terça-feira, 22 de setembro de 2009

Onde se chega de barco




Como disse há dois posts, passei férias em Formentera, a menor, mais paradisíaca e menos farofeira das Ilhas Baleares, na costa nordeste Espanhola. É aquela que serviu de locação para “Lucía y el Sexo”, filme de Julio Medem lançado em 2001. É aquela, também, citada por Gilberto Gil na letra da música “Ladeira da Preguiça”, cuja gravação mais famosa é a da Elis Regina.
O tempo todo lembrávamos dos versos “Formentera é uma ilha, onde se chega de barco, mãe”, nos quais Gil usa esta preciosidade insulana que bóia no Mediterrâneo para “mandar conta pra casa de que esse mundo é uma maravilha".  Elementar que a partir daí o Mala da Lista embarcou, quase que literalmente, em um Top 10 músicas sobre ilhas ou arquipélagos. Reais ou imaginárias, pequenas ou grandes, urbanas ou selvagens, elas são os cenários dos delírios do inconsciente coletivo pop. Merecem, portanto, que você relaxe e ancore em mais esta próxima compilação.
*Menção honrosa para a rápida citação à mais famosa ilha brasileira em “Eu Sou 157”, dos Racionais MC’s, segundo a qual o prêmio aos assaltantes bem sucedidos seria “praia e maconha, comer todas burguesa em FERNÃO de Noronha”.

10-Madonna – “La Isla Bonita”
Dentre as dezenas de clipes de Madonna, o que acompanha esta música é um dos mais bregas. Apóia-se nos velhos clichês latinos do “caliente” ou “sensual”, com um carnaval de referências fora de lugar, sem pé nem cabeça. Para começar, o lugar homenageado na canção é San Pedro, uma ilhota pertencente ao Belize, país da América Central, mas a cantora veste um traje de bailaora de flamenco, a música que vem do sul da Espanha. Completa o balaio de gato “latino” uma referência a “samba” na letra, supostamente legitimada no vídeo pela presença do percussionista brasileiro Paulinho da Costa – habitué dos estudiões nos anos 80.
Mas a razão da entrada de “La Isla Bonita” não é o kitsch, do “tão ruim que é bom”. Acontece também que esta era a música que soava no set de ?uestlove, o notável baterista do The Roots, quando ele discotecou na minha vizinha Sala Apolo, em Barcelona, há dois anos. Empolgado com a fluência e o ecletismo de sua seleção e com a corrente sanguínea percorrida por uma série de drinques, acabei invadindo o palco. Minha intenção, que era das melhores – impressionante como bêbado pode ter sua lógica própria e ela fazer completo sentido durante a embriaguez -, foi obviamente interpretada de outra forma pelo segurança da casa. Até um certo copo voador foi visto na confusão antes que, coberto de razão, o cara me dominasse e me expulsasse dali.
Quando contei ao meu grande amigo André Faria, testemunha solidária do vexame, que, no final do ano passado, tinha por fim tocado na Apolo com o Soweto, ele me respondeu: “deu a volta por cima”. E é verdade. Nesta e na segunda vez que acabei tocando lá, se não me engano era o mesmo segurança que estava impedindo o avanço de hipotéticos bebâdos em minha direção. Outro dia cruzei com ele na rua. Pensei  que o mundo dá voltas e quase o convidei para tomar uma cerveja ao som de “La Isla Bonita”.


9-Elvis Presley – “Blue Hawaii”
Tudo sobre o Elvis fase gordo é fascinante. Como chegou a tal estado físico? De onde diabos sacava estes figurinos? Por que suava tanto? Quantas pílulas, ao final, tomava diariamente?
Este vídeo, já dos anos 1970, representa a decadência do Rei do Rock. Trajando seu look mais imitado, o que geraria a clássica fantasia “Elvis fase Gordo”, ele dubla um hit de 1961, da trilha sonora de filme homônimo à canção. Estrelado, aliás, pelo próprio, em pleno Hawaii, quando ele ainda era magro, bonito, saudável e possuía voz impecável.


8-Megadeth – Devil’s Island”
Eu ainda vou digitalizar os VHS que tenho com gravações das transmissões que a Globo fez de festivais de rock internacionais ocorridos no Brasil na década passada. A cobertura do Rock in Rio II, em 1991, é todo um clássico. O âncora Pedro Bial não dava uma dentro e os créditos de músicas e músicos apareciam com erros, entre outras gafes.
O melhor, porém, foram as contribuições dos entrevistados na noite dos metaleiros. Já falei sobre este personagem ao descrever um show da dupla Sunn 0))) para a extinta revista Bizz durante a cobertura do Sónar 2007, mas volto a ele: cabeludo, louro e seboso, o cara sacudia o pescoço para as câmeras e, não importando a pergunta do repórter, respondia invariavelmente: “Metal…Metal… Invasor Mal”. Gastei a fita de tanto dar rewind nesta parte. Não acreditava, e não creio até hoje, na sensacional escolha de palavras do sujeito para definir a música que amava. Invasor Mal.
Mas enfim, ainda naquela noite, a mesma em que os headbangers enxotaram Lobão do palco, tocou o Megadeth. E, logo no começo, com Dave Mustaine babando e sem enxergar nada por causa da franja engordurada, veio “Devil’s Island”. A música fala sobre a Ile du Diable, ilhota na costa da Guiana Francesa que sediava colônia penal até os anos 1950. Foram as tentativas de fuga deste pequeno pedaço de terra as que inspiraram também o livro e o filme “Papillon”, ambos lançados nos anos 1970. Aqui, o vídeo do Megadeth tocando “Devil’s Island”  no Rock in Rio II, que alguma santa alma digitalizou.


7-Tom Waits – “Coney Island Baby”
Lou Reed tem uma música com este exato mesmo nome, mas eu prefiro a do Tom Waits, cuja letra se refere a alguma beldade da ilha convertida em península vizinha ao Brooklyn. Uma balada em seu estilo lamurioso e gutural, cheirando a cabaré vagabundo. O vídeo é tipo “licença poética”, mas até combina com o latido cavernoso de Waits.


6-The Hold Steady – “Joke About Jamaica”
Espécie de piada interna, a citação à Jamaica do início da letra agradou tanto a seus autores que acabou virando título e conceito. Sorte nossa, porque seria muito óbvio selecionar um rocksteady, um ska, um reggae ou um dub para homenagear a ilha do Usain Bolt nesta lista.
Culpa de uma das mais sólidas bandas americanas surgidas nesta década, The Hold Steady, que levou a sério influências como Elvis Costello e Bruce Springsteen para criar sua própria linguagem.


5-Pixies – “Isla de Encanta”
“Hay aviones cada hora”. Parece slogan de companhia aérea, mas é apenas mais uma das referências latinas na obra dos Pixies – que vão de um disco batizado “Bossanova” à canção “Debaser”, sobre o filme “Un Chien Andalou”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí.
Este verso, bem como o resto da música, fala sobre os baratos de Puerto Rico, o território meio dos EUA, meio independente apelidado de “Isla del Encanto”. O errinho na troca do “o” pelo “a” é mais um charme extra do que mancada de gringo. Aqui, um vídeo do quarteto de Boston tocando a cantiga ao vivo há duas décadas.


4-Fleet Foxes – “Mykonos” 
Em fóruns virtuais que debatem letras de músicas – eles existem aos montes -, já vi até gente defender a tese de que a ida à ilha grega de Mikonos referida nesta canção pode significar inclusive o ingresso em uma clínica de reabilitação. Seria necessário perguntar à banda para sacar, mas o fato é que os tais versos dizem:
E você irá a Mikonos
Tendo a visão de uma costa delicada

E de um sol que possa talvez dissipar

Sombras das besteiras que fez

Não sei. Fato também é que Fleet Foxes é muito bom. Harmonias vocais elaboradíssimas e arranjos grandiosos, temperados com country-rock e um certo apelo gospel. E que, segundo o espião brasileiro infiltrado em Paris Felipe Cremonese acaba de me contar, são ainda melhores ao vivo.



3-Elis Regina – “Ladeira da Preguiça”
Pronto, está aqui a canção citada na introdução do post. Tirada da essencial edição com Elis do programa “Ensaio”, da TV Cultura, disponível em DVD. Por sua interpretação, pela canção em si e pela banda espetacular que revolucionou a forma de tocar samba: o finado baixista Luizão Maia, o pianista César Camargo Mariano (então marido da cantora) e o baterista Paulo Braga.
Ah, e em tempo: ainda só se chega de barco em Formentera. Vindo de Ibiza.


2-Herbie Hancock – “Cantaloupe Island”
Não adianta procurar no mapa. A Cantaloupe Island não existe. É mais uma forma de descrever um lugar farto nos melões que levam este nome do que qualquer coisa. Mas como o tema é tão bom, vai para o trono.
Jazzistas do porte de Herbie Hancock têm trajetórias e discografias tão extensas que muitas vezes custa achar uma versão boa de seus standards. Os que passaram pelos anos 80, incluindo o pianista, dificilmente escaparam da tendência dos arranjos equivocados, com timbres bregas e solistas de mau gosto. Por isso foi um alívio encontrar esta interpretação: curta, simples como a própria canção, em formato trio sem firulas e com a presença do fantástico inglês Dave Holland no “baixolão”.


1-The Kinks - I’m on a Island
Eu interpreto que, ao reclamar por estar “em uma ilha” e não ter “nenhum lugar para onde nadar”, Ray Davies engrossa o sofrimento que sente por uma garota que não quer nada com ele, citada em outra parte da letra. Portanto, esta ilha seria a própria Grã-Bretanha, de onde são os Kinks. É como se ele dissesse, em seu mau humor e depressão, “cassete, ela me dispensou e eu ainda estou nesta porra desta ilha”.
Enfim, melhor me calar. O que importa é a doçura de mais esta gema pop do quarteto inglês, cuja melodia por si só já garantiria o primeiro posto.


2 comentários:

  1. Pô, faltou Locomia! Sobre Ibiza... O clipe era tão pobre que os caras não conseguiram nem IR para Ibiza gravar, tiveram que fazer no centro de Madri mesmo... Pensando bem, vc pode incluir na lista dos clipes com as maiores ombreiras da história: http://www.youtube.com/watch?v=GUAO7OaGKxU. Gostei do comentário do cara que postou: Really weird Spanish music group, early 90s.

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  2. Setti! Sugestão:
    5 músicas sobre o número 0.

    A primeira TEM que ser Carry The Zero do Built To Spill!

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