domingo, 18 de abril de 2010

Chuva, Chuva, Chuva



Já dizia Butthead: “rain sucks!”

Com todo o respeito a quem passa meses, anos esperando gotas de chuvas para resolver o inferno da aridez, e com toda consideração ao vulcão da Islândia, os recentes tsunamis e terremotos: eu não poderia estar mais de acordo com o tosco teen aparelhudo. Chuva é uma merda. Nunca gostei, acho que estraga tudo. Como vem estragando, e aí o assunto é bem mais sério, vidas e casas nas várias enchentes ocorridas em diferentes estados do Brasil durante as últimas semanas.

Tem chovido tanto, mas tanto – cada page view que dou em sites brasileiros meu teclado sai molhado – que não vai dar para escapar, nem de caiaque, de um Top 10 com músicas sobre a chuva, ou que tragam a maldita como elemento importante.

Um top 10 onde não há muito espaço para odes saltitantes aos pés d’água (coisas como “Singing in The Rain”, “Chovendo na Roseira” e “I Love the Rain” – só o burocrata Lenny Kravitz para compor uma canção com este nome – ficam de fora). Mais válidas aqui são as chuva que se infiltram nas crises, que lavam os desamores e que lubrificam a capacidade poética dos compositores. Chuvas reais ou alegóricas, roxas ou translúcidas que, enquanto estiverem enchendo os reservatórios da boa música, servirão para o consolo, e não o afogamento, das pessoas que perdem entes queridos nas encostas barrentas.

*Menção honrosa para “Rain Dogs”, de Tom Waits, mais sobre cachorros molhados do que sobre a chuva em si, e o standard “Come Rain or Come Shine” (a versão de Ray Charles mata a pau), em que o condicional “faça chuva ou faça sol” é apenas mais uma desculpa para o cara pegar a gatinha do que qualquer outra coisa.



10-The Cure – “Prayers for Rain" (1989)

Qualquer faixa de “Disintegration”, o “Sgt. Peppers” dos melancólicos, é digna de alta nota. Esta, em que um deprimidíssimo Robert Smith geme as dores de um amor mal-acabado, não é exceção. O vídeo é tirado do impecável DVD “Trilogy”, de 2002.




9- Supertramp - "It’s Raining Again” (1982)

Poderia estar na lista das músicas que dão vergonha de gostar. Eu não me importo. E faço aqui uma homenagem não só ao soft pop caretão (observem a pinta dos músicos e do público) como também a meu amigo Marco. Produtor que começa a despontar na cena musical indie espanhola, este italiano pilota as mesas de som de concertos de nomes festejados internacionalmente, como Delorean e El Guincho; mas, quando o expediente acaba, ele gosta mesmo é de se trancar no estúdio, ver vídeos de partidas de seu sofrido Napoli, e escutar Supertramp no último volume.




8-Lobão – “Me Chama” (1984)

A balada definitiva do pop nacional não seria a mesma se não tivesse chovido no dia em que Lobão tomou este pé na bunda. Aqui choramingoso como um lobinho, o carioca apela: “chove lá fora e aqui / Faz tanto frio”. Claro que, após ouvir a canção pronta, a musa em questão deve ter reabrido as portas e dado, no mínimo, uma toalha ao cantor. Ah, e alguém pode me explicar o que é isso que passa sobrevoando entre os 37 e 51 segundos do clipe? Parece um molho de chaves. Ou seriam os Ronaldos (a banda do Lobo à época) em versão diminuta?




7-R.E.M. – “So. Central Rain” (1984)

O mais legal é que a palavra “rain” não é mencionada em nenhum verso desta música. Ou seja, pelo título e pelo resto da letra é que sentimos o clima: uma ligação não foi feita a alguém, um pedido de desculpas esteve envolvido, e enquanto isso a “tempestade do sul-centro” encharcava as angústias sem tréguas do eu-lírico. O R.E.M. tem outra composição que fala bem mais da dita cuja, “I’ll Take the Rain” (2001), mas esta, além da sutileza poética, abocanha o posto por ser um clássico dos primeiros anos da banda. Tudo fica ainda melhor neste vídeo histórico, a suposta primeira aparição do então quarteto em rede nacional nos EUA, durante a qual Mike Mills e Peter Buck discutem preços de discos com David Letterman. Uma versão tão antiga que a canção ainda nem tinha sido batizada (o programa é de 1983, antes do lançamento do disco em que estaria contida, “Reckoning”, do ano seguinte).




6-Jorge Ben - “Chove Chuva” (1963)

“Pra a chuva parar / de molhar o meu divino amor”. Isso na versão original, com a bossa desconstruída do primeiro disco de Jorge (“Samba Esquema Novo”), é difícil de ser superado. Até mesmo pelo próprio, que tem um outro grande hino “chuvoso”: “Que Maravilha”, como os versos “Lá fora está chovendo...”.




5- B.J. Thomas – “Raindrop Keeps Falling on my Head” (1969)

Se prestarmos atenção na letra, é uma metáfora para “merda acontece, continuará acontecendo, mas nem por isso temos que aceitá-la, e devemos seguir adiante”. Toda uma lição criada pelos gênios da água com açúcar Burt Bacharach e Hal David, traduzida pela voz do orelhudo BJ Thomas (reparem). Magia pura ele cantando na frente das estúpidas coreografias dos bailarinos com coletes e guarda-chuvas. Novamente, um brinde ao soft pop.




4-Beatles – “Rain” (1966)

Se está chovendo ou não, não importa, já que tudo é uma questão de percepção. Ou pelo menos dizia John Lennon na letra desta maravilha. Os Beatles haviam entrado definitivamente para o time dos psicodélicos, e precisavam dar o recado. “Rain”, lado B do single “Paperback Writer”, é testamento da acidez pop não só por inaugurar a era dos sons gravados ao contrário, mas também pelos olhinhos caídos de chapado de maconha de Paul McCartney no vídeo (ele também estava com um dente da frente quebrado no momento da gravação, por causa de um acidente de moto). Aliás, para George Harrison, eles também “inventaram a MTV” ao criar essa peça promocional da canção e enviá-la ao programa de Ed Sullivan, já que não tinham mais saco para comparecer ao vivo no estúdio.




3-Prince - "Purple Rain" (1984)

Até hoje não chego a conclusões sobre o que seria exatamente a “chuva roxa”, mas com certeza deve ser alguma sacanagem do Baixinho. Não sei se é a guitarra do começo, ou o eco da voz, mas há uma dose de eterna nostalgia nesta canção que poucas outras alcançam nos cérebros introduzidos à música nos anos 1980.




2-Eurythmics – “Here Comes The Rain Again” (1983)

Acordes menores, sintetizadores pomposos, falésias, xales, lampiões, seculares casas de pedra. Melancolia eighties saltando pelos poros. Caindo em nossas cabeças como uma memória, da mesma forma que a chuva caía sobre Annie Lennox e Dave Stewart.



1-Bob Dylan - "A Hard Rain’s A-gonna Fall” (1963)

Há 50 anos, Bob Dylan vem se esquivando do rótulo de Messias Salvador que lhe impuseram no início de sua carreira. “I’m not the one you want, I’m not the one you need’, já dizia ele em 1964 com “It Ain’t Me Babe”. Mas, se pensarmos bem, era bem difícil de não entrar na onda. Dylan pegava a estrutura da folk music americana, musicalmente simples e normalmente base para letras voltadas para o cotidiano e o trabalho, e escrevia grandes tratados enigmáticos dos quais transbordavam imagens que nem o próprio saberia explicar. Poderiam ser interpretadas, no final das contas, de mil maneiras. No caso de “A Hard Rain’s A-gonna Fall”, a chuva do título foi automaticamente taxada de “ácida”, por causa das tensões nucleares da época em que foi escrita, o auge da Guerra Fria. Ele disse que era simplesmente uma chuva das grandes. Que, segundo os versos, viria para lavar o mundo testemunhado pelo homem que já viu e fez de tudo nesta vida, de ter atravessado “sete tristes florestas” a patinado por “uma dúzia de oceanos mortos”.

Um comentário:

  1. Nossa, mas que post legal. Adorei as 10 escolhas. Impressionante como você sempre me convence de que os anos 80 foram melhores do que eles realmente foram. Ficam menções honrosas pra Rain Song do Led Zeppelin e Meu Guarda-Chuva, que eu não sei de quem é, e que abria a jornada da esportiva da Jovem Pan, quando dava pra ouvir Jovem Pan ("só eu tenho guarda-chuva, adivinha quem vai se molhar ?"). Fica também a lembrança do uso sinistro da saltitante Singing in the Rain pelo diabinho Alex, em Laranja Mecânica. Abração.

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