OS DISCOS NACIONAIS PREFERIDOS DO MALA DA LISTA NA DÉCADA (DO 5 AO 1)
5-Fabio Góes - "Sol no Escuro" (2006)
Coragem e ambição. Com estes dois trunfos se faz um grande disco, caso haja talento de sobra. Não é todo dia que um artista desconhecido do grande público preenche um álbum com seis baladas entre onze faixas, se desnudando nas letras e recorrendo ao falsete vocal para percorrer delicadas melodias. Tudo sobre um som grandioso, vivo, enriquecido por paredes de cordas e metais de arrepiar.
Quem ouve "Sem Mentira", "Lembranças", "Surfista" e "Sol no Escuro", algumas destas baladas de tirar o fôlego, tem boas pistas sobre seu autor. A angústia que circunda as profundas letras do paulistano Fabio Góes não ocupa as 24 horas de seu dia, ainda bem, mas é irmã de sua elevadíssima auto-exigência como compositor, músico e produtor. Sabendo disso, não é de se surpreender que a bolacha tenha tardado cinco anos para ficar pronta. Cada acorde de piano, dedilhado de violão e virada de bateria ficou em sua cabeça por todo este tempo.
E sua inquietude talvez seja seu maior tesouro: uma vez lançado o disco, Góes fez questão de mudar a maioria dos impecáveis arranjos para transpor o repertório ao palco. E quem espera algo parecido a "Sol no Escuro" para o segundo álbum, já em estágio avançado de produção, que se prepare para uma experiência bastante diferente. Sua introspecção virá canalizada em novos ritmos e destilada em outros assuntos.
*Uma música: "Sol no Escuro"
4-Curumin - "Japan Pop Show" (2008)
Que Luciano Nakata é um baterista que volta com o bolo quando a maioria dos outros ainda está comprando o fubá, muita gente já sabia há tempos. Que canta pra cacete, sem vergonha de assumir seu posto na linhagem dos soulmen brasileiros, que sabe compor e que toca bem outros vários instrumentos, também. Faltava, e ele mesmo admitia, soltar as amarras e sepultar uma espécie de obrigação auto-imposta de conseguir um resultado apenas eficaz e correto na esfera da black music. Regra de uma geração - que não vingou - de compositores dedicados a um suposto neo-soul nacional, em geral vinculado à gravadora Trama em seus primeiros anos.
"Achados & Perdidos", o disco solo de estréia do músico paulistano, de 2003, já havia emplacado pelo menos duas jóias samba-soul de fazer Tim Maia bailar na tumba - "Vem Menina" e "Samba Japa" - , além de trazer potentes grooves ("Cadê o Mocotó") e brincadeiras psicodélicas ("Acorda Simpático"). Também projetava-o nos EUA, onde não cansam de chamá-lo para turnês. Mas "Japan Pop Show" atropelou as expectativas ao ser a prova clara de que ele deixou para trás as barreiras - tem de samba em japonês ("Sambito") a pancadão político ("Caixa Preta"), passando por suas primeiras incursões mais roqueiras ("Viver na Magrela"), entre outras ousadias. Cada canção é um universo por si só e pela forma como foi vestida, em arranjos que promovem a exata parceria entre o melhor do vintage e a estética de uma década que ainda está por vir. Por estas e por outras, tecnicamente sua sonoridade é a mais espetacular entre os álbuns listados aqui.
"Na minha opinião, não existe essa coisa de não ter risco em arte" me avisava o multinstrumentista numa entrevista para a revista PIB. Era a sacada que lhe faltava. Agora as outras "promessas do soul nacional" comem poeira e chega a ser assustador pensar no que pode vir por aí em se tratando de Curumin.
*Uma música: "Mistério Stereo"
3-Mombojó - "Nadadenovo" (2004)
Este disco é o melhor exemplo da invasão indie descrita na introdução do post. Não apenas por ter sido lançado com a revista Outra Coisa, mas por trazer, graças a um ou outro detalhe técnico que não vem ao caso, uma comovente textura de fita demo. Aspecto este que não esconde as grandes canções sofridas de Felipe S., a perícia dos músicos do então septeto recifense - alguns com 17 anos à época da gravação - e seu bom gosto nos arranjos e emulações de belos timbres. O encontro insólito entre a burocracia (o álbum foi bancado pela prefeitura de Recife) e uma enorme ambição artística atestou o quanto a cidade pernambucana ainda é musicalmente especial, além de ser um dos momentos sonoros da década.
O que o segundo álbum, "Homem-Espuma" (2006), tem de qualidade técnica, o primeiro tem de inspiração, entrelaçando samba, bossa nova, jovem guarda, heavy metal, surf music, choro, melancolia indie britânica em impressionante harmonia. Era o passo adiante que a safra pós-mangue beat tinha que dar. Soa como se um bando de moleques inconsequentes gostasse, na mesma medida, de "OK Computer" e "Construção", mas na verdade sonhasse em tocar com o Roberto Carlos dos anos 60 e 70.
Mas espera: não é exatamente isso o que é o Mombojó?
*Uma música: "O sol, o Céu e o Mar".
2-Racionais MC's - "Nada como um Dia Após o Outro Dia" (2002)
O impacto de "Sobrevivendo no Inferno" (1997), o maior fenômeno da Indústria independente nacional e ícone máximo do nosso rap, seria impossível de reproduzir, por seu ineditismo. Mas o que nem os mais ferrenhos fãs do mítico quarteto da periferia de São Paulo esperavam era que a bolacha seguinte, dupla, estivesse à altura da anterior, melhor produzida e com letras tão marcantes e eternas como "Capítulo 4, Versículo 3" ou "Eu Tô Ouvindo Alguém me Chamar".
E se "Sobrevivendo..." começava com a frase "Minha intenção é ruim", "Nada como um Dia Após o Outro Dia" abria com "fé em deus que ele é justo". Prova de que os cinco anos entre os discos cultivaram outros enfoques para tratar de antigas e novas aflições. Como resultado, nasceram um conjunto de rimas - com grande destaque para as do messiânico Mano Brown - que renderiam uma verdadeira antologia de raiva ("Negro Drama"), amor ("Vida Loka"), humor ("Eu Sou um 157") e delírio culpado ("Jesus Chorou"). Daria para passar horas falando sobre dezenas dos verso presentes, mas é óbvio que vale muito mais a pena simplesmente dar um play nos dois volumes, "Chora Agora" e Ri Depois". Que, diga-se de passagem, se fossem enxutos e editados em um só, se transformariam em um clássico imbatível.
Ninguém cutucava a ferida da sociedade brasileira tão certeiramente desde Chico Buarque. Mas enquanto o nosso Blue Eyes fura as paredes cirurgicamente, primeiro com uma broca 4 e depois com outras mais grossas, compenetrado e inabalável, os Racionais são como uma equipe de pedreiros ruidosos derrubando os mesmos patamares sólidos com bolas gigantes suspensas por guindastes. E o efeito é igualmente irreversível.
*Uma música: "Jesus Chorou".
1-Nação Zumbi - "Rádio S.Amb.A" (2000)
“A gente acha que a melhor fase sempre está por vir”. A frase do baterista Pupillo, dita a este blogueiro numa entrevista de setembro de 2004 ao site da MTV, definia uma grande banda em seu auge. Algo que ainda não era possível prever na alvorada da década: após o baque da morte de Chico Science, algumas gravações não muito convincentes (presentes no CD duplo de sobras, remixes e versões ao vivo "CSNZ") apontavam um momento de impasse na banda pernambucana.
Uma hesitação enterrada com a chegada de "Rádio S.Amb.A", este rolo compressor de ritmos, ruídos, melodias, texturas e poesia que mudou a cabeça dos céticos instantaneamente. Uma única audição e se apagava de nossas cabeças a especulação "imagina o que Chico Science estaria aprontando se continuasse vivo" para dar lugar ao mantra "mas que puta som faz esta nova Nação Zumbi, meu deus".
Bravos, os recifenses haviam ousado seguir sem o lendário frontman e ainda por cima mudando muito seu som. Só que o fizeram de uma forma natural, lógica, de quem não tem outra opção a não ser tocar a bola para frente com uma diferentes combinação de cabeças pensantes. Algo bem parecido, guardadas as enormes diferenças geográficas e estilísticas, ao que ocorreu quando o Joy Division perdeu Ian Curtis e se transformou em New Order: no saldo final obtiveram-se duas bandas do caralho, parentes de primeiríssimo grau, mas bem diferentes entre si.
Da era Chico permaneceu a vontade de criar o novo e a fábrica de ritmos que, tendo o maracatu como base, se transmuta em sempre poderosos grooves bastardos de genes importados (as denominações de origem vão da Nigéria à Jamaica, de Detroit a Havana); da nova configuração, brotou uma maneira mais obscura de enxergar as composições, menos radiofônica, apoiada em acordes menores, psicodelia umedecida em dub e nos versos introspectivos de Jorge Du Peixe. E mesmo com tanta informação, se sobressaíram coerência e identidade suficientes para manter a Nação Zumbi no topo da cadeia. Com a confiança e ganas de trabalhar expressas por Pupillo - a mesma década ainda traria os ótimos "Nação Zumbi" (2002) e "Futura" (2005), além do irregular "Fome de Tudo" (2007).
*Uma música: "O Carimbó"
essa lista está demais! o do mombojó e do cidadão foram 2 que eu escutei até furar. Talvez por isso empurraria o do cidadão um pouco mais pra frente...
ResponderExcluirdo góes é incrível tb e o show conseguiu me impressionar mais ainda. Fiquei até nostalgica de ver essa lista.