Andei vendo na internet uns trechos de “Tyson”, documentário de James Toback sobre um dos maiores mitos de nossa geração, que vem atraindo os holofotes nos mais concorridos festivais de cinema do planeta.
Não pude deixar de lembrar do dia em que Mike Tyson foi derrotado pela primeira vez, em fevereiro de 1990. Eu passaria a noite na casa de um amigo da escola. Ele não estava nem aí para a luta, que seria com o então pouco conhecido e sério candidato a beijar a lona James “Buster” Douglas. Eu não, me mantive ligadíssimo em frente à TB até a madrugada.
Era um hábito que eu, meu pai e, muitas vezes minha irmã também, tínhamos em muitos fins de semana: dormir vergonhosamente no sofá durante as preliminares, para acordar apenas a tempo de presenciar ao vivo os poucos segundos que costumavam durar os combates de “Iron Mike”. Em casa ele sempre foi chamado assim. Eu nem queria saber de Ali, Louis, Foreman… para mim nunca houvera ou haveria alguém comparável a nosso ídolo. E para falar a verdade, nem era tão fã de boxe. Só queria ouvir falar de Iron Mike, o não-pugilista, aquele que ignorava a técnica e subia ao ringue para simplesmente massacrar os oponentes, pegar o dinheiro e ir embora. O mais rápido possível
E eis que, pela primeira vez após assombrosas 37 vitórias seguidas (a maioria por nocaute e grande parte deles no primeiro assalto) Tyson não só recebeu os primeiros golpes bem encaixados de sua carreira, como caiu e perdeu. Me assolou naquele momento uma incredulidade que ainda me causa arrepios, enquanto meu amigo dava de ombros e se ocupava com alguma outra atividade qualquer. “Você não está entendendo, o Mike Tyson perdeu! O-MAI-KE-TAI-SSON-PER-DEU!!!”. Descontrolado, eu o sacudia pelos braços.
O mundo nunca mais seria o mesmo, Iron Mike chafurdaria numa decadência histérica de derrotas ridículas, prisões, escândalos, surtos psicóticos e até um ato de canibalismo em cadeia mundial, arrancando com os dentes nacos da orelha de Evander Holyfield. Eu praticamente nunca mais assisti a uma luta, embora viesse a vencer com facilidade a versão eletrônica do ilustre peso-pesado no jogo “Mike Tyson’s Punch- Out”, da Nintendo. Mas a cada vez que uma música ou disco faz referência a boxe, ainda suspiro lembrando de quando nem tudo estava perdido, e Iron Mike era nosso único e indestrutível campeão.
Abaixo, portanto, os 10 melhores motivos para dar alguns socos no ar escutando música:
10-Toots & the Maytals – “Knock Out”
Um dos maiores nomes da história da música jamaicana em todos os tempos, Toots & the Maytals é apenas mais um dos muitos grupos que dividem o coração entre o boxe e os grooves de ska e reggae. Na capa deste disco de 1981 o vocalista Toots Hibbert mostra o quanto é chegado ao esporte.
9-Miles Davis – “A Tribute do Jack Johnson”
Miles Davis nunca escondeu sua paixão pelo boxe. Hermeto Pascoal conta em um documentário da HBO que, quando foi morar nos EUA no final dos anos 60, o trompetista lhe convidou à sua casa. Mas Miles não quis ouvir uma nota sequer tocada pelo alagoano, preferindo entregar-lhe um par de luvas e ordenar que subisse no ringue que mantinha em sua casa. Hermeto obedeceu e, segundo relata, após confundir Miles com seu olhar estrábico, gingou, golpeou e derrubou o anfitrião. “Este albino é muito louco”, teria sido a resposta do jazzista em reação ao nocaute.
Mais ou menos no mesmo período, precisamente em 1970, Miles gravou as sessões de improviso jazz-rock que resultariam em “A Tribute to Jack Johnson”, trilha sonora de um documentário sobre o primeiro negro a ser campeão dos pesos-pesados, em 1908. Aqui, um trecho, devidamente "trilhado" por Davis.
8-Hurtmold – “Mike Tyson”
Esta faixa pertence a “Cozido” (2002), um disco importante desta cultuada banda paulistana, que deixava ainda mais o hardcore de lado para mergulhar em peças predominantemente instrumentais. Nos bons tempos de Iron Mike, poderia ter facilmente de fundo musical para uma de suas célebres caminhadas rumo ao ringue, sempre de camiseta preta cortada e ao lado de Don King.
7-Dynamites – “Joe Louis”
O lance dos músicos jamaicanos com o pugilismo é mesmo sério. Tanto que a célebre gravadora Trojan lançou há cinco anos “Sucker Punch: Jamaican Boxing Tributes”, uma compilação de temas sobre lendas do tablado. Há várias muito boas, entre rocksteady, dub e outras especialidades da casa. Mas se tiver que ir diretamente a uma, vá de “Joe Louis”, da relativamente obscura “rhythm session” Dynamites, em homenagem ao ícone homônimo, rei absoluto das luvas na década de 1940.
6-Paralamas do Sucesso – “Perplexo”
A música já é muito boa, uma sagaz levada caribenha embalando um desbafo sobre a bagunça brasileira pós-Plano Cruzado. Com a frase “Eu vou lutar eu vou lutar, eu sou Maguila, não sou Tyson”, então, não dava para ficar de fora. Aliás, excluir o Maguilão deste Top 10 teria sido um verdadeiro jab na reputação deste blog.
5-Bob Dylan – “Hurricane”
Muito antes de O.J. Simpson, nos anos 1960 um outro esportista negro norte-americano foi o epicentro de uma enorme polêmica envolvendo assassinato. No caso do boxer Rubin Carter, ou “Hurricane”, as acusações que pairavam sobre ele e outro suspeito diziam respeito a três homicídios. Diferentemente de Simpson, também, ele foi condenado a mais de vinte anos de prisão, que cumpriu sem que fosse provada a sua participação nos crimes. Sua tragédia inspiraria, entre outras coisas, uma grande campanha em seu favor, um filme estrelado por Denzel Washington de 1999 e esta preciosidade lançada por Bob Dylan (escrita com Jacques Levy) em 1976, que conta uma das versões da história.
4- David Bowie – “Let’s Dance”
Sempre achei que ele usa luvas de boxe nesta capa. Não dá para ter certeza. Pode ser perfeitamente alguma moda daquele 1983, à qual só alguém tão descolado como Bowie teria acesso. Não sei. Mas também, se não eram luvas de boxe, agora ficam sendo, oras.
3-James Brown – “Living in America”
Esta música não entraria nem no Top 400 de James Brown, e aposto que o próprio Godfather of Soul pensava o mesmo. Mas, para efeitos cômicos convulsivos – e nostálgicos, se você foi um menino nos anos 1980 – escutá-la nesta cena de “Rocky IV” (1985), com o avião dependurado, Apollo vestido de Tio Sam dançando em frente a uma espécie de búfalo gigante que solta fumaça pelo nariz… bom, aí funciona. Pobre Apollo, mal sabia o quão caro custaria a humilhação que seu papelão proporcionou ao russo Ivan Drago.
2-Muhammad Ali e Sam Cooke – “The Gang’s All Here”
Muhammad Ali era pura música. Diziam – ele, inclusive – que dançava em suas lutas. No documentário “When We Were Kings” (1996, de Leon Gast), sobre a luta que travou com George Foreman em 1974 no Zaire, não faltam convidados ilustres como B.B. King e o próprio J.B.. Seus fãs africanos não param um minuto de entoar o cântigo “Ali, Bomaye” (Ali, mate-o) e inclusive suas hilárias provocações a Foreman são tão ritmadas que poderiam embalar uma pista de baile.
O namoro entre suas esquivas perfeitas e as notas musicais se transformou até em disco, que não poderia ter outro nome a não ser “I Am The Greatest!”. Lançado em 1963, quando o mito pré-muçulmano ainda era conhecido como Cassius Clay, inclui “The Gang’s All Here”, que tem seu nome nos créditos (ai se não tivesse). Mas a melhor versão da canção é a deste vídeo da época pré-lançamento, em que Clay divide os vocais com o gogó de veludo do maior ídolo pop negro da época, Sam Cooke.
1-Grandmaster Flash and the Furious Five – “The Message”
Ao reclamar por “can’t even see the game, or the Sugar Ray fight”, Rahiem, rapper do Grandmaster Flash and the Furious Five, não estava apenas contribuindo com um trecho de um dos melhores raps da história. Ele também mostrava a frustração de não poder acompanhar pela TV o desempenho de Sugar Ray Leonard, um dos ban-ban-ban peso-médio e derivados à época “romântica” do hip-hop, entre o final dos anos 1970 e meados da década seguinte.
O legal desse vídeo de 1983, além da canção, é o visual pré-gangsta rap dos caras, uma mistura espalhafatosa de Earth, Wind & Fire com Village People. E tem também uma rápida troca de socos no ar à menção de Sugar Ray no minuto 2’27.
Demais, Dan. Nesse fatídico dia eu estava no Guarujá. Vi a luta lá naquele tal de Chez Michou. Depois acordei o pai às 5 da manhã para lamentarmos o episódio...
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