Os ex-indie sweethearts Kim Gordon e Thurston Moore (Foto: Life) |
Não fui ao show do Sonic Youth no festival paulista SWU na última segunda-feira.
Mas pelos relatos de quem viu, a banda subiu ao palco em Paulínia com a mesma sensação dos jogadores que disputaram a Copa de 2006 pela seleção de Sérvia e Montenegro, um país que então já não existia (Montenegro se independentizara uma semana antes do torneio). Enfim, cumprindo tabela diante de um fim inevitável que se aproxima.
A razão para a “incerteza” sobre o seu futuro, como o próprio grupo novaiorquino define a atual situação, é a separação de Thurston Moore e Kim Gordon (o segundo melhor casal pop nesta lista aqui).
E dá para imaginar o quão awkward deve ter sido para a dupla, após 27 anos dividindo a cama e o palco, viajar e tocar juntos sem estarem realmente juntos (o show brasileiro já estava marcado quando divulgou-se o anúncio).
Fã não só da banda, mas também do casal, sei bem o que haveria feito se pudesse ter comparecido no SWU. Naquele momento entre as músicas, em que em geral os fãs berram os nomes das canções que desejariam escutar, eu gritaria: “get married again! Immediately!”.
Fosse uma comédia romântica, soaria ao fundo então a maravilhosa “I Love You Golden Blue”, em que Kim sussurra como se fosse ao ouvido do garoto dourado de olhos azuis Thurston, e pouco antes dos créditos do fim do filme eles cairiam em conta de que a reconciliação era o único caminho. E, no container improvisado de camarim atrás do palco, brindando com uísque importado da Escócia e pamonhas encomendadas em Piracicaba, selariam o amor eterno. Ou por pelo menos 27 anos mais.
Em solidariedade ao momento de Kim, Thurston e Coco Haley Gordon Moore, a filha de 17 anos de ambos, preparei um playlist com as top 5 melhores músicas sobre a separação. Boa sorte para eles.
5-Martinho da Vila – “Menina-Moça” (1967)
Genial pensata do craque de Vila Isabel sobre nossa insatisfação eterna e como funcionamos de forma cíclica: de passear a acompanhar, de acompanhar a flertar, de flertar a namorar, de namorar a noivar, de noivar a casar, de casar a brigar, de brigar a desquitar, de desquitar a amigar, de amigar a separar, de separar a não querer amar, e por não querer amar, chorar. Foi o samba que lançou Martinho, inscrito no festival da Record de 1967, mas só apareceu gravado no bom terceiro disco, “Memória de um Sargento de Milícias”, de 1971.
4-Arsenio Rodríguez – “El Divorcio” (1956)
Na tradição das grandes canções populares cubanas de transformar em versos irresistíveis os provérbios mais sacanas, o cego Arsenio (1911-1970) ensina aqui que “certos cães não perdem seu vício, ainda que queimem o seu focinho”. E a estes vacilões reincidentes, o refrão dá o exemplo fatal: “ahí la negra te lo dio el divorcio”.
3-Chico Buarque – “Trocando em Miúdos” (1978)
Na amargura, Chico fica ainda mais Chico. E nem a melodia ponderada de Francis Hime alivia a dor da ruptura expressa neste clássico. É escolher o melhor-pior verso e correr para soluçar debaixo do edredom. Alguns candidatos:
“Aquela aliança, você pode empenhar, ou derreter”
“Mas devo dizer que não vou lhe dar/O enorme prazer de me ver chorar”
“Eu bato o portão sem fazer alarde/Eu levo a carteira de identidade/Uma saideira, muita saudade/E a leve impressão de que já vou tarde”.
2-Bidê ou Balde – “Mesmo que Mude” (2004)
Implicância generalizada com o Bidê ou Balde é o que não falta por aí: são gaúchos demais, engraçadinhos demais, o vocalista Carlinhos é gordo demais, a backing vocal Vivi gata demais. Mas detratores e fãs – e eu não sou nenhum deles - hão de concordar: pouca gente acertou tão na veia em uma canção a respeito da relação entre duas pessoas recentemente apartadas quanto os autores desta, Carlinhos e o guitarrista Rodrigo Pilla.
Tanto de um lado: “Ela vai mudar/Vai gostar de coisas que ele nunca imaginou/ Vai ficar feliz de ver que ele também mudou/Pelo jeito não descarta uma nova paixão”
Quanto de outro: “Ele vai mudar/Escolher um jeito novo de dizer ‘alô’/Vai ter medo de que um dia ela vá mudar/Que aprenda a esquecer sua velha paixão"
(Ah, e diga-se: desde Stevie Wonder não se via um uso da talking box tão legal).
1-Bob Dylan – “Don’t Think Twice It’s Alright” (1963)
Tendo escrito sobre tudo e todos, Dylan expurgou demônios afetivos em mais de uma ocasião. Faço uma menção especial para “It’s All Over Now, Baby Blue” (1965), mas para mim o grande momento de terapia conjugal do Sr. Zimmermam veio logo em seu segundo e antológico álbum, “The Freewheelin’ Bob Dylan” (de 1963, o primeiro com canções de sua autoria), com a lindíssima "Don't Think Twice It's Alright".
Depois de sair sorrateiramente, sem deixar sequer um bilhete ("When your rooster crows at the break of dawn/ Look out your window and I’ll be gone"), Dylan começa o lamento em forma de carta. Diz sentir-se sufocado e, para ilustrá-lo, relembra o trauma de um relacionamento antigo (“I gave her my heart but she wanted my soul”) e lava um pouco de roupa suja ("You could have done better but I don’t mind") enquanto põe o pé na estrada. Em seu melhor estilo, sem olhar para trás. Para que debater a relação, afinal, se “We never did too much talkin’ anyway”?