sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O 11 de Setembro e a Música


Foto: David Karp (AP)
Na noite de 11 de Setembro de 2001, o bar paulistano Filial lembrava muito aquela cena do filme “Being John Malcovich” (1999) na qual o protagonista – ele mesmo, o ator Malcovich – entra em sua própria cabeça e tudo o que pode enxergar são pessoas diferentes, mas com o seu rosto, falando apenas uma palavra: “Malcovich”.

Só que, na impressão que carrego até hoje, no reduto boêmio da Vila Madalena naquela noite todos os presentes, dos garçons às garotas, dos bêbados ao tiozinho que vendia bonecos de pano (RIP), tinham a barba grisalha, o turbante redondo e as feições de homem calmo de Osama Bin Laden. Esticando o ouvido até a mesa ao lado, só se escutava “Bin Laden”. OK, havia uma ou outra variação: “Bush”, “World Trade Center”, “Aviões”, “Al Qaeda”. Mas era absolutamente impossível falar em ou prestar atenção a qualquer coisa que não tivesse relação com aquele assunto.

Dez anos se passaram e o mundo é outro por causa daquele dia. Duas guerras começaram – e não acabaram -, milhões tiraram os sapatos nas alfândegas e, antes de ser executado, Osama Bin Laden (ou “Mohamma Bin Laden”, como arriscou um amigo pouco informado dias após os atentados) virou máscara de Carnaval, gag de "South Park", quadro do Casseta & Planeta e torcedor-símbolo do Corinthians. 3650 dias depois, porém, toda vez que vejo as imagens do segundo avião girando e entrando com tudo na torre, me surpreendo como se fosse a primeira. Para quem esteve lá, deve sempre subir às narinas o “cheiro de cinza molhada” daquela manhã, como descreveu outro dia o escritor espanhol Antonio Muñoz Molina, testemunha ocular dos fatos.

O cruzamento da música com os ataques que marcaram nosso tempo e seus ícones básicos - as Torres Gêmeas, Osama, Al Qaeda, Bush e etc – é o tema deste top 10 especial. Me aprofundo em alguns dos itens escolhidos aqui.

 

10-O clipe “Without Me”, de Eminem (2002)


Eminem pode ser 99% do tempo muito irritante. Mas às vezes é também engraçado. Em 2002, quando as cicatrizes do 9/11 ainda estavam úmidas, o cara já parodiava Bin Laden neste clipe, que aliás é um carnaval do politicamente incorreto. Entre tirações de sarro com Elvis gordo e Robin, sobram xingamentos ao Limp Bizkit e safanões em Moby, aquela “bicha careca de 36 anos”. Reparem a partir do tempo 4”06’, quando Eminem, fantasiado de Osama, dança no cafofo do terrorista.

 


9-A capa censurada do disco “Party Album”, do The Coup (2001)


Três meses antes do 9/11, a dupla californiana de rappers The Coup concluiu a arte gráfica de seu disco "Party Music", com montagem de seus dois integrantes, Pan The Funkstress e Boots Riley, implodindo o World Trade Center. A ideia era criticar o capitalismo. Por sorte, o lançamento do CD só estava previsto para dias depois da data em que ocorreram os ataques da Al Qaeda. Deu tempo de mudar a versão original da capa, prestar condolências às vítimas e evitar um cataclisma de publicidade negativa.


8-A capa do álbum “Towering Toccata”, de Lalo Schifrin (1977)


Um dos grandes craques das trilhas sonoras de cinema e televisão – é sua a inesquecível tema da série “Missão: Impossível”, dos anos 60 e 70 – Lalo Schifrin também gostava de brincar com o trabalho dos outros. E isso não se estendia às releituras de outras scores famosas que gravava, como a versão disco para o tema de “Tubarão”, de John Williams. O argentino – sim, boludo, ele nasceu Boris Claudio Schifrin em Buenos Aires – também mencionava filmes nas capas dos discos. Neste, aparece como um gigante entre os colossos do World Trade Center, fazendo um trocadilho com “Towering Toccata”, o nome original do filme “Inferno na Torre” (1974).

7-O disco “To The Five Boroughs”, do Beastie Boys (2004)


Todos os outros discos dos Beastie Boys são mais inspirados que este. É de se compreender. Mais novaiorquinos, impossível – conseguem ser judeus, rappers, skatistas, editores e ativistas ao mesmo tempo -, Mike D, Ad Rock e MCA andavam bastante bococoxôs com a tragédia de 2001. Resolveram então gravar um álbum em tributo aos 5 boroughs (algo como “distritos”) que compõem a Grande Maçã. Claro que tem seus bons momentos, como esta carta à cidade em forma de rap.



6-O álbum “WTC 9/11”, de Steve Reich e Kronus Quartet


Com a ajuda de seus velhos amigos do Kronos Quartet, o americano Steve Reich – cuja genialidade este blog pôde ver de perto graças a convite de uma certa alma boa chamada Gustavo Abreu – musicou diálogos reais entre pessoas que viveram os atentados de perto. É dividido em três partes, sendo a primeira, “WTC 9/11”, a mais relacionada com a tragédia. O músico minimalista viveu os atentados na pele - filho, nora e neta de Reich escaparam por pouco, porque estavam em seu apartamento a quatro quadras do World Trade Center.

Como no caso do The Coup, o disco também teve sua capa original alterada de última hora. Inicialmente, seria esta abaixo.

Mas, diante de severas críticas por “falta de sensibilidade” que passou a receber quando o projeto gráfico foi divulgado, o autor voltou atrás e escolheu esta outra.

Para escutar "WTC 9/11" na íntegra ou trechos das faixas, clique aqui.

 

5-A música “Jack Kerouack”, da Gangue 90 (1983)

“Ontem a noite eu sonhei que eu era Jack Kerouac/E subi num terraço: rua Houston/ E vi as duas torres gêmeas brilhando”. Júlio Barroso, o fundador da Gangue 90 morto prematuramente ao cair da janela de um prédio em São Paulo em 1984, havia morado em Nova York. Seguira de perto a mutação do punk à new wave e venerara beatniks como Kerouack, que haviam influenciado ambas as gerações. Em um dos grandes momentos pós-punk nacionais, ele eternizou o encantamento pela visão noturna das torres gêmeas.



4-A canção “City of Blinding Lights”, do U2 (2004)


Em 27 de outubro de 2011, apenas um mês e meio após os ataques, a gigantesca arena Madison Square Garden voltou a receber apresentações de bandas. O jejum foi quebrado pelo U2 em emotivo concerto que teve de catarse coletiva em “Where the Streets Have No Name” - uma ode a NY – a bombeiros subindo no palco em Walk On”. Conta Bono que os 20 mil espectadores presentes choraram. Daquela noite veio a inspiração para “City of Blinding Lights” cujos versos lamentam a mudança no comportamento das pessoas pós-atentados (“Já vi você caminhar destemida”, diz um trecho), mas também celebram a recuperação e a sensação de ver Nova York pela primeira vez (“o tempo não arrancará o garoto de dentro deste homem”).




3-A música “Jesse”, de Scott Walker (2006)

O horror, o horror. Certas obras de arte são transcendentes justamente por sugerir um pesadelo. Podem ser difíceis, indigestas, mas ao mesmo tempo geniais. Presente em um dos discos mais cerebrais, sombrios e absolutamente imprevisíveis já lançados – “The Drift”, de 2006 – “Jesse” choca e brilha duplamente. Quanto à forma, é irrepetível pelo vozeirão de velho crooner de Walker choramingando sobre um drone sinistro de guitarra; quanto a seu conteúdo, inesquecível por unir sobre o mesmo denominador a queda das duas torres do WTC e a sina do irmão gêmeo de Elvis Presley, Jesse, que nasceu morto minutos antes do Rei. Abstraindo bem, percebe-se que a guitarra fantasmagórica e repetitiva é uma citação torta de “Jailhouse Rock”, de Presley, que cruza nossa mente enquanto Walker geme “a fome é uma torre alta” ou no claustrofóbico final, em loop: “eu sou o único que sobreviveu”.




2-Erik Satie na trilha do “Man on Wire” (2008)

O sublime documentário "Man on Wire" (2008), do inglês James Marsh, investiga os bastidores do “assalto” do equilibrista insano francês Philippe Petit ao WTC em 1974. Na ocasião, Petit e amigos burlaram o forte esquema de segurança das torres para que ele pudesse cruzar de uma a outra caminhando sobre um cabo a mais de 400 metros de altura. É difícil superar a imagem ficar do gênio “flutuando no ar”, mas a inserção da trilha sonora do documentário torna tudo ainda mais emocionante.

A maioria das composições são do músico minimalista inglês Michael Nyman, fiel escudeiro de Peter Greenaway. Só que o ponto máximo do filme foi “musicado” por Erik Satie (1866-1925). Na interpretação do pianista Pascal Rogé, francês como o mestre minimalista, o número 1 de suas 3 peças “ Gymnopédies”, de 1888, soa não só como o background perfeito para a maluquice esplêndida de Petit, mas também como um bonito pré-réquiem em homenagem às torres.


1-A música e o disco “The Rising” de Bruce Springsteen (2002)


Eu não sou especialmente fã de Bruce Springsteen. Creio que precisaria ter nascido americano para “acabar de entender” – assim dizem os espanhóis – o som dele. Da mesma forma como me faz falta a nacionalidade americana para gostar de manteiga de amendoim e não achar futebol um esporte maravilhoso. Fico pasmo muitas vezes com a obsessão da imprensa musical dos EUA por Springsteen. Nas revistas mais conhecidas do ramo falam mais de The Boss do que praticamente qualquer outro músico do planeta. Com a possível exceção de Bob Dylan.

Mas não sou bobo, e sei que “O Cara” para compor o álbum-símbolo do pós-9/11 era Springsteen. Ele sabia, os bombeiros cobertos de pó cinzento sabiam, republicanos neocon e democratas “prafrentex” também. Diz o compositor de New Jersey, desde os anos 70 uma espécie de porta-voz do cidadão-médio-trabalhador-pagador-de-impostos americano, que começou a escrever as canções de “The Rising” no dia seguinte aos ataques.

Eu duvido: para mim, entre o sopro do assessor na orelha de Bush e sua levantada da cadeira na escolinha da Flórida – com a maior cara de bunda já registrada por uma câmera -, The Boss já tinha pelo menos o esboço de dois ou três versos na manga. Menos de um ano depois, o disco com quinze faixas, boa parte delas inspirada no massacre e em seus personagens, fazia estrago nas paradas. De quebra, era o álbum em que Bruce se reunia com sua mítica E-Street Band após uma década e meia.

E é justamente a faixa-título, “The Rising”, que vai para o trono desta lista. Calma no começo – ainda que a escolha de acordes já insinue a grandiloquência que está por vir - , vai ganhando corpo com a entrada das guitarras, esquenta mais e mais na repetição do refrão duas vezes. A chegada no clímax, o “la-la, la-la-la-la”, com The Boss trincando os dentes – a cara do Robert de Niro –, sentindo o bafo de Steven Van Zandt (um bafo de alho, afinal ele é um dos Sopranos) arrepia a espinha de qualquer cidadão, americano ou não. Pois o rock tocado com vontade converte até o menos patriótico dos seres, adrenaliza o mais inerte dos infiéis. Ainda mais se show é na própria Nova York, de frente ao Radio City Music Hall, debaixo de chuva. Faltou só o Conan, o Bárbaro aparecer, duelar com Springsteen. Perderia, é claro.

Com versos abertos a interpretação, válidos para qualquer situação de florescimento ou ressurreição (“Eu encontro o meu caminho em meio à escuridão/Não sinto nada além desta corrente que me controla”), “The Rising" seria depois utilizado na campanha de Barack Obama.


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4 comentários:

  1. Não se esqueça da trágica coincidência que ocorreu no lançamento de Live Scenes From New York, do Dream Theater: a capa original do disco, lançado exatamente na manhã de 11/09/2001, continha as torres gêmeas como que pegando fogo! Foi rapidamente retirado das lojas e teve a arte substituída, mas estima-se que existam hoje em torno de 1.000 cópias por aí.

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  2. Sensacional, Vinicius. Esta eu desconhecia. Tem mesmo, as torres gêmeas e a Estátua da Liberdade em chamas. Que timing, hein? Abraço

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  3. Tem mais: ouça "The Blink Of An Eye" com Procol Harum (álbum The Well Is On Fire) e "Hole In The World" com The Eagles (DVD Farewel Tour - Live In Melbourne). Abraço.

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  4. Pois é, várias foram as canções escritas sobre os ataques. Obrigado por me mandar mais estas, Ricardo. Abraço

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