segunda-feira, 30 de maio de 2011

Futebol Arte



Sábado, 21h30, Parc del Fòrum, Barcelona. Festival Primavera Sound. Os dois telões do palco onde o Mogwai termina de passar o som para tocar dali a três horas, em sincronia com um terceiro providenciado para a ocasião, interrompem a transmissão ao vivo da final da Liga dos Campeões quando acaba o primeiro tempo. Enquanto milhares de torcedores do Barça digerem o golaço de empate de Rooney e os do Manchester United – também bem representados - vão buscar mais cerveja, a tagarelagem do narrador catalão cede espaço a uma peculiar e doce voz. “Acho que é Robert Wyatt! Robert Wyatt!” exclamo para meus botões, voltando do bar. Pergunto a meu amigo e vizinho Edmundo ali presente e ele confirma: “é. É Robert Wyatt isso que está tocando”.

Recapitulo mentalmente algumas músicas que soaram em intervalos de jogos nos quais fui ao longo da vida, a espinha gela: uma espécie de country infantil de minha primeira ida ao estádio, um Corinthians e São Paulo no Morumbi em 1985 (o refrão era algo como “aulei-lei, fiu-fiu”); o axé “Arerê”, da Banda Eva, em uma outra edição do clássico no mesmo estádio em 1998 (as torcidas aproveitavam a melodia para adaptar seus insultos mútuos); e uma balada sertaneja gospel, cuja letra louvava Jesus (pronunciado em inglês, não sei por que, “Jiiiii-zas”) de um Corinthians e Portuguesa no Pacaembu em 2006.

Penso que este só pode ser o melhor intervalo de jogo da minha história. Às minhas costas o sol está acabando de se por no Mediterrâneo, há espaço para todos sentarem, o Mogwai fará seu número transcendental em breve (e abocanhará mais uma vez o caneco do festival, puxando um top 5 com: 2-The Glenn Branca Ensemble, 3-PIL, 4-Fleet Foxes, 5-Flaming Lips), PJ Harvey estará no outro palco e o futebol arte do Barcelona chegará na segunda etapa a tal nível que deixará o MU de Rooney parecendo o XV de Jaú de Wilson Mano. De quebra, o poderoso P.A. emite as delicadas notas de Robert Wyatt, uma figura que, não fosse por seus problemas logísticos – está numa cadeira de rodas há quatro décadas – poderia tocar no Primavera e sair ovacionado como os gols de Pedro, Messi e Villa.

O jogo acaba, o Barça ganha, o baterista do Mogwai, Martin Bulloch, tira fotos dos culés e veste sua antiga camisa azul-grená. O baile de bola inspira a banda que, com o angular sotaque escocês do guitarrista Stuart Braithwaite, dedica a música “Mogwai Fears Satan” a Pep Guardiola. Inspira também este blog a compilar os melhores momentos da outra forma de futebol e arte se encontrarem: nas capas de discos.

*Não valem álbuns de boleiros que se meteram a cantar, como Pelé, para não ficar muito óbvio. Também ficam de fora as capas de trilhas sonoras de filmes sobre futebol, como a que o próprio Mogwai fez para a película “Zidane: a 21st Century Portrait”.

10-Mano Negra – “Santa Maradona (Larchuma Football Club)” (single - 1994)

Não ficou exatamente artística a ideia da banda de Manu Chao. Mas metaforiza rudemente toda a nitroglicerina do homenageado na música.

9-Ratos de Porão – “Brasil” (1989)

Ainda mais propositalmente tosca, levanta a velha discussão sobre o futebol ser o “ópio do povo” em países como o Brasil. O número de discos tupiniquins nesta lista (sete) seria um indício? Ora, cale a boca e saia da frente da TV!

8-João Bosco – “Linha de Passe” (1979)

Eu diria que a referência aqui foi Dalí, ou quem sabe Magritte. Tudo fica ainda mais estranho se observarmos o barbudo Bosco tentando cabecear a lua.

7-João Nogueira – “O Homem dos Quarenta” (1982)

Embora o aperto na calça do saudoso sambista sugira o contrário, o que ele quis passar nesta montagem foi o quanto era descontraído, relaxado. E, reparem, entre uma saudação a uma arara - ! -e uma bela espichada em uma rede, eis que aparece o cantor jogando uma pelada com a camisa do Flamengo.

6-Hurtmold – “Hurtmold” (2007)

Há um dinossauro verde pedindo a pelota. Talvez por isso o zagueiro adversário se manifeste plantando uma bananeira. Opa, peralá, não é a Monga lá no gol? Seja bem-vindo ao Futebol “Arty”.

5-Junio Barreto – “Junio Barreto” (2004)

Quando me dei conta que em cima da banquinha tremulava uma bandeira do Central de Caruaru – o sofrido time do caruaruense Junio -, quase fui procurar a caixinha de botões que tinha do clube na infância. É sério.

4-Novos Baianos – “Novos Baianos F.C.” (1973)

“Fazendo música, jogando bola”, cantariam mais tarde Pepeu e Baby. Eu acrescentaria o verso “comendo banana”, tamanha a fartura das árvores posicionadas atrás da meta.

3-Jorge Ben – “Jorge Ben” (1969)

Fetiche de várias letras de Jorge como suas mulheres Tereza e Domingas, o Flamengo tinha que aparecer também numa capa de álbum do cara. E assim foi, em grande estilo.

2-John Lennon – “Walls and Bridges” (1974)

Diz a assinatura: “John Lennon, age 11”. É ele, sempre ele, o futebol, que povoa a totalidade do imaginário dos meninos até a chegada da mulherada, a música e a cerveja. Depois o interesse ludopédico, ficando na casa dos 85 ou 90%.

1-The Wedding Present – “George Best” (1987)

Lembra do Manchester United lá de cima? Pois então, embora tenha sido feito de bobo pelo Barça, sua casca é tão grossa que seus grandes heróis são também ícones pop. Um dos maiores, o norte-irlandês George Best, foi parar no nome e na capa deste álbum. Continua duvidando do tamanho da encrenca que são os Red Devils? À época do lançamento da bolacha, Alex Ferguson já estava no comando da equipe, à frente da qual ainda continua. Calcule quantos treinadores já passaram pelo banco de seu time neste período, vá ao banheiro, vomite, e depois volte ao que estava fazendo.


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