segunda-feira, 8 de março de 2010

And the Oscar doesn't go to...




Nem “Avatar”, nem “Guerra ao Terror”. Este post é sobre uma categoria do Oscar que não existe, mas deveria: as melhores cenas de filmes que, combinadas com músicas de fundo não escritas para elas, dobram ou triplicam seu impacto. Basicamente, é sobre a arte de selecionar uma canção já existente e utilizá-la na íntegra, ou quase na íntegra, para que se recontextualize totalmente e eternize uma passagem cinematográfica. Pode ser uma introdução de longa-metragem (metade dos escolhidos do Top 10 o são), um trecho do meio ou um final triunfal. Juntos, imagens e som aqui viram um vídeo clipe de multiplicados significados. Produzir magia com esta combinação, assim como os atores cantando do post “Calouros de Luxo”, é para poucos. Mas quando rola, sai de baixo.



10-King Crimson – “Moonchild” (1969) no filme “Buffalo 66” (1998)

É fascinante como a noção do fetiche pode variar tanto. Para Vincent Gallo, o misto de ator-diretor-modelo-cantor de vanguarda que Johnny Depp adoraria ser, a felicidade é a sexy-chubby Cristina Ricci sapateando sobre uma pista de boliche ao som de um velho tema dos maestros do rock cabeção torto, o King Crimson. E não é que fica legal?






9-The Kingsmen – “Louie Louie” (1963) no filme “Quadrophenia” (1979)

O filme de Franc Roddam inspirado em álbum homônimo do The Who é todo um clássico sobre a rivalidade entre as subculturas dos mods e dos rockers na Inglaterra dos anos 1960. Mas se você quer apenas a cereja do bolo, pule ao minuto 4'29’’, divertido ao dobro com a dublagem em italiano: Ace Face, o personagem vivido por Sting, acha que está abafando coreografando o passo mod para a gatinha. Mas quem rouba a cena – e o broto - é Jimmy, o protagonista da película vivido por Phil Daniels, ao bailar este hino do rock garageiro. Mais do que merecido, aliás. Afinal, o Sting mod não convence. Na mesma medida em que o Sting amigo dos índios e o Sting iogue não convencem. Pensando bem, até mesmo o Sting Sting não convence.






8-The Doors - “The End” (1967) no filme “Apocalypse Now” (1979)

Tá bom, ta bom, você cansou de “The End”. Aquele hippie da sua classe passava o dia ouvindo essa música e martelando em sua orelha “Doors é mutcho doido, meu” (OK, eu sei também que o hippie em questão pode ter sido você, mas tudo bem). Só que experimente imaginar, em primeiro lugar, como foi ter criado este som lá em 1967 (um dos anos mais importantes da história da música pop, diga-se). E logo tente mentalizar como foi assistir pela primeira vez ao mítico começo do filmaço de Coppola com “The End” na abertura – e depois no final. Parece de verdade que as guitarras de escalas orientais foram dedilhadas tendo o fogo das bombas do Vietnã em mente. Começando pelo “fim”, Coppola já avisava todo mundo que aquela viagem definitivamente não acabaria bem.






7-Chuck Berry – “You Never Can Tell” (1964) no filme “Pulp Fiction” (1994)

Suado em bicas, revirando-se na cama sem conseguir decidir qual canção encaixará à perfeição com tal cena. É assim que imagino a rotina insone de Quentin Tarantino, o diretor cuja destreza no ofício de juntar os melhores frames e notas lhe tornou escravo de si mesmo. Quando toca uma música numa passagem importante de um de seus filmes, automaticamente pensamos em quanto o cineasta matutou para chegar a esta conclusão. Todo mundo tem uma “cena musical de Tarantino” favorita, sejam os embalos de kung fu sincronizados com épicos do western ou Nancy Sinatra de “Kill Bill”, ou a gostosa Vanessa Ferlito oferecendo um lap dance no compasso de The Coasters (“Death Proof”). Eu fico com uma básica: John Travolta mostrando o porquê de ser John Travolta após a intimação de Uma Thurman na lanchonete temática de “Pulp Fiction”.






6-Chava Alberstein - “Had Gadia” (1989) no filme “Free Zone” (2005)

Dê a um bom diretor (Amos Gitai) uma janela de carro, uma atriz que saiba chorar (Natalie Portman – pelo menos aqui ela soube) e uma canção de gelar a espinha. Você terá um dos começos de filmes mais estranhos e inesquecíveis do cinema moderno, que antecede a entrada na Jordânia de uma americana (Portman) que vem  de Jerusalém. A polonesa-israelense Chava Albersein escolhera uma canção folclórica ancestral, cujo título pode ser traduzido como “O Cordeiro” e cuja ideia de círculo vicioso lembra muito as nossas "A Velha a Fiar" e "Domingo Pede Cachimbo", e adaptara para os conflitos da primeira Intifada no Oriente Médio, no final dos anos 1980. A função poética lhe custou ameaças e censura em Israel. No vídeo, onde o contexto se dá, há a tradução da letra (do ídiche? Hebraico?), mas nem é necessário lê-la para saber que as coisas não vão bem por ali. Nem na ficção, nem na realidade.






5-Toots & the Maytals – “54-46 Was my Number” (1976) no filme “This is England” (2006)

Do mullet da mãe do protagonista à desolação das paisagens suburbanas inglesas dos anos 1980, todos os detalhes do filme de Shane Meadows estão contextualizados com perícia minimalista. Mesmo assim, o diretor fez questão de preparar uma abertura matadora para, em poucos minutos, fisgar o espectador com um resumo visual do que foram os anos Thatcher, dizendo: “assista a meu filme, ele é do caralho”. Ao som, é claro, de uma pepita jamaicana como as que ouviam os skinheads (a subcultura do bem, anterior à chegada dos mentecaptos ultranacionalistas) retratados no imperdível longa. Quero ver você não ficar com vontade de assistir a “This is England” depois desta sequência inicial.






4-Kenny Rogers & First Edition - “Just Drop in (To See What Condition My Condition Was In)” (1968) no filme “The Big Lebowski” (1998)

Sabe o Kenny Rogers, aquele cantor de country barbudo e grisalho, aparentemente caretão, que bombava nos anos 1980 (a ponto de ser o quarto na ordem dos que cantam versos em “We Are The World”)? Pois o cara era psicodélico duas décadas antes de soltar o gogó no famoso hino humanitário. Psicodélico o suficiente para gravar uma canção sobre pesadas bads trips e o suficiente para que esta mesma música fosse parar no delírio narcótico de Jeffrey Lebowsky (papel do recém-Oscarizado Jeff Bridges) no mais cultuado dos filmes dos Irmãos Coen. Sim, o histórico videoclipe que passa na mente do “Dude”, no qual ele recebe os sapatos de Saddam Hussein, desliza por baixo da pernas das dançarinas e joga boliche (olha o boliche aqui outra vez) com Maude (Julianne Moore), tem trilha do Kenny Rogers. E o pior é que é bom. Vale conferir tudo, de ponta a ponta. Inclusive a parte após a música, com o recado que um policial dá a Lebowski em plena ressaca, antes de atirar uma caneca no vagabundo. (Ah, esses diálogos dos Irmãos Coen…):

I don’t like your jerk-off name. I don’t like your jerk-off face. I don’t like your jerk-off behaviour. And I don’t like you…Jerk off.

(Para mais observações minhas sobre personagens e falas de filmes dos Coen, clique aqui aqui ou aqui)






3-The Jesus and Mary Chain – “Just Like Honey” (1985) no filme “Lost in Translation” (2003)

Eu já falei bastante do papel da música neste filme no já citado post “Calouros  de Luxo”, mas especificamente o final é uma obra-prima da modalidade. Não apenas a escolha da canção, mas também o timing de sua entrada na trama fazem não só com que as ruas abarrotadas de Tóquio pareçam ter sido desenhadas à medida para o indie sonhador de The Jesus and Mary Chain, como também triunfam na difícil missão de nos convencer de que Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson) nasceram um para o outro, e que seu romance terá futuro.


2-Linda Scott – “I’ve Told Every Little Star” (1961) no filme “Mulholland Dr.” (2001)

A loirinha Camilla Rhodes (Melissa George) poderia nem estar sabendo, mas uma obscura trama criminosa estava por trás de sua escolha como a atriz nesta estranha audição. Um cidadão conhecido como "O Cowboy" daria cabo do diretor caso ele não dissesse as palavras mágicas: "this is the girl". O que faz de sua doce e sexy dublagem do standard de Oscar Hammerstein II e Jerome Kern ainda mais perigosa, sombria... e sexy. David Lynch é outro gênio quando o assunto em questão é desconcertar os espectadores por meio da música.



)



1-Bauhaus – “Bela Lugosi is Dead” (1979) no filme “The Hunger” (1983)

Ser um vampiro em 1983, na visão de Tony Scott (o irmão mais novo, alternativo e menos bem-sucedido de Riddley Scott), era descer ao underground de Nova York e eleger presas na cena punk gótica, então o que o cineasta considerava de mais perverso e provocador em termos de estética. Scott identificava tanto o amor amaldiçoado e imortal dos chupadores de sangue com aqueles cabelos espetados e roupas negras que foi além de escalar David Bowie, um dos inspiradores de toda aquela agitação, para o papel do vampiro condenado. Convocou o próprio Bauhaus, os Beatles daquela tchurma, para participar da orgia. Como resultado, Catherine Deneuve e Bowie farejando sangue fresco na balada ao som dos berros de “Undead! Undead! Undead!” de Peter Murphy constitui-se num começo de filme absolutamente clássico. Vi no cinema numa re-exibição em São Paulo há alguns anos e tremi na base.






6 comentários:

  1. Muito legal, Dan! Tinha esquecido o quanto era boa a cena inicial do filme Free Zone! E do This is England também.

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  2. Post excelente como sempre!

    Mas faltou uma menção honrosa ao Wes Anderson, que é mestre em criar um cena extremamente e inexplicavelmente melancólica em cada filme, sempre pontuada por uma música certeira.

    Os principais:

    - A Vida Marinha com Steve Zissou com Sigur Rós

    -Os Excêntricos Tenenbaums com Elliot Smith

    -Viagem a Darjeeling com The Kinks

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  3. Valeu, Settão. Grandes dicas de alguns filmes que não conhecia. Já vou pro pirate bay, rs.
    Abs!
    Fernandão

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  4. Muito bacana! Numa lista maior caberia Leonard Cohen ou L7 em NBK?

    abs

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  5. Faltou também House of The Rising Sun do The Animals no final de Casino, mas a lista está irada!

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  6. Daniel,

    Sei que não é o tema mas, um oscar com Bastardos Inglórios concorrendo, ter Avatar e Guerra ao Terror como favoritos e o último ter vencido é brincadeira.

    Abs.

    Gustavo Matias

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