terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eu, que não sei assobiar


Na democracia dos iPods, acho bonito isso de todo mundo ser DJ, mas a dura verdade é que temos que aguentar as consequências. De tão ruins, algumas seleções musicais chegam a ser engraçadas.
Outro dia, a amiga de uma amiga resolveu, animadíssima, se encarregar da seleção musical de um evento. Um jantar, na verdade, com não mais que quinze pessoas. E antes que o primeiro prato fosse servido, a canção que ecoou do aparelhinho da Apple para inaugurar os trabalhos sonoros foi “Wind of Change”, dos Scorpions.
Isso mesmo. Entre as infinitas canções existentes, ou, sendo menos radical, as mais de 20 mil que podem caber em um tocador de MP3, soou a balada do grupo de hard rock baba alemão.
Ao invés de preparar uma marmita às pressas e ir comer no quarto, me ative ao aspecto de diversão citado no primeiro parágrafo. Na verdade, mais do que me fazer rir, o extremo mau gosto musical me fascina, sobretudo quando vem de pessoas amigas. Fiquei inclusive com cara de “quero mais”.
Já pensava em pedir “aquela do Whitesnake” quando o assobio do início da mesma canção me desviou totalmente do assunto. Me lembrei de que existem várias músicas que adoro e que têm trechos assobiados. Não sei se é porque nunca consegui assobiar – ainda hoje tento e sai um “fffff, fffff” – ou porque realmente este som tipicamente humano sempre rouba a cena quando aparece em um arranjo. Seja apenas um “fiu-fiu” ou uma melodia improvisada, acabamos por lembrar de tal canção em grande parte por causa do dito cujo.
Em resumo, obrigado aos Scorpions e esta amiga da amiga. Agora eu tenho um Top 10 músicas com assobio. Não inclui “Wind of Change”. Ah, e nem “Don’t Worry Be Happy”:

10-Monty Python – “Look on the Bright Side of Life” (1979)
Há quem não tenha saco para o humor cerebral do grupo inglês de atores, roteiristas e músicos Monty Python. Eu sou fã desde que, com 12 ou 13 anos, vi “ A Vida de Brian” na televisão. Peguei do meio e acompanhei até o gran finale, quando Brian, ou o que os romanos pensam ser Jesus Cristo, é levado para ser crucificado na companhia de um bando de outros condenados. Um deles, vivido por Eric Idle, consola Brian (Graham Chapman) com a canção que fala sobre “olhar o lado bom da vida” justo neste momento. E assobia feliz.


9-Tom Jobim e Elis Regina – “Águas de Março” (1974)
Musicalmente, a versão desta faixa registrada no programa “Ensaio”, gravado pela TV Cultura em 1973, só com Elis e banda, é imbatível. Mas a de estúdio, que entraria no mítico álbum “Elis & Tom” no ano seguinte, é a que traz o assobio sincronizado à melodia de piano. E ela serve de playback para que a cantora e o maestro dublem neste especial da Bandeirantes.
Não dá para perder Tom Jobim, que àquela altura começava a despedir-se de seu shape de galã, dançando meio durão, mas à vontade. Igualmente divertido são os dois tentando dublar os assobios e os diálogos finais, que na gravação do original haviam saído de forma totalmente espontânea.


8-Manel – “En la que el Bernat se’t Troba” (2008)
Na semana passada, durante as Festes de Gràcia (a mais concorrida das muitas festas de bairro que ocorrem anualmente em Barcelona e que junta dezenas de milhares de pessoas na rua) o público estava enlouquecido pelo grupo Manel.
Basicamente, a banda é uma das exceções na cena de artistas que fazem pop em catalão, em geral não muito inspirados. Tem boas melodias e letras e aposta em arranjos um pouco na linha de Beirut (ver número 7 da lista), com ritmos valseados e influências folk européias. Esta faixa, que abre o badaladinho disco de estréia do quarteto, “Ells Millors Professors Europeus”, do ano passado, é uma das bolas dentro do repertório. E o coro de assobios (xiulets, em catalão) tem sua parcela de culpa nisso.
Como a letra fala sobre um encontro casual em Barcelona, a banda resolveu rearranjar a canção para um formato meio vaudeville e sair pelas ruas da cidade. O resultado é prova de que, com uma ou outra idéia boa, dinheiro não precisa ser problema na hora de se fazer um vídeo. Aproveitem e se familiarizem um pouco com o idioma número 1 daqui, o catalão. Primo menos conhecido e mais fechado da família latina.


7-Beirut – “O Leãozinho” (2008)
Claro que gosto da versão original do Caetano, que uns dizem ter sido escrita para a Maria Bethânia, enquanto outros falam do baixista Dadi como "muso". Mas enfim, há alguns motivos para que não seja a dele a selecionada aqui.
A-Esta versão do projeto encabeçado pelo geniozinho precoce americano Zach Condon é excelente. O sotaque é inevitável, mas o cara é um dos melhores intérpretes da atualidade, e faz arranjos primorosos como o de cordas deste vídeo.
B-Não dá para ter certeza de que, no arranjo original, é mesmo um assobio ou um sintetizador o que zanza pelo fundo da melodia. Neste do Beirut, sim.
C-Caetano já apareceu duas vezes e voltará a dar as caras por aqui, logo.
Soube que Zach Condon e sua turma tocarão no Brasil em setembro, embalado por uma música sua que entrou em trilha de série da Globo. As coisas andam diferentes na emissora ou é impressão? Se o Tarcisão vai estar ao seu lado, não sei. Mas que ao vivo Beirut vale bastante a pena, posso garantir.


6-Guns n’Roses – “Patience” (1988)
“Ora, você tira sarro da baladinha dos Scorpions e vem com esta do Guns n’Roses?”
Sim, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Até em seus momentos mais melosos, o Guns da fase pré-megalomania (os discos e a turnê “Use Your Ilusion”, de 1991) está entre os melhores grupos de rock de todos os tempos. Mesmo com estes cabelos, ou com a dancinha de Axl.
“Appetite for Destruction” (1987) é insuperável, mas “Lies” (1988), soma de um EP gravado ao vivo e quatro baladas acústicas inéditas, mantém o bom nível. A maionese desandaria pouco depois, mas entre a tijolada inicial e o delírio decadente dos anos que viriam, esta espécie de épico assobiado (são várias partes no biquinho) fez história.


5-Bangles – “Walk Like an Egypthian” (1986)
Novamente, não dá para ignorar os cabelos, as maquiagens, as roupas, as danças. Mas quem nunca arriscou, à época ou no revival oitentista, os passos "egípcios" nos embalos deste one hit wonder? OK, two hit wonder se lembrarmos que as Bangles também lançaram a balada–bailinho “Eternal Flame”.


4- Giani Ferrio - “One Silver Dollar” (1965)
Lado a lado com a percussão grandiloquente dos tímpanos e a atmosfera misteriosa das guitarras com efeito trêmulo e da gaita, os assobios compôem o beabá das grandes trilhas sonoras do melhor spaghetti western produzido nos anos 1960.
O mestre supremo é o compositor italiano Ennio Morricone, autor de inesquecíveis temas para películas do conterrâneo Sergio Leone. Os que mais gosto dele são os encomendados para os filmes “A Fistful of Dollar” (“Per un Pugno di Dollari”, de 1964) e de “The Good, The Band and The Ugly” (“Il Buono, il Brutto, il Cattivo”, 1966).
Mas minha favorita dos “bangue-bangue à italiana” é de outro compositor oriundo da Bota, Giani Ferrio, concebida para “One Silver Dollar” (“Un Dollaro Bucato”, 1965) de Giorgio Ferroni (advinhem onde nasceu este). A ponto de que o grupo em que toquei entre 1998 e 2003, TchucbandioniS, fizesse uma versão-citação em faixa homônima ao título do filme em português, “Um Dólar Furado”. Baixe a versão do Tchuc aqui:


3-Peter, Bjorn and John – “Young Folks” (2006)
Mais uma vez, poucos elementos gerando magia pop. No caso do trio de suecos, foram suficientes bateria, chocalho, baixo, um par de vozes e um riff de assobio. Ah, e que riff de assobio mais irresistível…


2-Pixies – “La La Love You” (1989)
“Doolittle”, o melhor álbum dos Pixies, guarda um som de riffs e batidas minimalistas, dispostos de maneira quase geométrica e que sustentam letras gemidas com estranheza e nonsense.
“La La Love You”, uma simples canção de amor na voz do baterista David Lovering, é tudo isso e mais um pouco. O mais um pouco, leia-se, é o imprenscidível “fiu-fiu” que Black Francis e Kim Deal soltam antes do “yeah”.


1-Otis Redding - “Sitting in the Dock of the Bay” (1968)
A lenda é das melhores do pop, e verídica: em dezembro de 1967, Otis Redding resolveu terminar a letra desta música e gravar a nova parte apenas quando retornasse de um show em Cleveland. Só que, na volta, o bimotor que transportava o soul man e sua lendária banda Bar-Kays caiu em um lago no Winsconsin, matando ele, o piloto e quatro músicos.
A morte ocorreu três dias após a gravação e o produtor encarregado, o não menos mitológico guitarrista Steve Cropper (da backing band definitiva da Stax, Booker T and the MG’s), teve a decência de manter os assobios de Otis na mixagem definitiva. Até então provisórios, à espera da tal nova parte que nunca veio, os “whistles”, que inauguravam involuntariamente o nicho dos hits póstumos, estão entre os mais célebres já escutados.
Não que “Sitting…” já não fosse sensacional. Mas o assobio final eterniza a canção, da mesma forma que contribui para a atemporalidade da obra de Otis.

4 comentários:

  1. Se a musica tivesse um aroma, seria o assobio de Sitting In The Dock...

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  2. Ae Settão, faltou o melhor solo de assobio de todos os tempos: Just got back - Parliament!

    Abs

    Basile

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  3. Podes crer, caro Bas. Sempre fica uma boa de fora... valeu por lembrar. Abraço.

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  4. De tão naïf que é o assobio de "Raid the Radio" do General Eletriks, me fez assobiar o mesmo refrão por uma semana.
    Vai aih o link prometido
    http://www.youtube.com/watch?v=XgY0CKaJaG8&feature=related

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