quarta-feira, 28 de abril de 2010

Aeroporto 2010



Balcão de check-in, esta segunda-feira de manhã, aeroporto de Barcelona:

-Señor Setti, tu reserva ha sido cancelada.

Suo frio. Gaguejo no idioma que não é o meu. O jogador de seis dezenas de milhões de euros que me daria alguns minutos preciosos para uma entrevista na capital, naquela mesma tarde, jamais me permitiria uma segunda chance.

Deve ser culpa do Eyjafjallajökull, resmungo mentalmente. Andreu Buenafuente, o humorista mais famoso da Espanha, havia dito que o nome do vulcão islandês fora criado quando algum geólogo apoiou o cotovelo no teclado, antes de enviar explicações sobre sua erupção. Só uma coisa como estas pode esculhambar o tráfego aéreo europeu por vários dias; só uma coisa dessas pode causar o cancelamento do meu voo.

Mas não, logo me dou conta. É besteira humana (não minha!), e não magma, a razão de meu contratempo. E enquanto corro praguejando ao guichê mais próximo para comprar uma passagem quatro vezes mais cara de última hora, lembro do quanto já não gosto de viajar em aviões. Decolagens apavorantes, aterrissagens bruscas, aeromoças de mala leche, joelhos doloridos, tímpanos palpitantes. Acalmo, porém, quando lembro de que tenho no forno um top 10 agora mais do que apropriado para a semana, envolvendo aeronaves, aeroportos, comissários de bordo e outros clássicos catalogados pela Infraero. No caso, eles aparecem aqui homenageados (exorcizados?) em uma compilação de capas de discos.

Portanto afivelem os cintos - “afivelar” é um verbo sensacional -, coloquem as poltronas na posição vertical, mantenham os sacos de vômito à mão e boa viagem.




10-Neil Young – “Landing on Water” (1986)



Fico imaginando o velho Neil escorregando pelas saídas de emergência, com sua velha Gibson a tiracolo. E nada mais.



9-Git Head – “Landing” (2009)




Da outra banda de Colin Newman, do Wire.



8-Men At Work – “Cargo” (1983)



Um bom plano para evacuar uma ilha seria enviar um carregamento aéreo de discos do Men At Work.



7- Carlos Malcolm & his Afro-Jamaican Rhythms – “Space Flight” (1964)



…ou “as velhas orquestras de ska só viajam com Pan American!!!”


6-Autoramas – “Teletransporte” (2007)



O cara de boné, desconfio, é o baterista da banda carioca, Bacalhau. Um nome sensacional, diga-se de passagem.


5-Hepcat – “Right on Time” (1998)



Outra vez ska. Será que dão passagens grátis para os capistas de bandas de ska que promovem aeroportos?


4-The Darkness – “Permission to Land” (2003)



Não será preciso dizer nada.


3-Jorge Ben – “Alô Alô, como Vai” (1980)



A ideia já é boa. Mas o melhor é a aeronave ser das Aerolineas Argentinas. Não seria tão legal se fosse da Varig ou, sei lá, Transbrasil.


2-Beasty Boys – “License to Ill” (1986)




Da série de capas que, completas (ou seja, com o encarte todo aberto), ganham outro sentido. Aliás, em breve vem aí um posto sobre elas.

 
1-Blind Faith – “Blind Faith” (1969)




As lendas são muitas. Dizem que a menina tinha onze anos. Também comenta-se que ela chegou a ser escravizada pelos integrantes do supergrupo – leia-se Eric Clapton, Ginger Baker e Steve Winwood, para citar os famosos -. E que não ganhou mais do que 40 libras por exibir seus dotes de menina púbere. Provocador ao extremo e histórico.





domingo, 18 de abril de 2010

Chuva, Chuva, Chuva



Já dizia Butthead: “rain sucks!”

Com todo o respeito a quem passa meses, anos esperando gotas de chuvas para resolver o inferno da aridez, e com toda consideração ao vulcão da Islândia, os recentes tsunamis e terremotos: eu não poderia estar mais de acordo com o tosco teen aparelhudo. Chuva é uma merda. Nunca gostei, acho que estraga tudo. Como vem estragando, e aí o assunto é bem mais sério, vidas e casas nas várias enchentes ocorridas em diferentes estados do Brasil durante as últimas semanas.

Tem chovido tanto, mas tanto – cada page view que dou em sites brasileiros meu teclado sai molhado – que não vai dar para escapar, nem de caiaque, de um Top 10 com músicas sobre a chuva, ou que tragam a maldita como elemento importante.

Um top 10 onde não há muito espaço para odes saltitantes aos pés d’água (coisas como “Singing in The Rain”, “Chovendo na Roseira” e “I Love the Rain” – só o burocrata Lenny Kravitz para compor uma canção com este nome – ficam de fora). Mais válidas aqui são as chuva que se infiltram nas crises, que lavam os desamores e que lubrificam a capacidade poética dos compositores. Chuvas reais ou alegóricas, roxas ou translúcidas que, enquanto estiverem enchendo os reservatórios da boa música, servirão para o consolo, e não o afogamento, das pessoas que perdem entes queridos nas encostas barrentas.

*Menção honrosa para “Rain Dogs”, de Tom Waits, mais sobre cachorros molhados do que sobre a chuva em si, e o standard “Come Rain or Come Shine” (a versão de Ray Charles mata a pau), em que o condicional “faça chuva ou faça sol” é apenas mais uma desculpa para o cara pegar a gatinha do que qualquer outra coisa.



10-The Cure – “Prayers for Rain" (1989)

Qualquer faixa de “Disintegration”, o “Sgt. Peppers” dos melancólicos, é digna de alta nota. Esta, em que um deprimidíssimo Robert Smith geme as dores de um amor mal-acabado, não é exceção. O vídeo é tirado do impecável DVD “Trilogy”, de 2002.




9- Supertramp - "It’s Raining Again” (1982)

Poderia estar na lista das músicas que dão vergonha de gostar. Eu não me importo. E faço aqui uma homenagem não só ao soft pop caretão (observem a pinta dos músicos e do público) como também a meu amigo Marco. Produtor que começa a despontar na cena musical indie espanhola, este italiano pilota as mesas de som de concertos de nomes festejados internacionalmente, como Delorean e El Guincho; mas, quando o expediente acaba, ele gosta mesmo é de se trancar no estúdio, ver vídeos de partidas de seu sofrido Napoli, e escutar Supertramp no último volume.




8-Lobão – “Me Chama” (1984)

A balada definitiva do pop nacional não seria a mesma se não tivesse chovido no dia em que Lobão tomou este pé na bunda. Aqui choramingoso como um lobinho, o carioca apela: “chove lá fora e aqui / Faz tanto frio”. Claro que, após ouvir a canção pronta, a musa em questão deve ter reabrido as portas e dado, no mínimo, uma toalha ao cantor. Ah, e alguém pode me explicar o que é isso que passa sobrevoando entre os 37 e 51 segundos do clipe? Parece um molho de chaves. Ou seriam os Ronaldos (a banda do Lobo à época) em versão diminuta?




7-R.E.M. – “So. Central Rain” (1984)

O mais legal é que a palavra “rain” não é mencionada em nenhum verso desta música. Ou seja, pelo título e pelo resto da letra é que sentimos o clima: uma ligação não foi feita a alguém, um pedido de desculpas esteve envolvido, e enquanto isso a “tempestade do sul-centro” encharcava as angústias sem tréguas do eu-lírico. O R.E.M. tem outra composição que fala bem mais da dita cuja, “I’ll Take the Rain” (2001), mas esta, além da sutileza poética, abocanha o posto por ser um clássico dos primeiros anos da banda. Tudo fica ainda melhor neste vídeo histórico, a suposta primeira aparição do então quarteto em rede nacional nos EUA, durante a qual Mike Mills e Peter Buck discutem preços de discos com David Letterman. Uma versão tão antiga que a canção ainda nem tinha sido batizada (o programa é de 1983, antes do lançamento do disco em que estaria contida, “Reckoning”, do ano seguinte).




6-Jorge Ben - “Chove Chuva” (1963)

“Pra a chuva parar / de molhar o meu divino amor”. Isso na versão original, com a bossa desconstruída do primeiro disco de Jorge (“Samba Esquema Novo”), é difícil de ser superado. Até mesmo pelo próprio, que tem um outro grande hino “chuvoso”: “Que Maravilha”, como os versos “Lá fora está chovendo...”.




5- B.J. Thomas – “Raindrop Keeps Falling on my Head” (1969)

Se prestarmos atenção na letra, é uma metáfora para “merda acontece, continuará acontecendo, mas nem por isso temos que aceitá-la, e devemos seguir adiante”. Toda uma lição criada pelos gênios da água com açúcar Burt Bacharach e Hal David, traduzida pela voz do orelhudo BJ Thomas (reparem). Magia pura ele cantando na frente das estúpidas coreografias dos bailarinos com coletes e guarda-chuvas. Novamente, um brinde ao soft pop.




4-Beatles – “Rain” (1966)

Se está chovendo ou não, não importa, já que tudo é uma questão de percepção. Ou pelo menos dizia John Lennon na letra desta maravilha. Os Beatles haviam entrado definitivamente para o time dos psicodélicos, e precisavam dar o recado. “Rain”, lado B do single “Paperback Writer”, é testamento da acidez pop não só por inaugurar a era dos sons gravados ao contrário, mas também pelos olhinhos caídos de chapado de maconha de Paul McCartney no vídeo (ele também estava com um dente da frente quebrado no momento da gravação, por causa de um acidente de moto). Aliás, para George Harrison, eles também “inventaram a MTV” ao criar essa peça promocional da canção e enviá-la ao programa de Ed Sullivan, já que não tinham mais saco para comparecer ao vivo no estúdio.




3-Prince - "Purple Rain" (1984)

Até hoje não chego a conclusões sobre o que seria exatamente a “chuva roxa”, mas com certeza deve ser alguma sacanagem do Baixinho. Não sei se é a guitarra do começo, ou o eco da voz, mas há uma dose de eterna nostalgia nesta canção que poucas outras alcançam nos cérebros introduzidos à música nos anos 1980.




2-Eurythmics – “Here Comes The Rain Again” (1983)

Acordes menores, sintetizadores pomposos, falésias, xales, lampiões, seculares casas de pedra. Melancolia eighties saltando pelos poros. Caindo em nossas cabeças como uma memória, da mesma forma que a chuva caía sobre Annie Lennox e Dave Stewart.



1-Bob Dylan - "A Hard Rain’s A-gonna Fall” (1963)

Há 50 anos, Bob Dylan vem se esquivando do rótulo de Messias Salvador que lhe impuseram no início de sua carreira. “I’m not the one you want, I’m not the one you need’, já dizia ele em 1964 com “It Ain’t Me Babe”. Mas, se pensarmos bem, era bem difícil de não entrar na onda. Dylan pegava a estrutura da folk music americana, musicalmente simples e normalmente base para letras voltadas para o cotidiano e o trabalho, e escrevia grandes tratados enigmáticos dos quais transbordavam imagens que nem o próprio saberia explicar. Poderiam ser interpretadas, no final das contas, de mil maneiras. No caso de “A Hard Rain’s A-gonna Fall”, a chuva do título foi automaticamente taxada de “ácida”, por causa das tensões nucleares da época em que foi escrita, o auge da Guerra Fria. Ele disse que era simplesmente uma chuva das grandes. Que, segundo os versos, viria para lavar o mundo testemunhado pelo homem que já viu e fez de tudo nesta vida, de ter atravessado “sete tristes florestas” a patinado por “uma dúzia de oceanos mortos”.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Discos, leads e nada mais





Às vezes fico pensando em qual a origem e o motivo de invenções como “Dia do Encanador”, ou “Dia do Otorrinolaringologista”. O que acontece nestas datas? Por exemplo hoje, 7 de abril, é Dia do Jornalista no Brasil. E nunca ouvi falar de redações que promovem confraternizações nas quais repórteres, editores e fotógrafos deixam seu sarcasmo e mau humor em casa para brindar com bolo e Guaraná. Enfim, para mim isso é um mistério.

Mas também não custa nada puxar a sardinha para o lado do Mala da Lista e festejar alegremente o Dia do Jornalista com uma das grandes obsessões dos criadores de capas de discos: aquelas baseadas em páginas de um jornal. Uma “ideia brilhante” repetida um número de vezes bem maior do que a autenticidade admite. Aqui, as mais divertidas.


10-Eric Burdon & War – “Love is All Around” (1976)


Se não sai muito do feijão com arroz na diagramação, pelo menos se diferencia dos outros desta lista por usar uma série de releases sobre si próprio como conteúdo das falsas reportagens.



9-Four Seasons – “The Genuine Immitation Life Gazette” (1969)



Mais conhecida como banda do Frank Valli (o cara que gravou o megahit “Can’t Take My Eyes Off You”), o Four Seasons era um grupo de pop certinho dos anos 1960 que aqui tentava bancar o psicodélico e moderninho. A começar pela capa.



8-Bezerra da Silva – “Violência Gera Violência” (1988)


Sensacionalismo para concorrer com o extinto Notícias Populares: o próprio Bezerra denunciando as barbaridades brasileiras em enormes manchetes.



7-Tom Waits – “Heartattack and Vine” (1980)


Não inova – as manchetes são títulos das canções, como em outros casos – mas mesmo assim é estilosa, com a foto Waits pós-balada e a textura de jornal guardado em fundo de armário.




6-John Lennon, Yoko Ono and Plastic Ono Band – “Some Time in New York City” (1972)


Também não acrescenta muito à ideia original, mas ganhou várias posições neste Top 10 quando descobri que a montagem dos dois caras dançando pelados à direita é “protagonizada” por Richard Nixon e Mao Tse Tung




5-Prince – “Controversy” (1981)


Já até imagino o diretor de arte sugerindo a Prince a brincadeira com os recortes de jornal. E deduzo sua resposta: “claro que sim, mas eu fico em primeiro plano. E fim de papo”.



4-Pete Seeger – “Gazette Vol. 2: Songs By Peter Seeger” (1961)


É difícil ter certeza em 100%, mas este álbum do hoje quase nonagenário cantor de folk americano parece ser o modelo original. Ou seja, há quase meio século se produzem capas de discos inspiradas em periódicos. Bacana não só por isso, mas pelo caráter rústico e naïve da diagramação – como podiam ser alguns jornais da época – e o tom de editorial da chamada principal.




3-Jethro Tull – “Thick as a Brick” (1972)


Um clássico do gênero, que brinca com a importância que um jornal local é capaz de dar para as banalidades de uma cidade onde nada acontece.




2-Roxette – “Look Sharp!” (1988)


Pelo menos apareceu com uma solução gráfica diferente, com a foto central estilo tapete vermelho ocupando quase toda a primeira página.




1-Guns n’Roses – G N’ R Lies (1988)


O que mais convence no conceito “tablóide sensacionalista”. Deve ser por causa do logotipo chamativo. Combinação que correspondia exatamente ao estilo de vida dos integrantes da banda. Eles aparecem separadamente nas fotos, com seu visual tradicionalmente podreira, entre títulos das músicas e manchetes chocantes do tipo “elefoa dá à luz um anão”.