quarta-feira, 5 de agosto de 2009

TV Party Tonight





Pegando  carona em “TV Eye”, o cume do último top 10, comecei a lembrar das primeiras incursões da televisão em minha vida.
Para tal voltei novamente à primeira metade dos anos 1980, mais especificamente ao apartamento de um amigo ancestral, durante uma sessão da série televisiva do herói japonês “Spectroman”. Era alguma emissora xexelenta, a Gazeta ou a finada Manchete, que transmitia os episódios no final da tarde.
E, quando, como de costume, nos inspiramos no que estávamos vendo e nos engalfinhamos no carpete para mais um combate, seu sensato pai resolveu intervir. Decepcionado, nos alertou para o fato de que, enquanto perdíamos nosso tempo com nossa acrobática luta, na Suécia as famílias liam livros, ao invés de assistirem à TV.
Ainda posso ver com todos os detalhes a cara de perplexidade de meu amigo. Era como se seu pai estivesse falando… sueco. Mas afinal - pensamos em sincronia -, o que há de errado com a televisão? E por que os adultos sempre implicam com ela, se no final da conta são os marmanjos os verdadeiros fissurados por seus encantos?
Enquanto meu chapa – que apesar de pequeno, sempre foi ágil como uma flecha – aliviava a chave de braço e pouco a pouco me deixava respirar, o sangue foi voltando a meu cérebro. Soou então lá dentro, de imediato e com uma intensidade que só pode ter sido provocada pelo fluxo repentido de sangue na cachola, o verso de “Minha Vida”, canção de Lulu Santos que tocava no rádio e nas festinhas de meu prédio naquele mês:


Os garotos da escola, só a fim de jogar bola/
Eu queria ir tocar guitarra na TV

Eu não era muito chegado no Lulu – continuo basicamente igual neste ponto, embora admita há tempos que o cara é um mestre dos hits radiofônicos – mas aquelas duas frases faziam sentido de uma forma diferente para mim. Eu estava, sim, a fim de jogar bola 24 horas por dia, mas também queria tocar guitarra na TV. Era, portanto, mais ambicioso que o próprio autor da canção, porém antes de mais nada achava televisão legal pra caramba.
O tempo passou, eu parei de jogar bola (nada a ver com parar de gostar de futebol; uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa) e fui vez ou outra tocar na TV. Bateria, é verdade, mas fui.
Só que entre o ultimate fighting com meu eterno camarada e os nacos de grama que arranco quando tento voltar às quatro linhas - bienalmente e com um aproveitamento patético -, colecionei uma série de músicas favoritas sobre televisão, ou que falem da maledeta. Tal repertório acaba de ser condensado em mais um top 10 do Mala da Lista. Acho que ainda dá tempo de prestar esta homenagem, antes que o songbook universal de cantigas sobre o Youtube supere o das feitas sobre a TV. Reparem como na maior parte da lista a nossa caixa mágica de imagem e sons é citada em versos de conotação negativa. Ah, estes adultos….
(Menções honrosa para “TV Eye”, que fica de fora para que o repeteco seja evitado, e “A Televisão”, de Chico Buarque, que para variar tem uma puta letra, mas musicalmente é meio chata.)

10-Ned’s Atomic Dustbin – “Kill Your Television”
Algúem se lembra do Ned’s Atomic Dustbin? Era uma banda inglesa da safra fim dos 80/começo dos 90, daquelas um terço pesadas, um terço dançantes, um terço psicodélicas. Meio na onda da cena de Manchester de Stone Roses e Happy Mondays, mas talvez um pouco mais barulhenta e com dois baixos. Os caras até voltaram agora para um revival após uma década e meia no limbo. E seguramente não têm deixado de fora “Kill Your Television” um de seus “minor hits”. Refresquem a memória:


9-Paralamas do Sucesso – “Alagados”
Demorei vinte anos para entender que, depois da palavra “Alagados”, o Herbert Vianna dizia “Trenchtown”, nome da famosa quebrada em Kingston, Jamaica. Mas nunca pairou dúvida sobre o que vem em seguida, “a esperança não vem do mar, nem das antenas de TV". Um baita hino do trio brasiliense, precursor em algumas coisas importantes no nosso pop, como a aposta pelos ritmos jamaicanos (a linha de baixo do Bi Ribeiro é de tremer o chão). O clipe é toscão como todos da época, mas tem seus charme e espontaneidade:


8-Arcade Fire – "Antichrist Television Blues"
Vi duas vezes esta big band canadense em cidades diferentes, mas na companhia da mesma pessoa, no caso um outro amigo de tempos imemoriais. Na primeira, no Tim Festival 2005 edição Rio de Janeiro, eu estava mal-humorado e cético, e ele confiante de que seria um grande show. Quando, na introdução, o integrante ruivo apareceu com um tambor de banda marcial amarrado na cintura, rosnei.
Mas a qualidade das composições, o talento dos músicos (que trocam de instrumentos com a naturalidade com que os atletas mudam de provas em um decatlon) e, principalmente, a entrega assustadora deles no palco, me conquistaram já na terceira canção. A tal ponto que, na seguinte vez que os vimos, em Barcelona dois anos depois, preferimos nos ater ao concerto vorazmente a dar ouvidos aos ingleses bêbados que insistiam em tentar arrumar briga conosco. 
Esta faixa, do fantástico segundo álbum “Neon Bible” (2007), é sobre um sujeito que, em seu delírio torturado meio televisivo, desconfia que é filho do Cão.


7-Legião Urbana - "Eduardo e Mônica"
Não fosse Renato Russo um grande contador de histórias, os roteiristas desse clipe-tributo não oficial de “Eduardo e Mônica” teriam muito mais problemas. Mas a simplicidade e precisão de frases como “o Eduardo ainda estava no esquema escola- cinema-clube-televisão”, da letra foram decisivas, e o resultado visual é bem divertido. Vivo, Renato possivelmente adaptaria para “esquema escola-cinema-Youtube-televisão”, mas aí já é só um palpite.
Faltou só a imagem do Eduardo jogando futebol de botão com o seu avô:


6-Gil Scott-Heron - "The Revolution Will Not Be Televised"
Por poemas declamados sobre grooves como este, de 1970, Gil Scott-Heron é um dos personagem-chave na criação do hip-hop. Lá já estavam o ritmo e a poesia, mas ambos não dormiam abraçados como determinaria, no final daquela mesma década, a ciência dos MCs.
“The Revolution will not be Televised” aborda um turbilhão de assuntos em torno da discriminação racial, o foco central de boa parte da obra do proto-rapper. Mas basicamente ele usava a imagem da televisão como sinônimo do que é biônico, ensaiado, não espontâneo, não verídico, fake. Segundo Scott-Heron – que cancelou um show aqui outro dia -, a revolução seria ao vivo. Pela pegada do cara, até ainda dá para acreditar.


5-Titãs – "Televisão"
Outro da série “não dá pra saber o que é melhor”: se Chacrinha, um carro abre-alas personificado, anunciando a banda como acreana ou berrando uns “OOOO-EEEE” no final; se o performático Arnaldo Antuntes entrando apenas um compasso depois que começa o playback; se a coreografia dos bizarros roqueiros teatrais paulistas na selva suarenta, carioquíssima, do auditório; se o sonoplastas do programa insistindo em marcar o tempo da canção com uma bateria eletrônica; ou se a música em si, um petardo pop que anunciava que alguém havia ficado “burro, muito burro demais” por causa dela, a Televisão.
Mas não. Já sei. O melhor é a dança que uma das chacretes faz de improviso, certamente não programada na coreografia ensaiada à tarde, no minuto 1’26. Com seu maiô chocante, a bailarina expressa o que aquele rock esquisito estava causando ali naquele exato momento, em seu verdadeiro ser. Seus passos robóticos súbitos são a sua tentativa de aproximar-se do que era hypado naquele momento, os estranhos Titãs.
Gloriosas eram as chacretes. Se ainda fosse vivo e exercesse a nostalgia dos anos 80 – algo pouco provável -, Nelson Rodrigues diria que as dançarinas de funk, todas elas juntas, não serviriram para amarrar as sandálias de uma única chacrete sequer.


4-Black Flag - "TV Party"
De tão bagaceira, o vídeo desta música esteve em uma edição do finado “Piores Clipes do Mundo”, que o Marcos Mion apresentava na MTV Brasil. “Nós faremos uma festa da TV hoje à noite!”, anunciava Henry Rollins à frente do Black Flag, nos idos de 1981. Já pensou ter que administrar esse sujeito entrando na sua sala com ganas de farrear, como ele faz no começo do clipe? Desta lista, é talvez a mais ambígua das referências à TV, porque obviamente critica a idiotização dos que passam dias em frente à tela, mas é cantada com tanto empenho que acaba sendo um hino para seus maiores entusiastas.


3-Lou Reed - "Satellite of Love"
Basta de reticências. O personagem deste clássico de Lou Reed, lançado em 1972 no essencial álbum “Transformer”, desce do muro (do armário ele já saíra) e declara sem pudores:

I Watched it for a little while… /I like to watch things on TV.

Nós também, Lou. Nós também.
A música aparece aqui em trecho do afetado filme “Velvet Goldmine” (1998), do mesmo Todd Haynes de “I’m Not There”. Afetado, vocês dirão, porque era sobre a afetada cena glam da Londres do começo dos anos 1970. Mas eu reduziria em uns 35 % a afetação da película, se pudesse. Fato é que Woody Allen deve ter visto e gostado, pois anos mais tarde recrutaria seus dois atores principais para protagonizar seus filmes realizados na Inglaterra: Jonathan Rhys Meyers (o personagem supostamente inspirado em David Bowie) e Ewan McGregor (o que faz referência a Iggy Pop).
Brincadeira. Claro que Allen não viu e nem gostou. Como sabemos, ele é averso à cultura pop e só gosta de jazz produzido entre as décadas de 1920 e 1940.


2-Caetano Veloso - “Nine out of  Ten”
Nenhuma versão ao vivo encontrada no Youtube supera a original. Então, para não perder a magia, vai essa gravação de estúdio, do precioso “Transa” (1972), com uma pitoresca seleção de imagens, mais ou menos sincronizadas com o ritmo. Dos irmãos Marx a Garrincha, entrou todo mundo na mistura, balançando ao som de um dos momentos mais inspirados da trajetória de Caê, no qual ele trata a “telly” com carinho:
Im alive and vivo muito vivo, vivo, vivo/
In the Eletric Cinema or on the telly, telly, telly/

Nine out of ten movie stars make me cry/

Im alive



1-Racionais MC’s - "Capítulo 4, Versículo 3"
Eu podia jurar, até outro dia, que Mano Brown dizia “Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor. Pelo rádio, TV, revista e outdoor” em determinado momento desta música. Não sei porque. Mas ouvi de novo a música e realmente é “rádio, jornal, revista e outdoor”. Enfim, não tem problema, porque o rapper menciona a dita cuja em outra parte, com a sólida raiva que marca cada linha deste clássico: “seu comercial de TV não me engana. Eu não preciso de status, nem fama”. 
“Capítulo 4, versículo 3” é um dos momentos mais marcantes da história música brasileira. Não só pela avalanche comercial inesperada que ocasionou, com seus mais de um milhão de cópias vendidas sem a ajuda de uma grande gravadora. De seus quase dez minutos, Brown não alivia a barra em nenhum, não tira o pé do acelerador nem para respirar. E mais do que esbravejar contra a velha inimiga televisão – a recusa do grupo em aparecer na Globo é mítica e ainda perdura - e os outros meios, ele incorpora uma série de personagens e pontos de vista diferentes, participantes de uma mesma situação sem saída. O assassino sanguinolento e vingativo, o cidadão comum que vê o barco afundar ao seu redor, o pastor pregador que ora por nossas almas.
Esta versão ao vivo é muito boa porque Brown, Ice Blue, Edi Rock e KLJ estavam tinindo, com o divisor de águas “Sobrevivendo no Inferno” recém-saído do forno, em 1997. Um disco que começava com a frase “minha intenção é ruim”, para quem não se lembra.

 


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