quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

2000-2009: Os anos Indie






No post The iPod Years, falei sobre os dez álbuns internacionais favoritos do Mala da Lista entre os lançados nesta década. A duas semanas da troca do 0 pelo 1 no terceiro dígito, o blog publica a lista que ainda devia, a dos dez discos brasileiros que mais cativaram seu autor neste começo de milênio.

Uma década muito interessante para a música no Brasil, aliás. Bem diferente dos burocráticos anos 90, vividos sob a ressaca do bombástico BRock oitenteiro, com seus sobreviventes acomodados em insossos discos acústicos e tendo basicamente a MTV como um oscilante termômetro pop - a emissora investiu em jóias do quilate de Chico Science e os Raimundos do começo, mas também em barcas furadas over como Tihuana e Charlie Brown Jr..

Mercado cheio de potencial, mas infestado de vícios, injustiças e problemas financeiros, o brasileiro virou de cabeça para o ar entre 2000 e 2009. Dá para dizer até que a tal da revolução fonográfica chegou antes em nossas terras do que na gringa. Por causa justamente desta fragilidade mercadológica, bem como a evolução e democratização das tecnologias de registro em estúdio - nunca foi tão fácil gravar -, cada nova iniciativa ou tentativa de mudança repercutiu com mais força. Em 2001 bandas como o Karnak já se propunham a priorizar a internet para a comercialização de seus trabalhos, e também apostavam no sistema de venda em bancas criado por Lobão dois anos antes. Logo depois a revista Outra Coisa, editada pelo próprio, instituía o lançamento mensal de álbuns, alguns deles bem bons (um deles veio parar aqui), no mesmo formato.

Em termos de grana, diga-se a verdade, pouco se lucrou com os novos mecanismos, e quase ninguém escapou do perrengue da falta de dinheiro para se viver fazendo música. Mas aos trancos e barrancos, e com a vantagem de serem mais livres artisticamente, os independentes foram conquistando público e atenção dos meios de comunicação nacionais e, via myspace e afins, muitos chegariam ao exterior. Alguns, como Cansei de Ser Sexy e Céu, dariam a volta ao mundo sem precisar da alavanca da mídia massiva ou das BMGs e EMIs da vida.

Os grandes festivais brasileiros com nomes internacionais deixaram de escalar bandas tupiniquins consagradas e filiadas a majors, como era o costume nos anos 80 e 90, e foram cavar no meio indie seus convidados (que não necessariamente eram mais "opening acts" coadjuvantes).

A busca por um contrato com uma grande gravadora, que até o começo da década ainda era um sonho de muitos, passou a ser a última opção dos artistas. Não só pela proliferação de selos independentes (até eu participei da criação de um) dispostos a bancarem novas apostas, mas também pela falta de faro e tato das majors e seus contratos-armadilhas, em que muita gente boa ainda continuaria a cair. Não é à toa que, na hora do balanço final, apenas duas bolachas editadas por grandes gravadoras entrariam neste lista (os itens 8 e 6).

Na intersecção de todos estes elementos criou-se uma cena realmente instigante e farta, com centenas de bandas trazendo boas e más ideias de todos os cantos do país - do tecnobrega do Pará ao rock gaúcho, passando por um hip-hop em rápida mutação -, e cruzando informações em festivais bacanas. Sem executivos no pé, a moçada bateu cabeça por conta própria, errou sem levar bronca e experimentou aos montes, como há tempos não fazia. Desta maneira, elevou o padrão de qualidade e o já notório ecletismo musical brasileiro. Algo que acabou por atrair inclusive a atenção de alguns poucos veteranos afinados com a inquietude, como Tom Zé (que leva aqui uma menção honrosa pelos quatro álbuns ainda cheios de surpresas e tesão que lançou nestes anos) e o sempre atento Caetano Veloso.

Por falar em figurões, esta foi também uma década em que recém-chegados quiseram mostrar reverência ao passado. Os recifenses do Del Rey (Mombojó nas horas vagas) prestam tributo a Roberto Carlos; o Instituto homenageia a fase "Racional" de Tim Maia; a Nação Zumbi se traveste de Sebozos Postizos para reler Jorge Ben, algo que o próprio fez, a contragosto, em seu "Acústico MTV"; projetos como "Disco de Ouro" e "Com:tradição", do Sesc Pompéia, em SP, uniram velhos mestres e novas promessas em inovadoras parcerias. Algumas viraram álbum, como o encontro entre Maria Alcina e Bojo ("Agora") e Elza Soares e Mugomango ("Vivo Feliz").

Com novatos ou velhos conhecidos, os critérios desta lista são os mesmos da internacional. Não vale mais de um disco de um mesmo artista e dá-se preferência a álbuns que criaram uma estética como critério de desempate. Leiam, opinem, mandem suas listas, porque o Mala aqui quer conhecê-las e publicá-las.

10-Seu Jorge - "Samba Esporte Fino" (2001)



Galã, boa-praça e ator com importante participação em "Cidade de Deus", Seu Jorge acabou sendo tão hypado nestes anos 00 que quase dá para esquecer a origem do burburinho. Há até quem não saiba que o ex-Farofa Carioca (uma banda que poderia ter rendido bem mais do que de fato rendeu) de versátil voz de trovão - ótima tanto para funks quanto para diferentes linhas de samba - estreou em carreira solo de cantor com o pé direito.

Uma pena que sua gravadora de então, a independente Regata (extinta pouco depois do lançamento), não deu conta da divulgação, e "City of God" e sua bizarra ponta em "The Life Aquatic of Steve Zissou" acabaram por ser o motivo oficial da badalação em torno do cantor. "Samba Esporte Fino" poderia ter sido um dos raros encontros musicais brasileiros de qualidade e popularidade, já que tinha uma série de canções não apenas boas, mas também grudentas, como o samba-rock "Carolina", o partido alto "Pequinês & Pitbull" e o samba-funk "Chega no Suíngue", todas reforçadas por bons arranjos e um molho setenteiro na produção.

Sem muita paciência para gravar discos, Seu Jorge não fez mais nada à altura desde então. Se continuar assim, logo será uma espécie de novo Carlinhos Brown. Ou seja, uma celebridade musical internacional identificada com o "retrato do Brasil contemporâneo" e outros clichês, mas que fora de seu quartel-general ninguém sabe explicar direito o porquê de tanto paparico.

*Uma música: "Te Queria"


9-Cidadão Instigado -"E o Método Tufo de Experiências" (2005)







Entre os compositores brasileiros modernos, o cearense Fernando Catatau é o responsável pelos sons que mais podem surpreender e mexer com seus brios. Seja êxtase ou irritação a reação que lhe provocam suas canções amalucadas, impossível é ficar indiferente. Uma bola que ele recebeu de Tom Zé, com quem aliás comparte uma curiosa familiaridade vocal. Comprando a briga e se submetendo a não ser compreendido muitas vezes, e chato em outras, o segundo disco da banda de Catatau, é daqueles que marcará uma época e instigará outros inovadores a dar a cara a tapa.

A "culpa" não é apenas das letras, ora lúcidas demais ("Silêncio na Multidão"), ora delirantes em dose cavalar (a fantástica "Os Urubus só Pensam em te Comer"). Catatau chuta o balde também pelos experimentos em estúdio e pelos arranjos que, num golpe de segundos, podem pular de um inferno de guitarras tensas a la King Crimson a insanos baiões, fazendo escala em teclados oitenteiros e doces melodias pop. E seu Cidadão provoca o blasesismo do eixo Sul-Sudoeste compondo confessionais baladas brega ("Te Encontra Logo" e "O Tempo"). Uma cutucada transferida a letra de música em "Apenas um Incômodo", sobre o preconceito contra nordestinos, que finaliza com o grito ameaçador "me aguente!!!".

O recado foi dado e hoje não falta quem o obedeça, inclusive alguns gringos garimpeiros das esquisitices brasileiras. "Não acho certo focar no mercado de world music, acho esse caminho meio perigoso", me disse Catatau, farto em razão, em entrevista para a revista da MTV de março de 2007.

*Uma música: "Os Urubus só Pensam em te Comer"

8- Los Hermanos - Ventura" (2003)


A trajetória mais cinematográfica da década foi a do Los Hermanos: explodiram com o megahit "Ana Julia" que, de Jim Capaldi a bandas de axé, todo mundo gravou; foram perseguidos por isto; se isolaram para gravar o segundo disco, "O Bloco do Eu Sozinho"; deram a volta por cima, encantando críticos com a nova bolacha; criaram um séquito de fanáticos muitas vezes assustador e irritante, mas comovente; fizeram mais dois álbuns, entre eles "Ventura", e centenas de shows lotados que pareciam missas, com fiéis urrando cada letra de cada verso; penduraram as chuteiras e partiram para projetos paralelos ou carreiras individuais. Tudo isso em menos de oito anos.

Por trás de toda esta novela, além da idolatria de um público que não se via desde a Legião Urbana, estavam boas canções, de dois bons autores (Camelo e Amarante) e muita coragem. Coragem de falar de amor sem vergonha, de evocar técnicas de Chico Buarque (a obsessão pela alegria efêmera do Carnaval e o olhar feminino para escrever certas músicas), de se assumir perdedor como o Weezer, e de botar hardcore, samba, indie rock, ska e valsa para conversar.

Mais uma vez, trata-se de uma história de riscos que valeu  a pena ter sido percorrida, com seus altos e baixos. E se "O Bloco do Eu Sozinho" (2001) é histórico por ter inaugurado o mito hermano, "Ventura" é o retrato de uma banda que já conhecia o caminho das pedras. As canções eram ainda mais apropriadas ao coro de milhares aos berros, mas vinham com um quê maduro e calejado especial. Entre elas, "O Vencedor", que de quebra gerou o clipe mais emocionante da década.

*Uma música: "A Outra"


7- Hurtmold - "Hurtmold" (2007)


O seu avô diria que nada podia ser mais paulistano musicalmente do que Adoniran Barbosa. Sua mãe preferia Premeditando o Breque e Itamar Assumpção. Mas como você, nascido no último quarto de século 20, traduziria a megalópole por meio de sons? Eu respondo: com um disco do Hurtmold. Pode parecer bastante abstrata a tese, posto que o sexteto faz música sem letras há alguns CDs. Mas insisto que ninguém atualmente traduz em música os contrastes, perigos e prazeres da cidade - e a tensão e excitação de vivê-la - como o Hurtmold. Não são necessárias palavras. Escrevo isso na qualidade de paulistano expatriado que escuta certos sons para se sentir mais em casa.

No começo falaram tanto (eu inclusive) "tem influência de Fugazi" ou "parece muito Tortoise" que a banda suou ainda mais a camisa para criar uma cara autêntica, o que fez de cada disco uma experiência intensa à sua própria maneira. Buscaram tudo que é tipo de referência, do free jazz cabeçudo - utilizado em pílulas de posologia precisa, como fez o Radiohead no final de "The National Anthem" - ao dub jamaicano, passando por suas origens hardcore e os afro-sambas de Baden Powell. Tocando o jazz como os não-jazzistas que são e batucando como os não-sambistas que são, triunfaram na concepção de algo muito particular e precioso. "Hurtmold" é o resumo de todos estes passos.

"No começo não tínhamos desenvoltura para trabalhar as nossas muitas influências", me contava o baterista Maurício Takara, uma das figuras chave da cena experimental de SP na década, numa entrevista para o site da MTV de outubro de 2004, época do lançamento do ótimo disco "Mestro" (fora desta lista por pouco). "No Hurtmold não temos idéias pré-estabelecidas. Nunca tive liberdade desse jeito em outros trampos". Dá para perceber. Você aí, paulistano ou não, ouça e comprove.

*Uma música: Hali Djascar

6-Marcelo D2 - "À Procura da Batida Perfeita" (2003)


Deu tanto Marcelo D2 nesta década que até cansamos do cara. Mas pelo menos um bom motivo houve para que chegássemos a este ponto. Seu segundo disco solo, farto em belos samples de groove setentista nacional e escasso em apologias à maconha – tem coisa mais chata do que isso? -, é bom pra caramba.

Eu percebi parte do potencial quando o escutei, antes do lançamento, na casa do produtor responsável, David Corcos, no comecinho de 2003. Mas só depois de ver o impacto que causou em todo o país acabei de entendê-lo. E o fato de ter obtido tanto êxito é dos mais louváveis. Uma nova modalidade de pop ganhava seu espaço, o do rap misturado com samba e feito com garra, bom gosto e para as massas. 

Que ainda traz sua quota de lenha na fogueira – ouve quem interpretasse "Qual É?" como um recado ao rap mais carrancudo de São Paulo.

*Uma Música: "A Maldição do Samba"



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