segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Frontmen e Sidemen






Outro dia, pouco antes da virada de década, assisti aqui em Barcelona a uma dobradinha de shows Little Joy-Devendra Banhart. Os dois foram bons, e descontando a graça da Binki Shapiro e a presença sensacional de Devendra, diria que o destaque foi Rodrigo Amarante. Voz principal do Little Joy – a tímida Binki canta pouco e o Stroke  tranquilão Fabrício Moretti serve mais de um cartão de visitas do que qualquer outra coisa -, o ex-Hermano foi bem no papel de frontman bilíngue e depois ainda voltou para compor a banda de Devendra, da qual é integrante.


Fiquei pensando que este estilo pau-para-toda-obra daria uma boa lista de caras que, mesmo após consolidados como centro das atenções, atuam como sidemen. Vejam bem, não se tratam de duetos, mas sim colaborações do tipo “X tocando guitarra no disco de Y, ou fulano tocando bateria na turnê de beltrano”. E não demorou a se formar um novo top 10, cujo critério é o quão interessante resultaram as colaborações. Pois nem sempre um gênio tocando com outro significa que escutaremos o melhor som de todos os tempos. Jazzistas e rappers, escolados em ser o apoio de outrem, ficam de fora da lista.


10- Stevie Wonder com Jimi Hendrix – “I Was Made to Love Her” (1967)

Em 1967, Stevie Wonder ainda era um adolescente, mas já desfrutava de meia década de prestígio como o grande astro juvenil da Motown (posto que ele deixaria logo depois aos Jackson Five). E ele continuava sentindo o mesmo prazer de sempre em tocar os vários instrumentos que dominava, sem se importar em permanecer anônimo nos créditos. Ao longo de seu quase meio século de carreira, Wonder participaria de dezenas de álbuns sem precisar emprestar sua marca registrada, a voz. Só que esta gravação do gênio cego tocando bateria em uma jam session perdida de Jimi Hendrix é arqueologicamente imbatível. Ainda que não tenha ficado especialmente bom o resultado – sensacional também como baterista, Stevie deixa o ritmo desandar em alguns momentos, provavelmente por causa do nervosismo citado pelo narrador.





9-Eric Clapton com John Lennon e cia – “Yer Blues” (1968)

Quando os Stones organizaram o especial “Rock and Roll Circus”, em 1968, Eric Clapton era, entre os convidados, o mais experiente. Tocara com John Mayall e Yardbyrds e já fundara e dissolvera o Cream, com o qual se promovera a frontman (ao lado de Jack Bruce). No entanto, tocar guitarra ainda era o que lhe movia. E aqui ele o fazia melhor do que em boa parte de sua carreira solo – dizem que perdeu o talento quando parou com as drogas. Tanto que, na superbanda que acompanha John Lennon na pedrada “Yer Blues”, dos Beatles, couberam a ele, e não a Keith Richards, a guitarra que faria os solos.






8-Edgar Scandurra com Arnaldo Antunes – “Judiaria” (2007)

Em material de música paulistana, ou de rock brasileiro, Scandurra é o cara. Não é a toa que um leque de colaboradores tão eclético – de Jorge du Peixe a Guilherme Arantes – tenha atendido rapidamente a seu convite para participar de um recente DVD. O canhoto mais célebre do BRock esteve em algumas das bandas mais marcantes do underground de SP – Mercenárias e Smack -, no Ultraje a Rigor e do Ira! (do qual era a figura principal), além de lançar bons trabalhos solo, mais acústicos nos anos 80 e mais experimentais com o Benzina a partir da década seguinte. E já tinha todo este currículo quando foi ser o sideman de Arnaldo Antunes nos primeiros anos da carreira solo do ex-Titã, iniciada em 1992. Caiu como uma luva.





7- Gilberto Gil com Caetano Veloso – “Irene” (1969)

Com ou sem Bethânia e Gal, Gilberto e Gil e Caetano Veloso já assinaram vários discos juntos. Mas Caê també utilizou os dotes de bom músico do amigo para encorpar seu som no estúdio. Ou seja, em algumas ocasiões, Gil foi apenas um instrumentista em gravações de Caetano. “Irene” é uma das melhores, com o violão impecável e o backing vocal inconfundível do futuro ministro. Cabeção, ele esquece de cantar uma parte e a canção recomeça no mesmo take.





6-George Harrison com John Lennon – “How do You Sleep?” (1971)

Ringo, o boa-praça official, gravou fartamente com os três ex-companheiros de Beatles e os recebeu em vários de seus álbuns solo; os amigos de infância George e Paul intercambiaram colaborações discretas; John e George também mantiveram o laço. Faltou só a que todo mundo mais esperava, entre John e Paul. Aqui, uma das trocas de figurinhas mais notáveis entre os fabulosos no periodo pós-dream is over: George dedilhando sua inigualável guitarra e aparentemente tomando partido em “How Do You Sleep?”, que Yoko e todo o imaginário pop juram se tratar de um ataque direto a McCartney. Embora o próprio Lennon tente explicar no vídeo quem é o verdadeiro alvo da canção.





5-Billy Corgan com New Order - "Turn My Way" (2001)

Não encontrei na net videos da turnê que o New Order fez com Billy Corgan na guitarra nos idos de 2001. O que torna este item um dos mais mitológicos desta lista. Teremos que usar nossa imaginação para escutar a guitarra indie que definiu os 90 preenchendo o som que é sinônimo da magia pop da década anterior, até que uma boa alma nos alivie com algum registro daqueles shows. Como consolo, nos sobra a música “Turn My Way”, que traz participação vocal de Corgan. Do disco “Get Ready”, editado pelo NO em 2001. Mas não é a mesma coisa, eu sei.





4-Keith Richards com Chuck Berry – “Oh Carol” (1986)

É tudo uma questão de hierarquia. Temos Keith Richards, o cara mais podreira do rock, aquele que teria trocado de sangue para continuar sobrevivendo a overdoses, intimidado como um coelhinho diante da bronca de seu ídolo Chuck Berry. Na ocasião, em 1986, Richards assumira a direção e guitarra base dos shows que comemoravam os 60 anos de idade de Berry. O inventor da duck walk passa o pito no Stone e diz, entre outras coisas, “é este o jeito que Chuck Berry toca, entendeu?”. Por estas e por outras Berry ainda é, com Jerry Lee Lewis, o último precursor do rock and roll ainda vivo.





3-David Grohl com Queens of the Stone Age – “A Song for the Dead” (2002)

OK, todo mundo sabe que David Grohl é originalmente baterista, exerceu o ofício no Nirvana, e etc. Mas em 2002 ele já estava há quase uma década à frente do Foo Fighters, consagrado como vocalista, guitarrista e compositor. Sua volta ao banquinho não poderia ser mais memorável. As baterias do disco “Songs for the Deaf” ficaram tão boas que ele teve que abrir espaço na agenda para se oficializar como integrante do QOTSA e cair na estrada com a banda. Durou pouco, mas o suficiente para que Grohl pegasse gosto pelo trampo de baterista freelancer estúdio e gravasse mais uma série de álbuns de amigos, entre eles os ótimos “You Are Free” (2003), de Cat Power, e “With Teeth” (2005), do Nine Inch Nails.





2-David Bowie com Iggy Pop – “Sister Midnight” (1977)

Muitos astros triunfaram na iniciativa de recuperar ou alavancar a carreira de seus heróis. Mas Bowie foi o mais certeiro, porque possivelmente as trajetórias solo de dois de seus maiores ídolos não existiria não fosse por sua ajuda. Lou Reed estava meio perdidão após o final do Velvet Underground e só encontrou sua nova direção em seu segundo trabalho, “Transformer” (1972), produzido, tocado e influenciado pelo fã. Com Iggy Pop a presença do Camaleão foi ainda mais determinante. Bowie, que já trabalhara com os Stooges no fundamental “Raw Power” (1973), foi buscar Pop em uma clínica de reabilitação e produziu seus dois primeiros discos solo, que viriam a definir sua nova fase, mais experimental e com vocais bastante “bowiescos”:“Lust for Life” e “The Idiot”, ambos de 1977. Não bastando, chamou o amigo para abrir seus shows e fez as vezes de tecladista e backing vocal de sua banda. Alguns, entre eles o diretor Todd Haynes no filme “Velvet Goldmine” (1998), defendem de que tudo era fruto dos mais puros amor e desejo sexual.





1-Robert Smith com Siouxsie and the Banshees – “Circle” (1979)

O Cure já tinha seu primeiro disco (“Three Imaginary Boys”) lançado e abria os shows do Siouxsie and the Banshees quando Robert Smith foi chamado para substituir John MacKay. Ninguém escutou sua voz, seu papel limitava-se a tocar guitarra e teclado. Uma fase que acabou sendo curtíssima, mas incrível. Os Banshees ainda estavam formatando seu estilo obscuro e experimental, e nota-se que Smith participou em muito do processo com suas notas estranhas e melancólicas. Os outros vídeos desta colaboração são ótimos, mas este é especialmente precioso porque a transformação do grupo pode ser comprovada – observem o rolo de fita emitindo um cavernoso loop analógico. Também vale pela performance corporal de Smith, com seu eterno ar de jovem sofrido e blasé, teclando com uma mão e mexendo na camisa com a outra. Ah, e também pelo bizarríssimo final estilo Hermes & Renato. Imperdível.

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