. Eu já falei sobre isso nesta resenha de 2005 para a revista Trip, mas agora resolvi ir além e homenagear o grupo com uma lista de músicas qualificadas pela graça de seus nomes. Todas são de alto nível, mas outras preciosas, como "Tracy", ficam de fora por seus títulos convencionais. As menções honrosas repousam sobre "Hunted By a Freak" ("Caçado por um Freak") e "I Chose Horses" ("Eu Optei por Cavalos"), batizadas genialmente, mas que se excluem por não serem instrumentais. Enfim, em outras palavras, uma bela desculpa para que vocês passem alguns doces e duros momentos na companhia desta Senhora Besta que é o Mogwai.


10-"Mogwai Fear Satan" 

Para esquentar e espantar o demônio do título, música do trailer de filme sobre a banda, a ser lançado em breve. Do álbum "Young Team" (1997).




9-"Friend of the Night" 

Uma das minhas favoritas, se não a favorita. O "amigo da noite" como pano de fundo para um clipe esquisitão e inventivo, com coisas se transformando em outras inesperadamente. Está no disco "Mr. Beast" (2006).



8-"2 Rights Make 1 Wrong"

Da fase de arranjos mais complexos, com (ainda) mais camadas de cordas e efeitos. O violoncelo cai como uma luva. Presente em "Rock Action" (2001).



7-"Kids Will Be Skeletons"

Se o nome ("Crianças Virarão Esqueletos") nos relembra de forma ácida sobre a efemeridade desta vida, os choros melódicos das guitarras são o consolo de que a eternidade também pode bater à porta. Integra "Happy Songs for Happy People" (2003).



6-"Terrific Speech"

A mais vanguardista colaboração entre futebol e música é a trilha do Mogwai para "Zidane, A 21st Century Portrait", documentário de 2006 com imagens do craque francês durante uma partida do Real Madrid. O "Discurso Estupendo", imagino, são as conversas de Zizu com Roberto Carlos.












5-"Scotland's Shame"

Para os leigos em futebol, é bom saber que Celtic x Glasgow Rangers é uma das mais ferrenhas rivalidades do mundo, por ser religiosa. O time do Mogwai é de católicos, o rival é de protestantes. Em entrevista do ano passado, o Mogwai revelou o que para eles seria a vergonha da Escócia mencionada no título. O Glasgow Rangers, é claro. Música do álbum "The Hawk is Hawlling" (2008).



4-"Ratts of the Capital"

Vejam bem. Não são ratos de qualquer lugar. São ratos da capital. Uma das melhores faixas ao vivo, tem uma dinâmica avassaladora que chega a um nível inimaginável quando Burns assume a terceira guitarra. De "Happy Songs...".



3-"I'm Jim Morrison, I'm Dead"

É capaz que o próprio líder do Doors saia da tumba quando  acordes como estes sejam repetidos com tal intensidade. Outra de "The Hawk...".



2-"Stop Coming to My House"

Seria timidez o que levou o autor deste título a preferir estas paredes de som a um simples telefonema para pedir que fulana(o) não vá mais a sua casa? De "Happy Songs...".



1-"I Love You, I'm Going to Blow Up Your School"

A declaração de amor pós-Columbine perfeita. Ainda vão processar o Mogwai  quando algum adolescente americano maluco que tenha esta música no iPod cometer mais um massacre escolar.



terça-feira, 24 de novembro de 2009

Yes, we can change



Cai nesta quinta-feira (26) a edição 2009 do Thanksginving Day, conhecido também como Dia de Ações de Graças, feriado no qual americanos e canadenses agradecem a Deus pelo ano comendo peru. Será o primeiro da Era Obama, e também uma boa desculpa para recapitularmos aqui o curioso hábito de artistas conterrâneos ao superastro da política de colocar a bandeira dos EUA em capas de discos.

Nenhum outro país tem um catálogo tão farto de bolachas estampadas pelo ícone que o define. Um misto de patriotismo com obsessão que valeria a pena investigar com embasamento científico. Seria até meio sem graça esta compilação, caso o foco fossem as capas com o uso convencional da bandeira. Mas tudo fica bem mais divertido se olharmos para os capistas que empregaram em seus trabalhos aquela velha conhecida, a licença poética.

Ou seja, neste Top 10 vocês identificarão as manjadas listras vermelhas e brancas e as estrelas brancas sobre fundo azul (em princípio), mas perceberão que estes elementos foram rearranjados ou reinterpretados de diferentes e intrigantes maneiras para a obtenção do impacto desejado. Não vale, por exemplo, a portada de "Born in the USA" (1984), em que o Bruce Springsteen posa olhando para a bandeira (embora só se vejam as listas, a bandeira está inteira).

Yes, we can change.... the american flag, of course.


10-MC5 - "Kick Out the Jams" (1969)

Há quatro aparições da bandeira americana aqui. Na mais notável dela, localizada entre o centro e o canto esquerdo, ela está ao contrário no sentido horizontal (com o quadrado azul e as estrelas brancas do lado direito). Pode ter sido uma simples ampliação invertida aleatória. Mas, em se tratando da banda proto-punk mais politicamente engajada, esquerdista a ponto de ter participado da fundação dos White Panthers, não faltam indícios para enxergarmos algo mais nesta capa.


                                         


9-Ryan Adams - "Gold" (2001)

Lançado duas semanas após o 9/11, "Gold" deixa claro logo de cara o que o seu autor opinava sobre a administração Bush, então em seu primeiro ano. A bandeira de ponta cabeça não era novidade em protestos de roqueiros - o Rage Against the Machine passou toda sua carreira tocando com a dita cuja ao contrário sobre seus amplificadores- mas o uso numa capa tem um impacto gráfico todo especial.


                                         


8-Outkast - "Stankonia" (2000)

A dupla mais ousada do hip-hop posando em frente a uma versão PB da bandeira. Não precisa dizer mais nada, a não ser talvez que pode ter sido uma homenagem conceitual aos dez anos de "Fear of a Black Planet", o fundamental álbum do Public Enemy.


                         


7-Soup Dragons - "Hotwired" (1992)

Nem sequer americana era a banda, revelada pela cultuada coletânea em K7 "C86", editada pela revista NME em 1986. Mas, quando já haviam experimentado sucesso mundial (com a cover de "I'm Free", dos Stones), os escoceses do Soup Dragons recorreram às cores dos EUA para ilustrar a simpática concepção neohippie desta capa.


                                         


6-Tortoise - "Standards" (2001)

Semana passada levei meus pais a um show do Tortoise. Apostei que seria uma interessante oportunidade de mostrar o que nossa geração considera vanguardista à minha mãe, fã de música erudita e do ainda moderníssimo alemão Kurt Weill, e ao meu pai, entusiasta de jazz e dos Beatles. Acertei. Saímos igual de satisfeitos, e eu inclusive concordei com a opinião dele de que há "uns 15% de chatice" no maravilhoso som do quinteto de Chicago. E notei bem que, para quem vê e escuta pela primeira vez, o efeito demolidor do Tortoise sobre as barreiras entre gêneros musicais é algo que poderia ser graficamente representado com uma desconstrução, tal qual esta da bandeira. Ah, e por falar em pais, avise os seus de que não se trata de uma coleção de standards da música americana.


                                        


5-Sly & the Family Stone - "There's a Riot Goin' On" (1971)

Até ler um pouco mais a respeito da história deste disco, tinha a convicção de que as figuras brancas que substituem as estrelas eram bombas explodindo. Pelo nome do álbum, por ter sido lançado durante a guerra do Vietnã, pela banda ter então ligações com os Black Panthers, pela cor negra ao invés de azul. Mas soube que o próprio Sly concebeu a ideia da capa pensando em sóis, e não bombas, "porque estrela é algo que temos que procurar, e o sol está sempre lá". Também veio com uma desculpa bem riponga para o fundo negro. Mesmo assim, é uma bela capa, apesar de não ser a única (logo o álbum ganharia outra, com foto da banda tocando ao vivo).


                    


4-N.E.R.D. - "Fly or Die" (2005)

Entre os produtores de sucesso no mainstream do hip-hop desta década, os Neptunes só ficam atrás de Timbaland. A dupla, formada pelo também rapper Pharrell Williams e por Chad Hugo, cuidou de singles, remixes e álbuns de infinitos figurões, de Britney Spears a Daft Punk, passando por Jay-Z e Beyoncé. Nas horas vagas, ainda se juntava ao amigo Shay no projeto paralelo mais roqueiro N.E.R.D., que já contabiliza três discos. O segundo traz esta peculiar capa, com o trio emergindo de um curioso ovo-pátria.


                                          


3-Happy Mondays Pills - "Pills'n'Thrills and Bellyaches" (1990)

As duas versões da capa deste entorpecido clássico têm soluções originais para enfeitar o nome da banda de Manchester e transmitir sua imagem neopsicodélica da vida. Mas esta, a original que foi vetada por lojistas americanos, é a melhor, toda feita com embalagens de balas e doces. Não é necessário quebrar a cabeça para suspeitar que o embrulho com a bandeira americana que aparece no centro tenha sido o motivo da implicância dos vendedores rednecks.


                                         


2-Don McLean - "American Pie" (1971)

O autor de "American Pie", canção em homenagem a Buddy Holly que gente como Madonna e Garth Brooks regravou, nunca obteria um outro hit à altura. Difícil de superar também é a capa, premiada aqui com o troféu joinha de simplicidade eficaz.






1-Black Crowes - "Amorica" (1994)

Claro que esta capa foi censurada (em seu lugar, circulou depois uma versão sem os pelos púbicos e com a pele da modelo trocada por um fundo preto). E claro também que o veto só ajudou a promover o álbum - mesmo sem um grande hit, vendeu suas 500 mil cópias. A foto foi tirada de um especial da revista Hustler lançado em 1976, em homenagem aos 200 anos da independência dos EUA (!).