segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Trem Bão



Meu cunhado, Theo Craveiro, é artista dos bons. E, numa prova de amor à arte daquelas que pouco se vê, passou quatro dias em diferentes trens na Europa, lidando com oficiais de segurança não necessariamente amistosos, levando portadas diplomáticas e... carregando três colônias de formigas amazônicas escondidas na mala.

Os insetos, vivos, são o epicentro vivo do trabalho que Theo exibiu semanas atrás na Bienal de Istambul, na Turquia (clique no nome dele para saber mais). São, também, a razão pela qual o tio do meu filho preferiu embarcar nesta verdadeira farofada ferroviária de Berlim à capital turca, trajeto equivalente a um “Oiapoque ao Chuí” europeu, com medo de ter as bichinhas confiscadas em aviões.

E como se não bastasse toda a sua simbologia (Oriente-Ocidente, Primeiro Reich-Constantinopla), a cruzada contou com obstáculos dignos de legenda: o oficial sérvio mandando o artista voltar a Budapeste pela ausência do visto, a posterior travessia por enferrujados trilhos da remota Bulgária e as indagações mal-humoradas dos guardas do vagão até a chegada à cidade turca Edirne, onde um pesquisador especializado em formigas daria aquela força. De quebra, Theo estava amarradão no Ramadã, ao qual aderiu, diz, para “pesquisar jejuns”. “Deu tudo certo graças a Alah”, comemorou.

Em homenagem à epopeia colossal de meu cunhado - vagando por trens vazios, parando em estações fantasmagóricas, sem banho, comida ou bebida, inalando chulés que não distinguem credo, cor ou raça, só faltando encontrar Átila, o huno, pelo caminho, e ainda com formigas “em cima” -, preparei um top 10 com canções que usam o trem como metáfora ou imagem real.



10-Tom Waits – “Downtown Train” (1985)

Depois regravada por Rod Stewart, é uma das faixas mais pop da carreira de Waits. Com direito a ele bailando no clipe e tudo mais.




9-Paralamas do Sucesso – “Uns Dias” (1988)

Aparentemente, o “expresso do Oriente” mencionado no primeiro verso é uma metáfora para o amor que acabou em dor de corno. Afinal “rasga a noite, passa rente e leva tanta gente que eu até perdi a conta”.



8-Guns n’Roses – “Nightrain” (1987)

Extraído da histórica temporada na casa nova-iorquina Ritz, em 1988, o vídeo abaixo registra a “banda mais perigosa do mundo” passando como um trem noturno sobre a plateia. Steven Adler ainda era o baterista; Izzy Stradlin ainda era um dos guitarristas, com Slash; e Axl ainda gostava mais de New York Dolls e Stones do que Elton John.




7-Jimi Hendrix – “Hear My Train A’Coming” (entre 1969 e 1970)

Tendo-se em conta a fama de garanhão de Jimi, tende-se a farejar conotações sexuais em uma frase como “escute o meu trem chegando”, com o agravante de que “coming” possui o sentido duplo mais famoso da indústria pornô. Mas uma lida rápida na letra inteira mostra outro contexto, mais sério, do guitarrista exorcizando racismo e outros demônios que o perseguiram antes da fama, em versos como “estou esperando aquele trem/para me levar deste lugar solitário” ou então “que mal que a sua gente me despreza”. Em violão de doze cordas, fica ainda mais doído. Jimi tinha mesmo que pegar aquele trem.




6-The Cure – “Jumping Someone Else’s Train” (1979)

Os ingleses costumam ter grandes expressões. Esta, que só ouvi neste temazo do Cure, é das melhores entre as equivalentes ao nosso “Maria vai com as outras”: fulano ou fulana está sempre “pulando no trem de alguém mais” para se atualizar, ou estar na moda. Vídeo histórico, da banda em seu começo, ainda em trio. Então Robert Smith tocava a canção em pitch até mais acelerado do que a versão original. Dos anos 1990 para cá, como pude comprovar em show de 2008, os BPMs dos góticos cinquentões baixaram quase pela metade na hora de recuperar o repertório do primeiro disco.




5-James Brown – “Nigh Train” (1964)

Lançado originalmente em 1951 por Jimmy Forrest, um de seus autores, este rhythm and blues ganhou energia atômica na versão do Godfather of Soul. Basicamente, ele insere seus conhecidos improvisos vocais em meio ao tema instrumental, que soa não menos que uma locomotiva ensandecida. O imperdível vídeo é uma delirante aula de dança do homem que anteviu a maioria dos passos de Michael Jackson. O público adolescente, cavalgando nas cadeiras, simplesmente não deixa o homem ir embora.




4-The Clash – “Train inVain” (1979)

Um disco monumental como “London Calling” tinha que ter um final à sua altura. E “Train in Vain”, do sempre melódico Mick Jones - o Paul McCartney do Clash -, não decepciona em seu desamor: Jones “perdeu o trem” de alguma senhora. Até hoje enche pistas pela noite, mesmo quando não é tocada (sua levada de bateria foi sampleada pelo Garbage em “Stupid Girl”, de 1995).




3-Milton Nascimento e Lô Borges – “Trem de Doido” (1972)

Mineiro fala tanto “trem” que no histórico “Clube da Esquina”, o disco das Minas Gerais por excelência, há duas canções sobre o assunto. Duas senhoras composições, senhoras o suficiente para simbolizar a beleza e a melancolia de todo o álbum. No embate final entre os dois clássicos coescritos por Lô, “Trem Azul” (com Ronaldo Bastos) e “Trem de Doido” (com Márcio Borges), optei pela segunda. Para mim, uma parábola sobre ser jovem e desejar permanecer como tal. “Nada a temer/Nada a combinar/Na hora de achar lugar no trem/E não sentir pavor/ Dos ratos soltos na casa”.




2-R.E.M. – “Driver 8” (1985)

Vocês sabiam que o R.E.M., após 31 anos de sólida carreira e 15 álbuns de estúdio – a maioria bons - acabou esta semana? Separação amigável, como não poderia deixar de ser em se tratando de uma das bandas com integrantes mais “bonzinhos” da história (quem não se lembra de Michael Stipe ameaçando Hommer Simpson com uma garrafa quebrada, para depois refletir e decidi coletar os cacos para reciclá-os?).

Pois comece a lamentar a ausência do trio de Athens, Georgia – que lançou seu último disco este ano – com este road movie ferroviário musicado, em cujo refrão o “maquinista 8” é recomendado a dar um break, já que está no comando há muito tempo. Uma das melhores músicas da banda, em vídeo de quando Stipe ainda tinha cabelos, e os tingia de amarelo.




1-Kraftwerk – “Trans-Europe Express” (1977)

Ora, que outra canção que não esta poderia coroar um ranking sobre uma travessia europeia em trem? E não só por isso. Como fez na maioria de suas músicas, o quarteto alemão sintetiza aqui, com apenas um primitivo beat eletrônico, três palavras e uma melodia de sintetizador, todo um tratado de ideias. No caso, partia de um tributo direto a uma companhia com este nome, Trans-Europe Express (ativa entre os anos 1950 e 1990) para tecer um comentário retro-futurista do que viria a ser a Europa moderna interligada. O riff, por sinal, foi crucial na fundação do hip-hop ao ser sampleado por Afrika Bambaataa no pancadão “Planet Rock”, cinco anos depois. Atenção para o “estaile” dos germânicos no clipe.


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Um comentário:

  1. Essa é a melhor história envolvendo arte contemporânea que eu já ouvi na vida. E foi muito bem relatada. beijos!

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