terça-feira, 3 de novembro de 2009

Tijolo com tijolo num desenho lógico




O que têm as bandas com as paredes e os muros de tijolo? É mais um destes enigmas do mundo pop. Deve ser porque estes desenhos lógicos lhes deixam mais mundanos, malditos, ou "callejeros", como dizem por aqui. Ou porque é simplesmente uma combinação esteticamente fotogênica sem mais profundas margens a interpretação. Fato é que em uma porção de capas discos estão lá os tijolos como coadjuvantes. Tanto que deu para selecionar só as mais legais, e que ainda por cima ilustram bons álbuns.

Eu já vinha preparando esta compilação, mas ela só sai agora talvez porque ontem tenha reassistido na TV a "The Wall", filme que Alan Parker rodou em 1982 baseado no álbum duplo homônimo lançado pelo Pink Floyd três anos antes. A capa desta ópera-rock, aliás, fica de fora do Top 10 porque só valem as que incluem personagens.

Mas esta curiosidade sobre tijolos deve ter também algo a ver com a obra que estão fazendo no apartamento embaixo do meu. As paredes internas do prédio são finíssimas e a martelada do pedreiro andino parece atravessar o cérebro. Até fui com a Anita dar uma conferida no trabalho dos caras com o pretexto de "echar un vistazo en el piso", quando na verdade o que nos interessava era "cuando acabará la obra de una puta vez". (Descobrimos que o apê , localizado no "entresuelo" - nem térreo, nem primeiro andar -, tem o pé-direito baixo digno do cenário de "Being John Malkovitch", mas isso fica para um outro post)




10-Elastica - "Elastica" (1995)
"Eles eram uma porcaria", me disse Colin Newman, guitarrista e vocalista do Wire, outro dia em uma entrevista. É uma declaração cheia de rancor, já que o Elastica de fato copiou sem dar créditos o riff de "Three Girl Rumba", do Wire, em "Connection", até hoje garantia de sucesso nas pistas. Mas é verdade também que, plágios não-autorizados à parte, o disco é consistentes e oferece outros vários bons momentos além do hit. E a brancura dos esquálidos integrantes contraposta aos tijolos escuros resultou numa das mais marcantes capas do britpop.




9-Run-D.M.C. - "Run-D.M.C." (1984)

Tudo que tenha a ver com o Run-D.M.C. tende irresistivelmente a ser da pesada. Sobre sua influência no hip-hop musicalmente falando, nem vem ao caso discorrer agora neste post. Mas em termos de visual e estilo, vale por exemplo lembrar de capas como esta, do primeiro disco, tosca mas de alguma forma genial. Juntamente com os chapéus, os óculos de D.M.C. e a fetichezação dos tênis e agasalhos Adidas, o retrato que estampa "Run-D.M.C." compõe a idiossincrática imagem da dupla (trio, quando contavam com o finado DJ Jam Master Jay).






8-The Clash - "The Clash" (1977)
O próprio Clash usaria novamente tijolos em uma outra capa de disco (o triplo e sensacional "Sandinista!", de 1980). Mas o impacto desta inaugural é difícil de superar, posto que se tornaria uma das representações gráficas definitivas da estética punk inglesa. Alinhados em triângulo, Paul Simonon, Joe Strummer e Mick Jones posam para Kate Simon (fotógrafa de encartes de artistas de reggae e punk) próximo ao local podrão onde ensaiavam. Como se avisassem que uma grande banda nascia. Terry Chimes, o baterista que gravou o álbum, já havia resolvido deixar o grupo, e por isso não aparece aqui.




7-Paul McCartney - "Band on the Run" (1973)
Como atores, Paul McCartney e seus colegas de apoio eram excelentes músicos (OK, menos Linda). Nenhuma das poses "estamos fugindo" seria aprovada nem no mais chulé dos castings (com a possível exceção do da novela "Explode Coração", que deu o aval ao Cigano Igor). Mesmo assim, a ideia funcionou, inclusive pela canastrice da banda, mas igualmente pelo uso do holofote e o paredão de tijolos.



6-Nick Cave & the Bad Seeds - "The Boatman's Call" (1997)

No domingo assisti a "Shadowplay", documentário sobre Anton Corbijn, o holandês que, não bastando ter dirigido dezenas de clipes fodões e o ainda mais "cojonudo" longa "Control", é o mais importante fotógrafo de artistas pop. E entre seus clientes habituais, além de U2, Depeche Mode, R.E.M. e do próprio núcleo Joy Division-New Order, está Nick Cave. Alguém que não lembro agora diz no filme que Corbijn é tão especial porque extrai, de seus modelos, um 50 % de celebridade e um 50 % de humanidade/intimidade. É uma boa forma de defini-lo e se aplica a este retrato de Cave, condizente com o espírito melancólico deste ótimo LP.





5-Iron Maiden - "Iron Maiden" (1980)

De nada valeria ter um blog se em nenhum momento pudesse fazer qualquer menção a Eddie. Repare bem nesta ilustração: o mascote mais famoso do rock manda ou não extremamente bem? Ele é anterior inclusive a Bruce Dickinson, que neste álbum de estréia ainda não era o vocalista do Iron. E digo mais, é a capa desta lista que sugere mais interpretações. Afinal, que som estaria emitindo Eddie a ao gritar de forma tão ameaçadora? Por que os tijolos são amarelos? Por que Eddie está com esta camiseta com esta gola? Estaria ele de pijama? Ah, Eddie, só você mesmo para encher nossa imaginação com tantos mistérios.




4-Charlie Haden - "Liberation Music Orchestra" (1969)

Quando gravou este álbum, Charlie Haden já acumulava uma década de atividade como um dos principais contrabaixistas do jazz, principalmente em formações ligadas à face "free" do gênero (participou do marco zero do estilo, "Free Jazz: A Collective Improvisation", de Ornette Coleman). Arrebanhando colegas da mesma turma ou com semelhantes visões musicais, tais quais o trompetista Don Cherry e a pianista Carla Bley, Haden fez jus ao "Liberation" do nome e mostrou neste LP o porquê da free ter sido a mais política das correntes jazzísticas, interpretando hinos da luta dos direitos civis nos EUA e canções com referências a Che Guevara e a Guerra Civil Espanhola. É ele, Haden, o que aparece na foto segurando a faixa ao lado direito, tendo uma sólida parede de tijolos ao fundo.




3-The Heptones - "On Top"

Quem olha esses três jovens sentados relaxadamente pode nem desconfiar da magia que emana de suas gargantas. As vozes deste clássico fundamental do rocksteady jamaicano parecem vir de outra dimensão, tamanho o feeling e o bom gosto interpretativo de seus donos, Leroy Sibbles, Barry Llewellyn e Earl Morgan. Quisera eu que fosse a mureta da minha casa.





2-Michael Jackson - "Off the Wall" (1979)

O começo da parceria de Michael com Quincy Jones e a guinada definitiva da carreira adulta do cantor não poderia ter uma capa melhor e mais promissora do que viriam a ser seus extraordinários anos seguintes. Jovem, alegre e confiante, Michael prova um smoking e se deixa fotografar num beco. Pronto pra tudo, ou quase tudo que ainda ia viver. Há versões do disco em que a capa principal é a parte de baixo da foto, com as frágeis - e ágeis, muito ágeis - pernas do Rei do Pop.



1-Ramones - "Ramones" (1976)

Não foi a primeira, mas é a "capa de tijolo" definitiva. Ali estavam os quatro jovens representantes da suposta escória americana, com suas reinvidicações primitivas e honestíssimas de "I Wanna" ou "I Don't Wanna", mostrando mais ou menos involuntariamente a que vinham. Para revolucionar o rock, é claro. Joey era tão alto que sua cabeçorra quase engole metade do "o". A banda gostou tanto que repetiu praticamente a mesma foto no terceiro e igualmente arrebatador álbum, "Rocket to Russia", do ano seguinte.

Um comentário:

  1. Muito bom, Setti!

    Realmente, falar sobre Run D.M.C não é nada fácil...

    Excelente post!

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