Cai nesta quinta-feira (26) a edição 2009 do Thanksginving Day, conhecido também como Dia de Ações de Graças, feriado no qual americanos e canadenses agradecem a Deus pelo ano comendo peru. Será o primeiro da Era Obama, e também uma boa desculpa para recapitularmos aqui o curioso hábito de artistas conterrâneos ao superastro da política de colocar a bandeira dos EUA em capas de discos.
Nenhum outro país tem um catálogo tão farto de bolachas estampadas pelo ícone que o define. Um misto de patriotismo com obsessão que valeria a pena investigar com embasamento científico. Seria até meio sem graça esta compilação, caso o foco fossem as capas com o uso convencional da bandeira. Mas tudo fica bem mais divertido se olharmos para os capistas que empregaram em seus trabalhos aquela velha conhecida, a licença poética.
Ou seja, neste Top 10 vocês identificarão as manjadas listras vermelhas e brancas e as estrelas brancas sobre fundo azul (em princípio), mas perceberão que estes elementos foram rearranjados ou reinterpretados de diferentes e intrigantes maneiras para a obtenção do impacto desejado. Não vale, por exemplo, a portada de "Born in the USA" (1984), em que o Bruce Springsteen posa olhando para a bandeira (embora só se vejam as listas, a bandeira está inteira).
Yes, we can change.... the american flag, of course.
10-MC5 - "Kick Out the Jams" (1969)
Há quatro aparições da bandeira americana aqui. Na mais notável dela, localizada entre o centro e o canto esquerdo, ela está ao contrário no sentido horizontal (com o quadrado azul e as estrelas brancas do lado direito). Pode ter sido uma simples ampliação invertida aleatória. Mas, em se tratando da banda proto-punk mais politicamente engajada, esquerdista a ponto de ter participado da fundação dos White Panthers, não faltam indícios para enxergarmos algo mais nesta capa.
9-Ryan Adams - "Gold" (2001)
Lançado duas semanas após o 9/11, "Gold" deixa claro logo de cara o que o seu autor opinava sobre a administração Bush, então em seu primeiro ano. A bandeira de ponta cabeça não era novidade em protestos de roqueiros - o Rage Against the Machine passou toda sua carreira tocando com a dita cuja ao contrário sobre seus amplificadores- mas o uso numa capa tem um impacto gráfico todo especial.
8-Outkast - "Stankonia" (2000)
A dupla mais ousada do hip-hop posando em frente a uma versão PB da bandeira. Não precisa dizer mais nada, a não ser talvez que pode ter sido uma homenagem conceitual aos dez anos de "Fear of a Black Planet", o fundamental álbum do Public Enemy.
7-Soup Dragons - "Hotwired" (1992)
Nem sequer americana era a banda, revelada pela cultuada coletânea em K7 "C86", editada pela revista NME em 1986. Mas, quando já haviam experimentado sucesso mundial (com a cover de "I'm Free", dos Stones), os escoceses do Soup Dragons recorreram às cores dos EUA para ilustrar a simpática concepção neohippie desta capa.
6-Tortoise - "Standards" (2001)
Semana passada levei meus pais a um show do Tortoise. Apostei que seria uma interessante oportunidade de mostrar o que nossa geração considera vanguardista à minha mãe, fã de música erudita e do ainda moderníssimo alemão Kurt Weill, e ao meu pai, entusiasta de jazz e dos Beatles. Acertei. Saímos igual de satisfeitos, e eu inclusive concordei com a opinião dele de que há "uns 15% de chatice" no maravilhoso som do quinteto de Chicago. E notei bem que, para quem vê e escuta pela primeira vez, o efeito demolidor do Tortoise sobre as barreiras entre gêneros musicais é algo que poderia ser graficamente representado com uma desconstrução, tal qual esta da bandeira. Ah, e por falar em pais, avise os seus de que não se trata de uma coleção de standards da música americana.
5-Sly & the Family Stone - "There's a Riot Goin' On" (1971)
Até ler um pouco mais a respeito da história deste disco, tinha a convicção de que as figuras brancas que substituem as estrelas eram bombas explodindo. Pelo nome do álbum, por ter sido lançado durante a guerra do Vietnã, pela banda ter então ligações com os Black Panthers, pela cor negra ao invés de azul. Mas soube que o próprio Sly concebeu a ideia da capa pensando em sóis, e não bombas, "porque estrela é algo que temos que procurar, e o sol está sempre lá". Também veio com uma desculpa bem riponga para o fundo negro. Mesmo assim, é uma bela capa, apesar de não ser a única (logo o álbum ganharia outra, com foto da banda tocando ao vivo).
4-N.E.R.D. - "Fly or Die" (2005)
Entre os produtores de sucesso no mainstream do hip-hop desta década, os Neptunes só ficam atrás de Timbaland. A dupla, formada pelo também rapper Pharrell Williams e por Chad Hugo, cuidou de singles, remixes e álbuns de infinitos figurões, de Britney Spears a Daft Punk, passando por Jay-Z e Beyoncé. Nas horas vagas, ainda se juntava ao amigo Shay no projeto paralelo mais roqueiro N.E.R.D., que já contabiliza três discos. O segundo traz esta peculiar capa, com o trio emergindo de um curioso ovo-pátria.
3-Happy Mondays Pills - "Pills'n'Thrills and Bellyaches" (1990)
As duas versões da capa deste entorpecido clássico têm soluções originais para enfeitar o nome da banda de Manchester e transmitir sua imagem neopsicodélica da vida. Mas esta, a original que foi vetada por lojistas americanos, é a melhor, toda feita com embalagens de balas e doces. Não é necessário quebrar a cabeça para suspeitar que o embrulho com a bandeira americana que aparece no centro tenha sido o motivo da implicância dos vendedores rednecks.
2-Don McLean - "American Pie" (1971)
O autor de "American Pie", canção em homenagem a Buddy Holly que gente como Madonna e Garth Brooks regravou, nunca obteria um outro hit à altura. Difícil de superar também é a capa, premiada aqui com o troféu joinha de simplicidade eficaz.
1-Black Crowes - "Amorica" (1994)
Claro que esta capa foi censurada (em seu lugar, circulou depois uma versão sem os pelos púbicos e com a pele da modelo trocada por um fundo preto). E claro também que o veto só ajudou a promover o álbum - mesmo sem um grande hit, vendeu suas 500 mil cópias. A foto foi tirada de um especial da revista Hustler lançado em 1976, em homenagem aos 200 anos da independência dos EUA (!).
Pô, e o Bruce Springsteen?
ResponderExcluirSe não vale pela licença poética, vale por ser um dos ícones dos discos a usarem a bandeira dos EUA! E o fato de haver recortado a bandeira e mesmo assim podermos identificá-la, indica um forte grau semiótico na proposta. ;)
ResponderExcluirPode ser, é uma capa clássica mesmo. Só esbarrou no critério de que não é uma capa que altera a bandeira. Enfoca ela de uma forma diferente, é verdade, mas não muda. Valeu, Cris. Abrax
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