“De certa forma, eu deveria pagar um pouquinho de direitos autorais para São Paulo por cada que música que eu faço, que são todas inspiradas nas calçadas, nas ruas da cidade, nas pessoas, nas caras das pessoas, nos problemas existentes, nas contradições, nas indignações”. Edgard Scandurra me disse isso em uma entrevista de 2003, para o livro “São Paulo de Todos os Sonhos”, lançado em comemoração aos 450 anos da cidade. (Na ocasião presenciei, entre outras cenas, José Mojica Marins bebendo um drinque verde-criptonita a caminho do Museu do Ipiranga, mas isso fica para outro post)
O que importa aqui é que não só Edgard, mas todos os outros desta nova lista devem muito à megalópole dos assuntos e anedotas inesgotáveis. Sendo este o assunto 25 da história do blog e hoje o dia 25 de janeiro, 456º aniversário DELA, não custava organizar um top 10 com trechos de músicas que ajudem a explicar este lugar. Ou a ilustrar sua fauna, ou a expressar o que passa na cabeça de seus integrantes, ou a ambientar em seu seio os loucos visitantes.
Aproveito para exorcizar uma parcela das minhas saudades. Na próxima semana completo dois anos sem pisar em minha terra, onde vivi por mais de 27 anos sem interrupção, até vir para Barcelona em 2006. Justo eu, que nunca fui um desses tantos pentelhos do discurso “meeeu, São Paulo não dá mais! Não dá mais, meeeu!”, mas que nunca se mexem para melhorar a cidade e nem a deixam de uma vez por todas. Me custou muito sair de lá para morar em outro lugar. E ainda é difícil estar longe, mesmo com as enchentes armagedônicas, o stress e os carros assassinos.
Não estaria São Paulo entre as cidades mais pós-punk do planeta?
Você vai me ouvir daqui a mil anos,
Você vai me sentir numa sala vazia.
O amanhecer da cidade zumbindo nos ouvidos,
Meus olhos se cansam vendo a multidão.
9-Joelho de Porco para o café da manhã – “Bom Dia São Paulo” (1983)
Devo admitir que acho esta música chata, sua produção brega e seu arranjo pretensiosamente jazzístico. Mas a letra tem uma boa dose de verdades, entre elas:
Bom dia São Paulo, um dia eu vou saber
Quem foi que te obrigou a crescer?
8-Guillemots, a paulicéia gringa - "Sao Paulo" (2006)
Magrão, guitarrista brasileiro desta banda multinacional radicada na Inglaterra, contribuiu para a introdução da cidade na antologia indie contemporânea.
While on the streets of old Sao Paulo I watch my baby being burned
7-Ira! dando pano pra manga – “Pobre Paulista” (1983)
Dentro de mim sai um monstro,
Faz frio em Sao Paulo, pra mim tá sempre bom
Desta cidade que me deu nome
*Há um clipe desta canção com Paulo Miklos num trio elétrico, mas não está disponível na rede. Baixe a música aqui
Parece a piada pronta do século. Mas talvez sem a genialidade de Tom Zé – cujo talento como letrista é subestimado – ela nunca teria vido à tona:
Augusta, graças a deus,
Entre você e a Angélica
Eu encontrei a Consolação
2-Ultraje provoca e farofeia – “Nós Vamos Invadir sua Praia” (1985)
Daqui do Morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais.
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar ao seu lado.
1-Pondo Caetano na linha – “Sampa” (1978)
Pode ser cliché fechar a lista com “Sampa”. Mas é que o poema de Caê é uma verdadeira coleção de descrições ao mesmo tempo bonitas e fiéis ao que a cidade é, para o bem ou para ou mal. Entre todas, para mim a mais precisa é esta abaixo. Por que tenho certeza que, após mais de dois anos fora de São Paulo, quando voltar para lá me readaptarei em um dia:
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa chamar-te de realidade
7-Ira! dando pano pra manga – “Pobre Paulista” (1983)
Na mesma conversa lá de cima, em que rasgou seda a São Paulo, Scandurra Edgard esclareceu pela trezentésima vez a polêmica envolvendo a letra de “Pobre Paulista”. Sim, me dizia o guitarrista, a banda fizera uso da licença poética. Ou seja, cantava sob um viés de troglodita paulistano anti-migrantes para criticar este mesmo ponto de vista, como faziam na mesma época bandas gringas como Dead Kennedys em músicas como “I Kill Children” e “Kill the Poor”. Tem gente que ainda não acredita (eu acredito) no argumento. E pior, há quem entenda e louve “Pobre Paulista” como um hino separatista (atenção para os comentários no You Tube). Para todos os efeitos, fascistas e progressivas vão concordar que trata-se de um baita som, aqui em impagável registro primordial tendo ainda Charles Gavin na bateria e Dino no baixo.
Dentro de mim sai um monstro,
Não é o bem nem o mal,
É apenas a indiferença,
É apenas ódio mortal.
Não quero ver mais essa gente feia,
Nem quero ver mais uns ignorantes,
Eu quero ver gente da minha terra,
Eu quero ver gente do meu sangue.
6- Personal stylist MC’s – “Racionais Capítulo 4, Versículo 3” (1997)
Como se sabe, os discos dos Racionais MC’s são duras enciclopédias sobre a São Paulo mais violenta e pobre. Mas também têm momentos descontraídos igualmente brilhantes. De comentários corriqueiros de descrição exata (“o outro é japonês, o Kazu, que fica ali vendendo dog e talão Zona Azul”, de “Eu Sou 157”) ao guia Ice Blue de como arrasar na passarela sem fim da megalópole:
Faz frio em Sao Paulo, pra mim tá sempre bom
Eu tô na rua de bombeta e moletom
Din-din-don, o rap é o som
Que emana do Opala marrom.
5- Castigo a Paulo Miklos – “A Mesma Praça” (1994)
“Mouro, feroz e bárbaro”, o Titã desgarrado exala orgulho e crise de identidade diante das misturebas étnica, religiosa e cultural suas e de “São Paulo insano e mal”. “A Mesma Praça” é uma grande canção-poema funk perdida (de seu primeiro disco solo), cujo desfecho é a cereja do bolo:
Desta cidade que me deu nome
E não me dá ouvidos
*Há um clipe desta canção com Paulo Miklos num trio elétrico, mas não está disponível na rede. Baixe a música aqui
4- 365 carente - “São Paulo” (1986)
Tenho um flash de memória da infância: cruzei com uns adolescentes na rua cantando este one hit wonder, que então pensava ser do Ira!. A turma ressaltava o coro “ô-ô-ôôô”, e eu me identificava em 120 % com a letra (não passava por minha cabeça morar em outro lugar). Era uma tarde chuvosa, que continua me vindo à mente a cada vez que escuto o refrão:
Sem São PauloÔ-ô-ôôôO Meu dono é solidão
Diga sim, eu digo não
3-Tom Zé e a poligamia – “Augusta, Angélica, Consolação” (1973)
Tenho um flash de memória da infância: cruzei com uns adolescentes na rua cantando este one hit wonder, que então pensava ser do Ira!. A turma ressaltava o coro “ô-ô-ôôô”, e eu me identificava em 120 % com a letra (não passava por minha cabeça morar em outro lugar). Era uma tarde chuvosa, que continua me vindo à mente a cada vez que escuto o refrão:
Sem São PauloÔ-ô-ôôôO Meu dono é solidão
Diga sim, eu digo não
3-Tom Zé e a poligamia – “Augusta, Angélica, Consolação” (1973)
Parece a piada pronta do século. Mas talvez sem a genialidade de Tom Zé – cujo talento como letrista é subestimado – ela nunca teria vido à tona:
Augusta, graças a deus,
Entre você e a Angélica
Eu encontrei a Consolação
2-Ultraje provoca e farofeia – “Nós Vamos Invadir sua Praia” (1985)
Todos os versos da música são obras-primas da tiração de sarro, mas o humor paulistano aguçando a rivalidade com o Rio de Janeiro (quem vê a Globo acha que só carioca faz piada de paulista, e que o vice-versa não existe) pode ser resumido já na primeira parte:
Daqui do Morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais.
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar ao seu lado.
1-Pondo Caetano na linha – “Sampa” (1978)
Pode ser cliché fechar a lista com “Sampa”. Mas é que o poema de Caê é uma verdadeira coleção de descrições ao mesmo tempo bonitas e fiéis ao que a cidade é, para o bem ou para ou mal. Entre todas, para mim a mais precisa é esta abaixo. Por que tenho certeza que, após mais de dois anos fora de São Paulo, quando voltar para lá me readaptarei em um dia:
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa chamar-te de realidade