terça-feira, 20 de outubro de 2009

2000-2009: The iPod Years




Nas enciclopédias de um futuro mais ou menos próximo, uma frase como esta acima definirá nossa década. Olhando para trás com algum distanciamento cronológico, poderemos por fim observar claramente o tamanho da revolução que aqueles velhos anos 00 representaram na maneira de se apreciar música, tecnologicamente falando.



Também será possível notar como a mudança descomunal - possivelmente a mais radical desde a própria invenção do disco - foi o ippon na Indústria Fonográfica como a conhecíamos e democratizou como nunca o acesso à informação musical.



O que é uma faca de dois gumes, aliás. Lembra daquele Zé Mané da adolescência que sentava do seu lado na escola e não dava a menor pelota para os discos importados pelos quais você dava a alma na Galeria do Rock? Agora ele possui, em seu hard disk de um tera, todos na versão original, além das edições remasterizadas com bônus tracks e os cortes em mono que só saíram do Japão. Mas ele nem sabe que tem nada disso, e se souber nunca vai escutar. Afinal, sob certos aspectos as coisas não mudam tanto assim, e ele ainda faz questão de ser o mesmo Zé Mané de 1993.



Mas o que não se altera também, ainda bem, é a capacidade dos artistas de reinventarem a música. Ranzinzas que me perdoem, mas independentemente de como chegaram aos tímpanos das pessoas - se em MP3, MP4 ou alguma outra sigla -, os discos bons surgiram aos montes entre 2000 e 2009. Por isso, e porque não é todo dia que uma década acaba, o Mala da Lista, que havia dito que tentaria fugir das listas-clichê, abre aqui uma exceção para selecionar os álbuns internacionais de que mais gostou entre os lançados no período. Neste primeiro post, do número 10 ao 6.



Não foi nada angustiante tirar as dúvidas que ainda pairavam sobre os dez-mais definitivos. A todos os finalistas ordenei "já para o iPod" (sempre ele...), e a partir de então sucederam-se audições consecutivas em caminhadas, corridas, pedaladas ou cambaleadas em ziguezague pelas ruas de Barcelona. Azarões atropelaram por fora na última hora e favoritos perderam fôlego no sprint final, como em toda disputa emocionante.



Basicamente, estes integrantes do Top 10 2000-2009 são:



-discos que criaram um universo inédito, uma estética totalmente ou quase totalmente original, e que já influenciaram muita gente.



ou...



-discos que são gloriosas atualizações de tradições sólidas na galáxia pop. Podem não ser os mais inovadores da paróquia, mas igualmente me inspiraram e influenciaram.



A primeira categoria pesou a favor como critério de desempate, por exemplo, na decisão entre o primeiro e o segundo colocados. Outra regrinha foi descartar a repetição de artistas: dois títulos que fossem do mesmo autor e estivessem aptos à lista final tiveram que se digladiar numa espécie de eliminatória mata-mata, com prorrogação e decisão de pênaltis.



Em comum, os dez álbuns podem dizer que foram e ainda são habitués de meu CD player ou iPod. E que se candidatam seriamente a sobreviverem à passagem do tempo, nos moldes da teoria do escritor japonês Haruki Murakami no precioso livro "Tokyo Blues". Segundo ele - se referindo aos livros, e eu adapto aqui para os álbuns - só se analisa a excelência de uma obra trinta anos após a morte de seu autor. Em 2039 a gente se fala, então.






MEUS DISCOS DA DÉCADA - DO 10º ao :



10-Amy Winehouse - "Back to Black" (2007)




A esta altura, você já deve sentir náuseas à simples menção do nome da cantora inglesa. Eu mesmo estou controlando a golfada e respirando fundo. Mas o que devemos tentar evitar, como certamente não faz o Zé Mané do segundo parágrafo, é julgar um artista pop por sua incidência nos tablóides. Fosse assim, Michael Jackson seria o mais desprezível dos cantores em todos os tempos.

Antes que sucumbisse à superexposição e ao estilo Geraldão de ser, Amy Winehouse gravou uma belíssima coleção de canções que nos transportou para algo próximo dos golden years da Motown e dos singles de Phil Spector. E não só porque "Tears Dry on Their Own" é filha de "Ain't no Mountain High Enough" (Amy até deu crédito ao casal Ashford & Simpson, autor do hit de Marvin Gaye), mas também porque a adorável magrela desdentada recuperou um pouco da equação que encantou o mundo nos anos 1960: música negra de qualidade + malícia + produtores e músicos espertos = magia pop.

E ainda que a produção de Mark Ronson e os arranjos vintage da banda acompanhante, Dap-Kings, sejam de um bom gosto e um suíngue irretocáveis, o mérito principal é de Amy. Sua voz sacana e segura e a pegada vira-lata de suas letras - nos EUA a bolacha ganhou o famoso selo "Explicit Lyrics" - e seu carisma de mulher de malandro foram irresistíveis. Vale lembrar que os mesmos Dap-Kings foram os sidemen de outra bela bolacha, "100 Days, 100 Nights", de Sharon Jones, uma cantora ainda mais potente que Winehouse, mas sem o "mojo" necessário para vender mais de 12 milhões de cópias.

*Uma música: "Rehab"




9-Paul Weller - "22 Dreams" (2008)




Em seu cinquentésimo aniversário, o ex-vocalista do Jam e do Style Council nos deu de presente um disco que não falha da primeira à vigésima-primeira faixa (os sonhos são 22, mas as canções não passam de 21).



E é nada menos que comovente escutar, embasbacando-se, como o cara destila o que aprendeu em três décadas. Com raiva e amor, rhythm and blues enérgicos se entrelaçam a baladas de cortar o coração, enquanto peças instrumentais abrem caminho para doces melodias pop. Não tem erro.



Tocadas por gente que endeusa Weller, como Noel Gallagher e Graham Coxon, as guitarras de "22 Dreams" encheriam Neil Young de orgulho. Elas servem de tapete para sua voz em estado de graça, pela qual vibram graves de arrepiar a espinha. Um disco para tampar, com bola de bilhar e silver tape, a boca dos que vivem enterrando o rock.

*Uma música: "Have You Made Up Your Mind"


8-El Guincho - "Alegranza" (2007)





Na década em que o sample virou carne de vaca, dá preguiça pesquisar, mas ainda é possível topar com quem encontre novos atalhos para o ofício de recortar e recontextualizar. No caso de El Guincho, nome de guerra de Pablo Díaz-Reixa (integrante da espetacular banda Coconot, da qual ainda falarei), trata-se de seu próprio e inimitável caminho das pedras.



Nascido nas Ilhas Canarias, o arquipélago espanhol que fica mais próximo à África do que da Europa, ele soube centrifugar o heterogenismo de suas referências sonoras com um talento e uma identidade assustadores. Batucadas à caribenha e à canária, faro pop à anglo-saxã, hipnose e texturas à alemã, escalas e melodias a vai-saber-que-lugar-do-mundo. Cabe tudo dentro da máquina de lavar de El Guincho, e o nome da massaroca que ele estende no varal ainda está por ser inventado.



Conceitualmente, lembra vagamente o que Brian Eno e David Byrne criaram em 1981 com " My Life in the Bush of Ghosts". Mas pára por aí, já que, na prática, só se parece mesmo com uma coisa: El Guincho.



*Uma música: "Palmitos Park"



7-Queens of the Stone Age - "Songs for the Deaf" (2002)



Quem disse que o rock pesado também não pode se renovar? Certamente, não foram Josh Homme ou Nick Olivieri, os cabeças do Queens Of The Stone Age quando este monolito intransponível foi parido. Sem querer, "Songs for the Deaf" foi uma rara e interessante referência da década de 00 ao datado grunge. Veteranos "noventeiros" de fato (tocaram no extinto Kyuss), Olivieri buscavam o equilíbrio entre o peso, a sujeira e o pop com afinco semelhante ao da rapeize da Seattle de dez anos antes.

Mas a sua versão da mesma receita saiu do forno bem mais crocante e saborosa, com um espantoso frescor. Uma parafernália pesada, máscula, movida por uma potência nuclear apenas equiparada pelo clássico-mor daqueles dias, "Nevermind". Somente a testosterona despendida pelo riff de guitarra da primeira faixa, "You think I Ain't Worth a Dollar, But I Feel Like A Millionaire" já basta para que o ouvinte assimile o tapa na cara e entre no clima.

E por falar em Nirvana, David Grohl foi um dos heróis grunge angariados para a superbanda em que se converteu o Queens Of The Stone Age durante a confecção de "Songs For The Death" e a turnê que sucedeu seu lançamento. Após anos empunhando voz e guitarra no Foo Fighters, ele coçava as mãos para voltar a tocar bateria numa banda. E, uma vez solto no estúdio, o sujeito só faltou fazer chover: desde Keith Moon não se via um baterista pegar tão de jeito e ao mesmo tempo se divertir horrores num disco de rock.

O outro safra 92 convidado foi o ex-Screamming Trees Mark Lanegan, gogó rouco mais estiloso da atualidade, cujo canto cavernoso grudou nos falsetes de Homme como uma pitoresca e sedutora cola. Para ouvir alto. Muito alto.

*Uma música: "A Song For The Deaf"


6-Sonic Youth - "Sonic Nurse" (2004)



CV Sonic Youth: Quase trinta anos juntos. A mesma formação há 25. Um casal rumo à boda de diamantes, o verdadeiro matrimônio sagrado do indie rock. Uma média de um álbum a cada dois anos e pouquinho que não se altera. Todos eles bons. Ou excelentes.
Enquanto viam a nova onda roqueira 2000 nascer e explodir em sua vizinhança nova-iorquina, Thurston Moore, Kim Gordon, Lee Ranaldo, Steve Shelley e mais o colaborador de luxo Jim O'Rourke (que durou só dois álbuns) apenas seguiram normalmente sua rotina, lançando belos trabalhos de estúdio. "Sonic Nurse" foi o mais certeiro dos quatro editados na década, e em suas entrelinhas lia-se: "vocês são jovens e legais, mas nós somos os caras que vocês imitam, lembram-se?".

O álbum é uma mistura exata dos dois critérios la de cima, já que não traz nenhuma novidade estilística com relação a LPs anteriores da banda, mas mantém justamente a tradição do som inventado pela própria. E que segue sendo copiada aos borbotões. Melodias de primeira, bateria precisa e explosiva, os gritos e sussurros de Gordon (ela cantando "I Love You Golden Blue" para Moore é inesquecível) as dinâmicas de fazer o chão tremer... puro SY no que eles têm de melhor.

*Uma música: "Stones"


2 comentários:

  1. Quando sai a segunda parte, 7???

    Ansioso! A primeira está fantástica!

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  2. E And Then Nothing Turned Itself Inside Out?

    É muto bueno! Nevrálgico!

    O disco tem um punhado de canções com batidas urgentes!

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