segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

São Paulo



“De certa forma, eu deveria pagar um pouquinho de direitos autorais para São Paulo por cada que música que eu faço, que são todas inspiradas nas calçadas, nas ruas da cidade, nas pessoas, nas caras das pessoas, nos problemas existentes, nas contradições, nas indignações”. Edgard Scandurra me disse isso em uma entrevista de 2003, para o livro “São Paulo de Todos os Sonhos”, lançado em comemoração aos 450 anos da cidade. (Na ocasião presenciei, entre outras cenas, José Mojica Marins bebendo um drinque verde-criptonita a caminho do Museu do Ipiranga, mas isso fica para outro post)

O que importa aqui é que não só Edgard, mas todos os outros desta nova lista devem muito à megalópole dos assuntos e anedotas inesgotáveis. Sendo este o assunto 25 da história do blog e hoje o dia 25 de janeiro, 456º aniversário DELA, não custava organizar um top 10 com trechos de músicas que ajudem a explicar este lugar. Ou a ilustrar sua fauna, ou a expressar o que passa na cabeça de seus integrantes, ou a ambientar em seu seio os loucos visitantes.


Aproveito para exorcizar uma parcela das minhas saudades. Na próxima semana completo dois anos sem pisar em minha terra, onde vivi por mais de 27 anos sem interrupção, até vir para Barcelona em 2006. Justo eu, que nunca fui um desses tantos pentelhos do discurso “meeeu, São Paulo não dá mais! Não dá mais, meeeu!”, mas que nunca se mexem para melhorar a cidade e nem a deixam de uma vez por todas. Me custou muito sair de lá para morar em outro lugar. E ainda é difícil estar longe, mesmo com as enchentes armagedônicas, o stress e os carros assassinos.

10-Mercenárias... e apocalípticas - “Lembranças” (1988)

Não estaria São Paulo entre as cidades mais pós-punk do planeta?

Você vai me ouvir daqui a mil anos,
Você vai me sentir numa sala vazia.
O amanhecer da cidade zumbindo nos ouvidos,
Meus olhos se cansam vendo a multidão.

 





9-Joelho de Porco para o café da manhã – “Bom Dia São Paulo” (1983)


Devo admitir que acho esta música chata, sua produção brega e seu arranjo pretensiosamente jazzístico. Mas a letra tem uma boa dose de verdades, entre elas:


Bom dia São Paulo, um dia eu vou saber

Quem foi que te obrigou a crescer?

 


8-Guillemots, a paulicéia gringa - "Sao Paulo" (2006)

Magrão, guitarrista brasileiro desta banda multinacional radicada na Inglaterra, contribuiu para a introdução da cidade na antologia indie contemporânea.

While on the streets of old Sao Paulo I watch my baby being burned



7-Ira! dando pano pra manga – “Pobre Paulista” (1983)

Na mesma conversa lá de cima, em que rasgou seda a São Paulo, Scandurra Edgard esclareceu pela trezentésima vez a polêmica envolvendo a letra de “Pobre Paulista”. Sim, me dizia o guitarrista, a banda fizera uso da licença poética. Ou seja, cantava sob um viés de troglodita paulistano anti-migrantes para criticar este mesmo ponto de vista, como faziam na mesma época bandas gringas como Dead Kennedys em músicas como “I Kill Children” e “Kill the Poor”. Tem gente que ainda não acredita (eu acredito) no argumento. E pior, há quem entenda e louve “Pobre Paulista” como um hino separatista (atenção para os comentários no You Tube). Para todos os efeitos, fascistas e progressivas vão concordar que trata-se de um baita som, aqui em impagável registro primordial tendo ainda Charles Gavin na bateria e Dino no baixo.

Dentro de mim sai um monstro,
Não é o bem nem o mal,
É apenas a indiferença,
É apenas ódio mortal.
Não quero ver mais essa gente feia,
Nem quero ver mais uns ignorantes,
Eu quero ver gente da minha terra,
Eu quero ver gente do meu sangue.



6- Personal stylist MC’s – “Racionais Capítulo 4, Versículo 3” (1997)

Como se sabe, os discos dos Racionais MC’s são duras enciclopédias sobre a São Paulo mais violenta e pobre. Mas também têm momentos descontraídos igualmente brilhantes. De comentários corriqueiros de descrição exata (“o outro é japonês, o Kazu, que fica ali vendendo dog e talão Zona Azul”, de “Eu Sou 157”) ao guia Ice Blue de como arrasar na passarela sem fim da megalópole:

Faz frio em Sao Paulo, pra mim tá sempre bom
Eu tô na rua de bombeta e moletom
Din-din-don, o rap é o som
Que emana do Opala marrom.




5- Castigo a Paulo Miklos – “A Mesma Praça” (1994)

“Mouro, feroz e bárbaro”, o Titã desgarrado exala orgulho e crise de identidade diante das misturebas étnica, religiosa e cultural suas e de “São Paulo insano e mal”. “A Mesma Praça” é uma grande canção-poema funk perdida (de seu primeiro disco solo), cujo desfecho é a cereja do bolo:

Desta cidade que me deu nome
E não me dá ouvidos

*Há um clipe desta canção com Paulo Miklos num trio elétrico, mas não está disponível na rede. Baixe a música aqui

4- 365 carente - “São Paulo” (1986)

Tenho um flash de memória da infância: cruzei com uns adolescentes na rua cantando este one hit wonder, que então pensava ser do Ira!. A turma ressaltava o coro “ô-ô-ôôô”, e eu me identificava em 120 % com a letra (não passava por minha cabeça morar em outro lugar). Era uma tarde chuvosa, que continua me vindo à mente a cada vez que escuto o refrão:

Sem São PauloÔ-ô-ôôôO Meu dono é solidão
Diga sim, eu digo não




3-Tom Zé e a poligamia – “Augusta, Angélica, Consolação” (1973)

Parece a piada pronta do século. Mas talvez sem a genialidade de Tom Zé – cujo talento como letrista é subestimado – ela nunca teria vido à tona:

Augusta, graças a deus,
Entre você e a Angélica
Eu encontrei a Consolação







2-Ultraje provoca e farofeia – “Nós Vamos Invadir sua Praia” (1985)

Todos os versos da música são obras-primas da tiração de sarro, mas o humor paulistano aguçando a rivalidade com o Rio de Janeiro (quem vê a Globo acha que só carioca faz piada de paulista, e que o vice-versa não existe) pode ser resumido já na primeira parte:

Daqui do Morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais.
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar ao seu lado.

 




1-Pondo Caetano na linha – “Sampa” (1978)


Pode ser cliché fechar a lista com “Sampa”. Mas é que o poema de Caê é uma verdadeira coleção de descrições ao mesmo tempo bonitas e fiéis ao que a cidade é, para o bem ou para ou mal. Entre todas, para mim a mais precisa é esta abaixo. Por que tenho certeza que, após mais de dois anos fora de São Paulo, quando voltar para lá me readaptarei em um dia:

E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa chamar-te de realidade











segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Proto-funk-metaleiros





Lembro do Bruce Dickinson indignado numa entrevista publicada pela extinta Bizz há uns dezessete anos: “Funk-metal? O Aerosmith já fazia isso nos anos 70!”. O vocalista do Iron Maiden tinha certa razão. Ainda que ele tivesse exagerado - o Aerosmith fazia hard rock, e não metal -, o rock e o funk já se conheciam há mais de uma década quando Red Hot Chili Peppers e contemporâneos estouraram. O que fez o Mala da Lista pensar voltar um pouco no tempo. Após o top 10 com os melhores da chamada safra funk-metal dos anos 80 e 90, portanto, eis aqui as dez maiores influências desta geração, ordenados por seu impacto. Seriam, no jargão dos que perseguem rótulos, os “proto-funk-metaleiros” (?).

10-Led Zeppelin

Banda mais pesada até a chegada do Black Sabbath, s nem por isso o quarteto inglês deixava de funkear. No futuro, canções como “The Greeting Song”, do Red Hot Chili Peppers, soariam bem familiares a esta.




9-Betty Davis

Uma pena a ausência de videos da dama fatal do funk-rock na internet. Seus grooves à base de clavinet, baixo slap e guitarra faziam o chão tremer, suas letras eram explicitamente sacanas e sua voz áspera e agressiva. Ainda por cima conta-se que ela fazia gato e sapato de gente como Jimi Hendrix e Miles Davis. Ambos, diga-se de passagem, estão entre os homenageados da letra desta música.




8-Gang of Four

Provaram que o punk também poderia ser funky. Flea e Anthony Kiedis nunca mais seria os mesmos após ouvir “Entertainment”, o notório álbum de estreia desta banda inglesa, editado em 1979. Tanto que chamaram seu guitarrista, Andy Gill, para produzir seu primeiro disco, homônimo, cinco anos depois. A parceria se faria notar nos ritmos angulares de canções como esta. Mas não agradou em termos de sonoridade de estúdio - pouco crua, como gostavam os pimentas -, segundo conta Kiedis em sua autobiografia “Scar Tissue” (presente que ganhei desta blogueira e deste blogueiro).





7- Aerosmith

Poucas vezes uma talk box foi tão bem empregada. “Walk This Way” era tão legal que ninguém reclamou quando o próprio Aerosmith a utilizou para se auto exumar e ressurgir em 1986 com participação do Run-D.M.C..





6-Artistas da gravadora Stax

Enquanto na Motown os produtores buscavam o máximo de sofisticação e seus artistas se portavam como verdadeiros príncipes, na rival Stax a ordem era soar o mais fiel às raízes da música negra urbana americana. Os discos de Otis Redding, Sam and Dave, Staple Singers e outros tinham menos firulas e eram tocados com a mesma pegada firme exibida ao vivo. A presença de músicos brancos nas bandas de estúdio da Stax – sobretudo na mais famosa delas, Booker T and the MG’s – reforçava a inclinação roqueira de muitos dos arranjos.





5-Sly and the Family Stone

Cada música desta banda era uma revolução. Pelo jeito de cantar de Stone, pelos teclados psicodélicos que usava, os arranjos de metais, os coros, as linhas de baixo. De quebra, o cara ainda era chegado em riffs de guitarra sujos e pesados, e sua atitude intimidaria muito roqueiro.





4- Ike & Tina Turner

Como fizeram alguns astros da Stax, Ike Turner - um dos pioneiros do rock - e sua mulher Tina transformavam em suas pérolas to repertório roqueiro, além de emprestar às versões uma energia poucas vezes vista. Atenção para o cabelo Playmobil espetacular de Ike (OK, OK, e para a abundância de pernas femininas bem torneadas aqui presentes).




3-Hip-hop old school

Beastie Boys, Urban Dance Squad, Rage Against the Machine e Red Hot Chili Peppers estão entre os que mais se inspiraram no jeito quadrado de rimar da primeira geração do hip-hop, do final dos anos 70. Uma fonte da qual brotavam petardos como este de Kurtis Blow. Tão das antigas que a base ainda era orgânica, tocada por músicos funk, e não criada a partir de samplers e bateria eletrônica.




2-Jimi Hendrix

Antes da carreira solo, Jimi já tinha acompanhado tanto fundadores do rock (Little Richard) quando representantes obscuros do soul (Curtis Knight). O estilo que criou naquele período reunia o melhor das duas vertentes, e triplicava seu impacto com suas pesquisas com ruídos e efeitos psicodélicos inéditos até então. O vozeirão desgovernado completava o pacote que reverberaria em quem se atreveu a suingar o rock, ou sujar o funk, a partir de então.




1-Funkadelic e Parliament

George Clinton (foto) manteve simultaneamente na década de 70, sabe-se lá como, o Funkadelic e Parliament. As fórmulas das duas bandas seriam as mais imitadas pela geração funk-metal dos anos 80-90: baixo na cara, guitarras Hendrix combinadas a guitarras James Brown, letras libidinosas, LSD, viagens espaciais, arranjos vocais experimentais, metaleira incendiária, figurinos espalhafatosos e atitude baderneira. Das duas, que depois se juntariam no P-Funk, o Funkadelic pendia mais para o rock, e o Parliament mais para o funk. Outros personagens lendários, como o baixista Bootsy Collins, o guitarrista Eddie Hazel e os J.B. Horns, fizeram parte. Quando migrou para os sintetizadores, Clinton (aqui com fabuloso cabelo pré-B.A.) teve a mesma influência sobre os gangsta rappers da década de 90. Chili Peppers (cujo disco “Freaky Styley”, de 1985, produziu), Fishbone e outros prestaram-lhe diversas homenagens.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Play that funk-metal music, white boy





Esta teoria segundo a qual sempre reverenciamos a cultura pop de duas décadas atrás é simplória e não tem embasamento científico. Mas costuma funcionar, e digo por experiência própria: dancei twist nos anos 80, curti um funk nos 90 e voltei a escutar Devo nos 00. Por isso já passa da hora de fazermos nossas apostas de quais aspectos da década retrasada voltarão a assombrar as produções pop destes próximos 3600 e tantos dias. E, no meio de favoritos como trip-hop, grunge e britpop – que sim, devem voltar com tudo reembalados – eu arrisco palpitar que haverá espaço para uma nova versão do chamado funk-metal. Sim senhor, o subgênero roqueiro que fez muito sucesso mais ou menos entre 1988 e 1994 e que apresentou a moleques de 13 ou 14 anos - como eu - o poder que os graves de um baixo exercem sobre um corpo adolescente.


Quando digo “chamado funk-metal” remeto à imprecisão do termo, já que as bandas classificadas como tal podiam ser abismalmente diferentes entre si (o que Ice-T tem a ver com Mike Patton, por exemplo?). Mas a alcunha “funk-metal” acabou por unificar um tipo de abordagem musical que, à parte das múltiplas referências que cada grupo pudesse adotar, estava sempre presente: o encontro entre o peso roqueiro com o molejo do funk. Algo cujas raízes podiam ser encontradas já nos anos 60 em discos da Stax ou de Jimi Hendrix, ou na parafernália armada por George Clinton na década seguinte, mas nos anos 80 a mesma mistura se renovou sob a forte influência de metal, punk e rap ( foram fundamentais as parcerias Aerosmith + Run DMC e Anthrax + Public Enemy). Curiosamente, a maioria esmagadora dos grupos vinha da Califórnia – sete desta lista são de lá -, eram bons de palco, seus frontmen agiam como insanos, seus baixistas se amarravam num slap, todos usavam bermudas e seu público pogava suado e sem camiseta. Alguns faziam o tipo machão ou apostavam no nonsense lírico, enquanto outros, no desenrolar de suas carreiras, viriam a desenvolver tendências glam ou se enveredar por causas politicamente corretas.


O auge funkeiro-metaleiro (ou como você queira chamar) viu a proliferação de pencas de bandas que ficaram pelo caminho (24-7 Spiz, Heads Up, Scatterbrain), repercutiu no Brasil (Yo-Ho Delic, Planet Hemp, Boi Mamão, De Falla, Charlie Brown Jr….), mas a onda durou pouco. Teria tudo ido por água abaixo quando o Body Count aceitou substituir “fucking nigger” por “black boy” em “There Goes the Neighbourhood”, sob censura da MTV Americana? Ou quando o Red Hot gravou sua primeira balada? Quem sabe a transformação do Rage Against the Machine no manso Audioslave… ou o surgimento do filho bastardo destas bandas, o horripilante nu-metal? É difícil saber. De todas as maneiras, quem ficou para contar história está no top 10 abaixo, o de melhores nomes do tal funk-metal segundo o Mala da Lista. Lembro que lá atrás, com meus acnes e cabelo comprido, almejava ver todos eles ao vivo. Até hoje deu para realizar 60% do sonho, vamos ver se este revival se concretiza mesmo e a quota aumenta.


10-Primus


O baixista virtuoso Les Claypool e os golpes secos da caixa de Tim “Herb” Alexander não poderiam ser mais típicos do período. Mas pára por aí. O Primus se distinguia mesmo por enfiar em sua fórmula um humor sem pé nem cabeça, ritmos tortos, guitarras neuróticas a la Robert Fripp e divertidos arranjos com banjos. Para alguns, era muita técnica e palhaçada, mas pouco conteúdo. Pode ser. Mas de “Tommy The Cat”, com canja de Tom Waits, é difícil não gostar.






9-Body Count


Ninguém fala “mother fucker” como Ice-T. E poucas coisas eram mais engraçadas e empolgantes para quem tinha 14 anos no começo da década de 90 do que ouvir palavrões sendo falados com tanta vontade sobre riffs tão “pedrada”. Como os clipes do Body Count veiculados pela MTV eram exibidos sem os xingamentos, posto aqui, em sinal de protesto, esta versão caseira produzida por uns moleques aí. Bem divertida, aliás.






8-Infectious Grooves


A banda mais à esquerda (e projeto paralelo) do Suicidal Tendencies. Em algum manual de funk-metal que ainda está por ser escrito, usarão o arranjo desta música como guia para o estilo: uma guitarra é suja e alta, a outra funky e melódica, a bateria é enérgica e o baixo demolidor. Fãs de Metallica reconhecerão o baixista Robert Trujillo.





7-Urban Dance Squad


De Amsterdã, era uma das representantes mais hip-hopeiras da safra. Ao mesmo tempo, foi uma das que melhor experimentou com produção em estúdio. Os dois primeiros discos, “Mental Floss for the Globe” (1989) e “Life’n Perspectives of a Genuine Crossover” (1991) são excelentes e ainda soam modernos. Atenção para as canjas de Mike Muir (do Infectious Grooves aí acima), Flea, Ice-T e Henry Rollins no clipe.






6-Living Colour


A potência ridícula desta banda novaiorquina nos faz até esquecer das inexplicáveis roupas de ginástica que seus integrantes usavam durante os primeiros anos. Aqui em um de seus melhores momentos, o hino anti-racista “Funny Vibe”, com participação do Public Enemy.






5-Rage Against the Machine


Zack de la Rocha que me desculpe, mas ninguém nunca ligou realmente para suas letras politizadas. Quem consegue se concentrar nos zapatistas ou em ativistas presos quando soam nas caixas grooves tão colossais com vocais tão bem… cuspidos? Quem precisa de discursos em meio a riffs tão certeiros, tocados com essa pegada tão absurda?






4-Fishbone


Não foi tarefa fácil, mas segurei Angelo Moore, o comandante do Fishbone há mais de trinta anos, em um de seus stage divings em show de 2006 em Barcelona . De todos os frontmen aqui relacionados, Moore é sem dúvida o mais indomável. E sua banda, a mais versátil, associada tanto à nova onda ska da 2 Tone quanto ao eletrofunk de Prince ou ao hardcore.






3-Faith No More


No final a gente até esquece que o Faith No More integrou o “clube” um dia, tamanhas as mudanças em seu som e a variedade dos projetos encabeçados por Mike Patton. Mas, até o essencial “Angel Dust” (1992) eles eram os filhos prodígios do flerte entre o baixo slap e a guitarra com overdrive. Os teclados de Roddy Bottum davam o molho pop que tanto marcou a banda no começo.






2-Beastie Boys


Eles eram do hardcore, depois foram rap-rockers desmiolados, depois só rappers inovadores. Aí vieram “Check Your Head” (1992) e “Ill Communication” (1994) para misturar tudo o que MCA, AD Rock e Mike D já sabiam. E ainda hoje está difícil de superar.






1-Red Hot Chili Peppers


Esqueça o solo de bateria de Chad Smith. Você precisará do menos de um minuto que lhe antecede para entender a essência disso que chamavam de funk-metal, e que neste caso devia tanto a Gang of Four quanto a George Clinton. E se precisássemos escolher uma figura para definí-lo, esta figura seria Flea. Observe sua dança, você não ousará discordar. O Chili Peppers ainda é mortal ao vivo, mas seu período até “Blood Sugar Sex Magik” (1991) é digno de sua inclusão no hall das grandes de todos os tempos.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Frontmen e Sidemen






Outro dia, pouco antes da virada de década, assisti aqui em Barcelona a uma dobradinha de shows Little Joy-Devendra Banhart. Os dois foram bons, e descontando a graça da Binki Shapiro e a presença sensacional de Devendra, diria que o destaque foi Rodrigo Amarante. Voz principal do Little Joy – a tímida Binki canta pouco e o Stroke  tranquilão Fabrício Moretti serve mais de um cartão de visitas do que qualquer outra coisa -, o ex-Hermano foi bem no papel de frontman bilíngue e depois ainda voltou para compor a banda de Devendra, da qual é integrante.


Fiquei pensando que este estilo pau-para-toda-obra daria uma boa lista de caras que, mesmo após consolidados como centro das atenções, atuam como sidemen. Vejam bem, não se tratam de duetos, mas sim colaborações do tipo “X tocando guitarra no disco de Y, ou fulano tocando bateria na turnê de beltrano”. E não demorou a se formar um novo top 10, cujo critério é o quão interessante resultaram as colaborações. Pois nem sempre um gênio tocando com outro significa que escutaremos o melhor som de todos os tempos. Jazzistas e rappers, escolados em ser o apoio de outrem, ficam de fora da lista.


10- Stevie Wonder com Jimi Hendrix – “I Was Made to Love Her” (1967)

Em 1967, Stevie Wonder ainda era um adolescente, mas já desfrutava de meia década de prestígio como o grande astro juvenil da Motown (posto que ele deixaria logo depois aos Jackson Five). E ele continuava sentindo o mesmo prazer de sempre em tocar os vários instrumentos que dominava, sem se importar em permanecer anônimo nos créditos. Ao longo de seu quase meio século de carreira, Wonder participaria de dezenas de álbuns sem precisar emprestar sua marca registrada, a voz. Só que esta gravação do gênio cego tocando bateria em uma jam session perdida de Jimi Hendrix é arqueologicamente imbatível. Ainda que não tenha ficado especialmente bom o resultado – sensacional também como baterista, Stevie deixa o ritmo desandar em alguns momentos, provavelmente por causa do nervosismo citado pelo narrador.





9-Eric Clapton com John Lennon e cia – “Yer Blues” (1968)

Quando os Stones organizaram o especial “Rock and Roll Circus”, em 1968, Eric Clapton era, entre os convidados, o mais experiente. Tocara com John Mayall e Yardbyrds e já fundara e dissolvera o Cream, com o qual se promovera a frontman (ao lado de Jack Bruce). No entanto, tocar guitarra ainda era o que lhe movia. E aqui ele o fazia melhor do que em boa parte de sua carreira solo – dizem que perdeu o talento quando parou com as drogas. Tanto que, na superbanda que acompanha John Lennon na pedrada “Yer Blues”, dos Beatles, couberam a ele, e não a Keith Richards, a guitarra que faria os solos.






8-Edgar Scandurra com Arnaldo Antunes – “Judiaria” (2007)

Em material de música paulistana, ou de rock brasileiro, Scandurra é o cara. Não é a toa que um leque de colaboradores tão eclético – de Jorge du Peixe a Guilherme Arantes – tenha atendido rapidamente a seu convite para participar de um recente DVD. O canhoto mais célebre do BRock esteve em algumas das bandas mais marcantes do underground de SP – Mercenárias e Smack -, no Ultraje a Rigor e do Ira! (do qual era a figura principal), além de lançar bons trabalhos solo, mais acústicos nos anos 80 e mais experimentais com o Benzina a partir da década seguinte. E já tinha todo este currículo quando foi ser o sideman de Arnaldo Antunes nos primeiros anos da carreira solo do ex-Titã, iniciada em 1992. Caiu como uma luva.





7- Gilberto Gil com Caetano Veloso – “Irene” (1969)

Com ou sem Bethânia e Gal, Gilberto e Gil e Caetano Veloso já assinaram vários discos juntos. Mas Caê també utilizou os dotes de bom músico do amigo para encorpar seu som no estúdio. Ou seja, em algumas ocasiões, Gil foi apenas um instrumentista em gravações de Caetano. “Irene” é uma das melhores, com o violão impecável e o backing vocal inconfundível do futuro ministro. Cabeção, ele esquece de cantar uma parte e a canção recomeça no mesmo take.





6-George Harrison com John Lennon – “How do You Sleep?” (1971)

Ringo, o boa-praça official, gravou fartamente com os três ex-companheiros de Beatles e os recebeu em vários de seus álbuns solo; os amigos de infância George e Paul intercambiaram colaborações discretas; John e George também mantiveram o laço. Faltou só a que todo mundo mais esperava, entre John e Paul. Aqui, uma das trocas de figurinhas mais notáveis entre os fabulosos no periodo pós-dream is over: George dedilhando sua inigualável guitarra e aparentemente tomando partido em “How Do You Sleep?”, que Yoko e todo o imaginário pop juram se tratar de um ataque direto a McCartney. Embora o próprio Lennon tente explicar no vídeo quem é o verdadeiro alvo da canção.





5-Billy Corgan com New Order - "Turn My Way" (2001)

Não encontrei na net videos da turnê que o New Order fez com Billy Corgan na guitarra nos idos de 2001. O que torna este item um dos mais mitológicos desta lista. Teremos que usar nossa imaginação para escutar a guitarra indie que definiu os 90 preenchendo o som que é sinônimo da magia pop da década anterior, até que uma boa alma nos alivie com algum registro daqueles shows. Como consolo, nos sobra a música “Turn My Way”, que traz participação vocal de Corgan. Do disco “Get Ready”, editado pelo NO em 2001. Mas não é a mesma coisa, eu sei.





4-Keith Richards com Chuck Berry – “Oh Carol” (1986)

É tudo uma questão de hierarquia. Temos Keith Richards, o cara mais podreira do rock, aquele que teria trocado de sangue para continuar sobrevivendo a overdoses, intimidado como um coelhinho diante da bronca de seu ídolo Chuck Berry. Na ocasião, em 1986, Richards assumira a direção e guitarra base dos shows que comemoravam os 60 anos de idade de Berry. O inventor da duck walk passa o pito no Stone e diz, entre outras coisas, “é este o jeito que Chuck Berry toca, entendeu?”. Por estas e por outras Berry ainda é, com Jerry Lee Lewis, o último precursor do rock and roll ainda vivo.





3-David Grohl com Queens of the Stone Age – “A Song for the Dead” (2002)

OK, todo mundo sabe que David Grohl é originalmente baterista, exerceu o ofício no Nirvana, e etc. Mas em 2002 ele já estava há quase uma década à frente do Foo Fighters, consagrado como vocalista, guitarrista e compositor. Sua volta ao banquinho não poderia ser mais memorável. As baterias do disco “Songs for the Deaf” ficaram tão boas que ele teve que abrir espaço na agenda para se oficializar como integrante do QOTSA e cair na estrada com a banda. Durou pouco, mas o suficiente para que Grohl pegasse gosto pelo trampo de baterista freelancer estúdio e gravasse mais uma série de álbuns de amigos, entre eles os ótimos “You Are Free” (2003), de Cat Power, e “With Teeth” (2005), do Nine Inch Nails.





2-David Bowie com Iggy Pop – “Sister Midnight” (1977)

Muitos astros triunfaram na iniciativa de recuperar ou alavancar a carreira de seus heróis. Mas Bowie foi o mais certeiro, porque possivelmente as trajetórias solo de dois de seus maiores ídolos não existiria não fosse por sua ajuda. Lou Reed estava meio perdidão após o final do Velvet Underground e só encontrou sua nova direção em seu segundo trabalho, “Transformer” (1972), produzido, tocado e influenciado pelo fã. Com Iggy Pop a presença do Camaleão foi ainda mais determinante. Bowie, que já trabalhara com os Stooges no fundamental “Raw Power” (1973), foi buscar Pop em uma clínica de reabilitação e produziu seus dois primeiros discos solo, que viriam a definir sua nova fase, mais experimental e com vocais bastante “bowiescos”:“Lust for Life” e “The Idiot”, ambos de 1977. Não bastando, chamou o amigo para abrir seus shows e fez as vezes de tecladista e backing vocal de sua banda. Alguns, entre eles o diretor Todd Haynes no filme “Velvet Goldmine” (1998), defendem de que tudo era fruto dos mais puros amor e desejo sexual.





1-Robert Smith com Siouxsie and the Banshees – “Circle” (1979)

O Cure já tinha seu primeiro disco (“Three Imaginary Boys”) lançado e abria os shows do Siouxsie and the Banshees quando Robert Smith foi chamado para substituir John MacKay. Ninguém escutou sua voz, seu papel limitava-se a tocar guitarra e teclado. Uma fase que acabou sendo curtíssima, mas incrível. Os Banshees ainda estavam formatando seu estilo obscuro e experimental, e nota-se que Smith participou em muito do processo com suas notas estranhas e melancólicas. Os outros vídeos desta colaboração são ótimos, mas este é especialmente precioso porque a transformação do grupo pode ser comprovada – observem o rolo de fita emitindo um cavernoso loop analógico. Também vale pela performance corporal de Smith, com seu eterno ar de jovem sofrido e blasé, teclando com uma mão e mexendo na camisa com a outra. Ah, e também pelo bizarríssimo final estilo Hermes & Renato. Imperdível.