quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Estética do Xilindró



A cobertura das eleições brasileiras pela mídia da Espanha tem sido chôxa, pelo menos em comparação com os últimos pleitos de ex-colônias do país, como Argentina e Colômbia. Mas a cada vez que o assunto é tratado na TV, a imagem de fundo da matéria é a foto de Dilma Roussef de quando foi presa, em 1970, por seu envolvimento com a luta armada contra a ditadura militar.

Mal sabem os ibéricos que na atual conjetura política tupiniquim abundam ex-guerrilheiros, tanto na situação (o Ministro de Comunicação Social Franklin Martins), quanto na oposição (Fernando Gabeira). Também ignoram que a estética do xilindró já foi explorada antes nas paragens verde-amarelas, como nas camisetas que em 2002 circulavam estampadas com a foto de Lula, barbudíssimo, fichado pelo Dops em seus anos de sindicalismo.

Estética essa, aliás, que é bastante familiar ao mundo pop. Por isso, e porque basta de política, resgato aqui alguns astros que quiseram decorar capas de seus álbuns com toques carcerários.

*Passaram no detector de metais do Mala da Lista apenas os casos em que o próprio autor vê, ou está prestes a ver, o sol nascer quadrado. O que exclui capas clássicas como “Crime of the Century”, do Supertramp (que traz apenas mãos e grades flutuando no espaço).



10-Dexter – “Exilado Sim, Preso Não!” (2005)


Entre as celebridades paulistanas que entrevistei em 2003 para o livro “São Paulo de Todos os Sonhos” (falo disso também aqui), o então detento Dexter, que me atendeu por celular – mas é claro -, foi de longe a mais simpática e prestativa, numa prova de que as aparências enganam (e enganam mesmo: a mais arredia e mal-humorada foi a monja budista Coen). Desde junho deste ano, Dexter cumpre em regime semi-aberto sua pena por assalto a mão armada. Terá mais tempo, esperamos, para preparar uma capa melhorzinha para o novo CD, prometido para 2011.



9-Whodini – “Escape” (1984)


Na primeira metade dos anos 1980 o hip-hop ainda vivia sua fase mais naïve pré-gangsta, mas o trio de Nova York já não estava para brincadeira. O mais curioso é que dá pinta de que eles estejam em um zoológico, e que nem sequer se encontrem do lado de dentro da cela/jaula.



8-Racionais MC’s – “Holocausto Urbano” (1990)


O quarteto estreou em disco com uma de suas obsessões, as capas com cadeia. Além desta há a assustadora de “Raio-X do Brasil, de 1993 e a belíssima da coletânea homônima de 1994, mas ambas não incluem Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay como personagens.



7-James Brown – “Revolution of the Mind” (1971)


Talvez depois de Dexter, James Brown seja o que tem maior intimidade com o xadrez desta lista. Nada como transformar tal relação na capa de um álbum ao vivo.



6-Bezerra da Silva – “Esse Aí que É o Homem” (1984)


“Meu Bom Juiz”, LP do sambista lançado em 2003, traz ele encarcerado e também vestido de juiz. Mas a arte é tão tosca que preferi este, em que o saudoso malandro acaba de “perder” e está em vias de entrar pelo cano, aparentemente nas mãos do Hermes e do Renato.



5-Public Enemy – “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” (1988)


Capa clássica de um álbum mais ainda. Que Chuck D, Flavor Flav e rapaziada andaram relendo na íntegra ao vivo, como testemunhei em 2008 aqui em Barcelona. Vai encarar?



4-Mack Vickery – “Live at theAlabama Women’s Prison”


Este contemporâneo obscuro de Johnny Cash, que trocou o rockabilly pelo country, era ousado: se Cash fizera um disco em presídio para homens (“Live at Folsom Prison”, de 1968), Vickery deu um jeito de gravar o seu numa prisão feminina. A capa ficou com pinta de cartaz de filme pornô, mas tudo bem.



3-Floyd McClellan – “I Am An Ex-Convict From A Florida Chain Gang” (1978)


Outra pepita garimpada pelo blog LP Cover Lover, entrou bem neste ranking pelo traje Irmãos Metralha e pelo olhar perdido de McCellan, que parece muito mais carente de um tratamento psiquiátrico do que atormentado pela falta de liberdade.



2-Chico Buarque - “ParaTodos” (1993)


Em 1961, bem antes de começar a escrever canções com metáforas sobre a ditadura que os censores não entendiam, Chico foi preso por roubar um carro com um amigo. As fotos do fichamento não mentem: ele ainda era “di menor”.



1-Ivan Lins – “Nos Dias de Hoje” (1978)


Até tu, Ivan Lins? É a pergunta que não quer calar esta semana. Pois parece que sim, até ele, Ivan Lins, andou trancafiado entre grades. Nos anos 1960 e 1970 o cantor carioca era bastante politizado, fase que gerou a capa mais crua, autêntica e fiel ao espírito desta lista. E tendo como referência o som de churrascaria que o cara vem fazendo desde os 1980 – e ah, como é difícil não levar isso em conta -, imaginar um milico informando, grave, que “capturamos o subversivo Ivan Lins! Capturamos o subversivo Ivan Lins!”, pode ser dos mais insólitos exercícios.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quem precisa de dentes bonitos?




Quando eu for para o Brasil, no fim do mês que vem, passarei pelo dentista. É algo que não faço há tempos, de tão pavorosos que são os relatos das pessoas que estiveram em cadeiras odontológicas espanholas. Aqui é normal uma pessoa voltar de um consultório com um dente a menos ao reclamar de uma simples cárie. Arranca-se dentes na Espanha do século 21 como se ainda estivéssemos na Guerra Civil de 70 anos atrás.

E não só: é socialmente aceitável um apresentador de TV com boca de Jeca Tatu, e até mesmo uma gata ou um boa-pinta saírem para balada com um dente da frente faltando. Ou seja, dentista, para os que desfrutam as políticas igualitárias mas mal-pagas do bem-estar espanhol, é luxo. Certa vez minha irmã Adriana , por exemplo, ouviu um estrondoso e irônico “óóóóóóóóóóó´!!!” quando comentou a um grupo de amigos, em sua maioria chefs e sommeliers fartamente remunerados da alta gastronomia ibérica, que iria cuidar da arcada dentária no dia seguinte. De forma que um Dia do Dentista, como celebra-se no Brasil na próxima segunda-feira, não faria muito sentido por aqui.

Daria para viajar em uma série de teorias para o desmadre dental geral desta nação, mas 100 % certo mesmo é a contribuição para isso do tal do desprendimento estético europeu, onde (ainda bem) ninguém liga – ou finge não ligar – para como o outro está vestido, se fede ou não, se não há nada faltando em sua boca. Deve ser por isso que 8 dos 10 integrantes desta lista são europeus. Mas lista de quê? Ora, nem precisa falar: dos piores dentes da música pop.

*Menção honrosa para Elvis Costello e Flea, com dentes frontais separadíssimos, mas que em seus casos acabou rendendo-lhes um charme extra.



10-Goldie




Muitos músicos, especialmente rappers, enchem a boca de ouro para demonstrar algum status. No caso do pioneiro do drum and bass Goldie, a tentativa de fazer moral com a rapaziada se misturou a uma dentição naturalmente problemática da maneira mais espalhafatosa, numa confusa combinação de placas bacterianas, tártaro e pedras de alguns quilates. Deu certo, afinal “Ourinho” já pegou muita gente, de Naomi Campbell a Björk.


9-Johnny Rotten (Sex Pistols)



 O codinome Rotten (“podre”) veio justamente do estado em que se encontrava a dentição de John Lydon no começo de sua carreira. Desde o estouro dos Pistols em 1976 até hoje em dia, não faltaram dinheiro ou oportunidades para dar um trato, mas Johnny sacou que um sorriso Cepacol em seu caso perderia bastante a graça.


8-Amy Winehouse


Amy segue o mesmo estilo de Rotten. Mas ela o supera no ranking, porque de um cidadão conhecido como Joãozinho Podre que toca na mais controversa banda punk inglesa até se admite a janela. De uma neo-diva soul que um dia foi estilosa e até mesmo gostosa, não.


7-Justin Sullivan (New Model Army)




A coisa começa a esquentar. Afinal o buraco é mais embaixo quando o... er.... buraco é mais no meio.


6-Paul McCartney




Sim, foi temporário, mas Paul MacCartney esteve com o dente frontal esquerdo quebrado, por causa de um acidente de motoca, quando os Beatles ainda estavam no auge (1965-1966). E mais, consta que permaneceu assim pelo menos por seis meses, período que inclui a gravação do clipe da música “Rain” (foto). Para analisarmos o tamanho do descuido, seria como se hoje em dia somássemos as maiores bandas pop, vamos dizer U2 e Coldplay, tendo como vocalista uma mistura de Beyoncé e Lady Gaga. Pois imagine o impacto deste suprergrupo multiplicado por três, e em seguida visualize um de seus principais integrantes sendo banguela. Nem o Google aguentaria tanta repercussão.


5-Chet Baker


Ah, as noites em claro. Ah, as mulheres. Ah, as doses de heroína sem fim.
Ah, como a conta saiu cara para os excessos de Chet Baker. Entre as despesas mais pesadas, os anos na prisão, a aparência de 100 anos de idade quando tinha 50 e a perda dos dentes da frente numa surra.


4-Richie Havens


Na mesma linha de Baker vai o herói do folk negro Richie Havens, que fez o show inaugural de Woodstock segurando a bronca de 400 mil hippies apenas com voz, violão e nenhum dente superior sequer. Meu amigo Cláudio Versiani, grande fotógrafo e jornalista, tem em sua parede um retrato ao lado de Richie em um show mais recente nos EUA. Nela, o cantor já aparece com sua prótese (dentadura?) adquirida no final dos anos 1970.


3-Jerry Dammers (The Specials)




Mais chocante do que não exibir nada em cima é passar a vida toda com uma janelona tripla dessas. Já era marca registrada do tecladista dos Specials quando eles inventaram o ska-rock há mais de 30 anos, e continua sendo agora, quando a banda voltou aos palcos e ele se recusou a participar.


2-Shaun Ryder (Happy Mondays)


Shaun era assim...
No primeiro dos dois shows que vi da volta dos Happy Mondays aqui em Barcelona, em julho de 2006, Shaun Ryder estava prestes a fazer sua primeira visita ao dentista em duas décadas. Aos 44 anos de idade, boa parte deles dedicada a extravagâncias comparáveis à do banguela Chet Baker, ele finalmente gastaria mais de 10 mil libras para trocar ou recuperar cada mísero dente. O cirurgião que trabalhou por seis horas em sua bocarra não ocultou a verdade: “Shaun’s teeth were as bad as you can get”.


...e ficou assim


1-Shane MacGowan (The Pogues)




Volto ao começo do post em estado de alerta: todos os 8 europeus do ranking são ingleses ou ingleses por adoção (Jerry Dammers nasceu na Índia). E destes, seis cresceram num período bastante decadente da Inglaterra, a segunda metade da década de setenta e primeira da de 1980. O que nos leva à suposição de que, entre outras privações vividas pela nação de Margaret Tatcher, estavam a escassez de água fluoretada nas torneiras ou até mesmo de pasta de dente nos supermercados. Ou alguém imagina que Shane McGowan viu algum dia uma escova pela frente? Pelo menos até sua recente decisão de se auto-banguelar e aderir à dentadura, é difícil mesmo conceber.

Numa hilária reportagem da revista inglesa Mojo do começo deste ano, Shane infernizou a vida do jornalista, o enrolando infinitamente sobre a hora e o local da entrevista, que nunca saía. Acabaram combinando o encontro de madrugada num pub, onde o repórter já o encontrou bebaço. Não satisfeito, MacGowan ainda convenceu o pobre a acompanhá-lo a uma espécie de chalé no meio do nada, ao que arrastou, inapropriadamente, outro camarada ainda mais alcoolizado que insistia em dar pitacos na conversa. MacGowan chegou totalmente banguela ao casebre. Perguntado sobre onde teria ido parar a dentadura do figura, o amigo do músico respondeu ao jornalista: “é bem possível que ele a tenha esquecido no bar”.

sábado, 9 de outubro de 2010

Dia das Crianças: eles também tiveram o seu




Em 2009, a edição de Dia das Crianças do Mala da Lista celebrou as cinco melhores capas de álbuns protagonizadas por meninas e meninos, e as cinco mais legais com bebê. Este ano, especialíssimo pelo nascimento do André, o Malinha da Lista da foto acima, pede comemoração ainda mais dedicada, em moldes parecidos.

Por isso aqui vai nova seleção de portadas, só que agora valem apenas as que trazem fotos dos próprios artistas quando pequenos.

*“Go Back”, dos Titãs, seria uma das favoritas, mas dança porque foi utilizada no post do ano passado (faltou visão a longo prazo ao Mala, que ainda não havia concebido um top 10 só com os futuros astros).

 

10-Beto Guedes – “A Página do Relâmpago Elétrico” (1977)


A sensacional foto que ilustra “Clube da Esquina” (1972), o campeão do outro post de capas infantis, fez escola na turma de Milton e Lô Borges. O chapa Beto Guedes quis uma parecida logo no trabalho de estreia.



9-John McLaughlin – “Electric Guitarrist” (1979)



É impressão minha ou transparece um certo ar de maturidade no olhar do então jovem guitarrista inglês? Ele parece mais velho, não?



8-Caetano Veloso – “Uns” (1983)


Caetano já disse que esta é uma de suas capas preferidas. Deve ser não só pelo aspecto nostálgico, mas também porque os que aparecem na foto em sua companhia são seus irmãos Rodrigo e Roberto.



7-Johnny Cash – “American VI: Ain’t No Grave” (2010)



Percebe-se que pouca coisa mudou na fisionomia de Johnny Cash entre as quase sete décadas que separam sua infância de sua morte, em 2003. O retrato estampa seu recém-lançado álbum póstumo, com sobras de sua aclamada série de regravações “American”. Inclui sua composição “I Corinthians 15:55” que, dizem, teve inspiração bíblica. Mas não sei não, está mais para o horário em que a Fiel se senta à frente da TV aos domingos.



6-Eric Clapton – “Reptile” (2001)

Como o número 7 e outros dois deste top 10 sugerem, este tipo de capa esteve em alta na última década. Esta com Clapton é das mais simpáticas.



5-Stan Getz – “Captain Marvel” (1972)



Outra, digamos, fofa. E um elemento “raízes”para contrabalancear a mudança de estilo de Getz, que neste disco mandava um abraço às tradições e aderia à novidade daquele período, o jazz fusion.



4-Billy Cobham – “Life & Times” (1976)



Já que falamos em jazz fusion, um dos mais notáveis bateristas do gênero também acatou a ideia de revisitar os “early years” na capa. O efeito da mão segurando a foto envelhecida – o panamenho Cobham tinha 6 anos então – ainda deu um toque extra de beleza.


3-Paul McCartney – “Chaos & Creation in the Backyard” (2005)



Nem mesmo entre os Beatles a ideia fora original, pois John Lennon já reverenciara sua juventude na embalagem de “Rock’n’Roll”, seu disco revivalista de 1975. Mas a capa deste senhor álbum de Paul, produzido por Nigel Godrich (o homem por trás dos discos do Radiohead), brilha por mostrá-lo já sendo um músico mirim, mesmo estando no desestimulante cenário formado por lençóis lavados pela Sra. McCartney. Ah, e a de Lennon fica de fora porque na verdade ele já era um jovem adulto quando se deixou clicar em jaqueta de couro.


2-Phil Collins – “Going Back” (2010)



Nos mesmos moldes do número 3, um histórico registro de Phil Collins já se aventurando com as baquetas anos luz-antes do estrelato. A imagem condiz, aliás, com a proposta deste disco que acaba de sair, preenchido por releituras de canções que ele ouvia na juventude (para isso até monstros sagrados dos estúdios da Motown, como o baixista Bob Babbitt, foram recrutados). Mas... OK, admito: a capa é incrível na verdade por atestar que sim, um dia Phil Collins teve cabelo!


1-Lil Wayne – “Tha Carter III” (2008)


Não precisava da brincadeira photoshopística de enxertar na foto os badulaques gangsta (as tatoos e os anéis de ouro); nem do sempre vendável selo de “Parental Advisory”; também não importa o fato de pelo menos outros dois rappers mainstream já terem estampado suas bolachas com fotos de crianças antes (Nas em “Illmatic” com imagem dele menino, e Notorious B.I.G. em “Ready to Die” com um baby alheio). Nada impediria Lil Wayne de levar o trono com esta capa.