sábado, 31 de julho de 2010

Ele




Um não, mas vários diabos passaram embaixo de minha varanda na semana retrasada. Trouxe nosso pequeno André fora para conhecê-los de perto, mas sua mãe Anita, coberta de razão como sempre, o levou de volta. Os Correfocs (foto de Sergio Arias), esquadra de pessoas-demônio saltitantes típica do folclore catalão e abundante no verão, impressionam cenicamente, mas incomodam com o estardalhaço dos fogos de artifício (que odeio) e fumaceira.

Mesmo assim, os Correfocs me fizeram pensar no quanto a figura do Demo e suas diversas interpretações marcam presença no imaginário e na cultura popular desde sempre. O que se reflete diretamente nas canções. Pense em seu compositor favorito e dificilmente ele não haverá abordado o tema, ou algo que pelo menos remeta a este universo, em alguma de suas músicas. Há os particularmente obcecados pelo Cão, como Leonard Cohen (“Closing Time”, "Clap! Clap!”, “The Window” e “Story of Isaac” são só algumas cantigas com referências ao Coisa Ruim escritas pelo mestre) ou o gênio bipolar Daniel Johnston, que teve até um imperdível documentário – “The Devil and Daniel Johnston” (2005) – batizado de acordo com sua fixação.
Com o Diabo no corpo – calma, radicais religiosos, é apenas figura de linguagem – resolvi terminar um top 5 que vinha preparando: minhas frases favoritas sobre ELE em canções pop. Vade retro!




5-Pixies – “Monkey Gone to Heaven” (1989)


Uma das melhores músicas do repertório dos mais cultuados bostonianos tem uma estrofe final bastante peculiar sobre a dinâmica entre o Homem, o Diabo e Deus. Para mim, o brilho reside justamente no primitivismo das sentenças. Que poderiam tanto refletir o raciocínio de uma criança sobre o assunto quanto a argumentação furada de um pastor evangélico tentando te converter (há um no meu bairro, já tocou duas vezes em nossa porta quando soube que éramos brasileiros).


If man is 5


Then the devil is 6


And if the devil is 6


Then god is 7







4-Caetano Veloso – “Maria Bethânia” (1971)


Em debates com anglofalantes sobre a célebre fase de Caetano Veloso, quando ele morou em Londres na virada dos anos 1960 para os 1970, há controvérsias sobre a qualidade das canções que compôs em inglês. Há quem ache seus versos “corny”, o que em minha opinião deve ter algo a ver com sua insistência em trocadilhos, mesmo quando fora do âmbito lusófono (“I feel a little more blue than then”, por exemplo). Outros, e que são habilidosos no ofício de compor no idioma de Shakespeare, como Devendra Banhart e Beck, adoram as letras in english de Caê. Eu também. Para mim, “Caetano Veloso” (1971) e, especialmente “Transa” (1972) estão entre os grandes discos da música brasileira. E muito por causa das letras. Como a que ele redigiu para a irmã mais velha, cujo refrão traz o (esse sim) espetacular trocadilho “are getting better, Better, beta, Beta, Beta Bethânia”. E que conta as barganhas que a cantora trama com o Diabo.


She has given her soul to the devil but the devil gave his soul to god


e


She has given her soul to the devil and bought her flat by the sea







3-Tom Waits – “Heartattack and Vine” (1980)


Este também joga no time. Interpretou o Dito Cujo em “The Imaginarium of Doctor Parnassus” (2009), de Terry Gilliam, e tem em sua coleção menções ao próprio em composições como “Down, Down, Down” e “Gospel Train”. Mas a melhor – e mais otimista, se pensarmos bem – está nesta:


Don't you know there ain't no devil, there's just God when he's drunk






2-The Stone Roses – “I Wanna Be Adored” (1989)


O mais legal aqui é o fato dos versos não mencionarem “diabo”, “demônio” ou qualquer um dos infinitos sinônimos da entidade. Está tudo implícito na toada do, er, endiabrado Ian Brown.


I don’t have to sell my soul


He’s already in me


I wanna be adored







1-Antelope – “The Demon” (2007)


Criar um mundo com apenas voz, baixo e bateria, como faz esta banda de Washington DC escolada no hardcore Americano dos 1980, já é para pouquíssimos. Elaborar a partir disso uma fábula sobre os talentos de Satã com tal perícia, então, só mesmo os grandes.


Começa descrevendo seu território de ação:


In the country where the young girls lie


In the country where the young girls hide


Prossegue contando um pouco sobre as formas que toma:


Riding Backwards on a phantom horse


Licking flies with the zombie tongue


Torching trees with his burning lungs


E fecha com chave de ouro:


The Demon knows where to go










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