quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A festa nunca termina



Europeu aproveita o verão com disposição de Geraldão, porque sabe que a hora em que a brincadeira acaba, é para valer: neve, calefação, ceroula, caldo galego. Provavelmente por isso no Velho Continente todo povoado de 500 negos ou bairrinho de cidade média tem que ter a sua festa tradicional no meio do ano. Não importa o motivo.

Se um vilarejo é conhecido por seus rabanetes, por exemplo, pode apostar que entre julho e agosto ocorre lá, há sete séculos e meio, a Festa do Rabanete. Na quermesse, gordas senhoras esquecem as varizes e cozinham a raiz em panelas de 3 metros de diâmetro, enquanto músicos dos arredores recuperam um folclore sofrível, adolescentes vomitam vinho com coca-cola e todos sei lá, dançam descalços em cima da maçaroca rabanética num rito pagão.

Barcelona segue à risca as tradições, e neste momento se encontra no auge da gandaia, com o começo das Festas do bairro de Gràcia, a melhor oportunidade para se apreciar exemplares da curiosa fauna dos seres de crina mullet-dread. Mês passado rolaram as do meu bairro, o Poble Sec (até decoramos a sacada), e em setembro chega a Mercè, por toda a cidade. A Festa nunca termina enquanto dura, e por isso o episódio de hoje do MDL resgata algumas capas de disco com este espírito. Bolachas que, aliás, guardam um exuberante conteúdo musical que bem poderia ser playlist destas festanças (a única com programação musical razoável é a da Mercè).



10-Tom Tom Club – “Tom Tom Club” (1981)

A capa pode ser bem ludiquinha e naïve, mas o que vem dentro é pura pista para adultos. De quando os Talking Heads, em seu auge criativo, também acertaram em cheio nos projetos paralelos.


9-The Temptations – “House Party” (1975)


Se a festa é em casa, os convidados não podem estar para brincadeira.

8-Guizado – “Punx” (2008)


O bom artista gráfico paulistano MZK retratou bem a balada urbana sem compromisso. Democrático, o convescote conta com ilustres presenças, como o robô do canto esquerdo e o sujeito de quatro olhos do meio.


7-Queen – “Friends Will Be Friends (single - 1986)


Às vezes é assim, amigo avisa o amigo do amigo, que avisa o amigo do amigo. Quando foi ver, já foi. Aí só sendo Freddie Mercury mesmo para segurar a peteca.


6-The Lovin’ Spoonful – “Everything Playing” (1968)



Ah, a psicodélica segunda metade dos anos 60. Reparem no roliço personagem mais à esquerda, mistura de Buda, Wilza Carla e o boneco azul das antigas propagandas de Cotonetes.


5-Bar-Kays – “Soul Finger” (1967)


Lá pelo final dos anos 90 nove entre dez festas de funk e soul de São Paulo sampleavam esta capa para seus convites. Seguramente você já acabou em uma.


4-Miles Davis – “On The Corner” (1972)


Toda vez que me deparo com este clássico me transporto para as noitadas descritas pelo recém-finado Gil Scott-Heron no bom livro “Abutre”. Mais pelo clima da portada do que pelo som, até. Atenção para as mensagens “Vote for Miles” e “Free Me”. Em 2001, com minha ex-banda TchucbandioniS, prestamos tributo a este álbum com o nome e a capa de “On The Cave”, nosso disco mais experimental. Arthur Joly cuidou de ilustrar a festa estranha com gente esquisita. No caso, nós mesmos:



3-Roxy Music – “Manifesto” (1979)


Claro que Bryan Ferry e seus cupinchas tinham que contribuir com o item mais chique do ranking. Sobram blasesimo e ambiguidade sexual, como em todo o trabalho da grande banda.


2-Marvin Gaye – “I Want You” (1976)


O que falta de faísca libidinosa no número 3 abunda aqui. Belíssimo, bastante quente e definitivamente hetero.


1-George Michael – “Listen Without Prejudice Vol. 1” (1990)


Festa na praia! Você que achou que Mongaguá estava apertado demais no fim de semana passado, tranquilize-se. Na Coney Island dos anos 40, em plena Nova York – época e local onde foi feito este retrato - a farofa era muito mais pesada. Só não tem ninguém com tubo de Neutrox rosa porque acho que ainda não haviam inventado o Neutrox rosa.


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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Muita calma, Ladrão, muita calma



Meu bairro, o Poble Sec, é dos mais legais de Barcelona. Está a dez minutos a pé do centro, quinze da montanha e vinte do mar. Tem bons bares e restaurantes, um ar boêmio empolgante e gente de tudoquéquantélado do mundo, embora o grau de integração ainda esteja mais para “Do The Right Thing” do que United Colours of Benetton. Mas enfim, é bacanão.

Só que, claaaro, não é perfeito. Longe disso. Por exemplo, no Poble Sec há pelo menos um QG de batedores de carteira profissionais, esta modalidade de crime que vive sua era dourada na capital da Catalunya (113,5 mil roubos sem violência no ano passado). Eles costumam se encontrar num locutório - estes muquifentos centros de telefone e internet pagos - e um bar (possivelmente o mais podre da cidade) em frente, quase em minha rua.

Noutro dia os dois estabelecimentos foram palco de uma batida policial, com tropa de choque e tudo, e das cem pessoas revistadas, quarenta tinham antecedentes criminais. A maioria esmagadora era da mesma nacionalidade, que não vou revelar aqui para que novos Anders Behring Breiviks não entrem em erupção.

Enfiei a carteira no bolso da frente com a mão dentro e subi pela rua paralela, pensando em surrupiar de meus próprios arquivos secretos o top 10 canções sobre ladrões, furtos, roubos que vinha preparando. E aqui está, uma safra boa, destas de guardar em cofre. Reparem que quase todas são contadas do ponto de vista de quem rouba. Seriam os compositores uns cleptomaníacos reprimidos?


10- The Slits – “Shoplifting” (1979)
Os pequenos furtos em lojas, modalidade criminal adolescente por excelência, abrem o ranking pelos ensinamentos das primeiras heroínas do punk inglês. O prêmio nonsense vai para o alvo da cobiça infratora das minas: “coloque o cheddar no bolso, e o resto na jaqueta”.



9-Dead Kennedys – “Stealing People’s Mail (1980)
Equanto uns arriscam a liberdade por queijos, outros não conseguem dormir sem interceptar ilegalmente a correspondência alheia. A sensacional tijolada clepto-postal é a primeira das quatro músicas do vídeo.



8-Titãs – “Marvin” (1984)
Cantada pelo soulman cego Clarence Carter, “Patches”, canção dos anos 1970 versionada nos 1980 por Nando Reis, tem letra tristíssima. Mas em nenhum momento o cidadão que a compôs menciona “só via carne se roubasse um frango”, ou “deus, era em nome da fome que eu roubava”. Nando, então adepto de um alaranjado afro-mulet, foi longe na adaptação. E se deu bem. “Marvin” é hit até hoje.



7-New Order – “Thieves Like Us” (1984)
Na tradição de significados oblíquos de algumas letras do New Order, esta new wave melancólica não fala diretamente de “ladrões como nós”. São versos mais de mea culpa do que qualquer outra coisa, e o título reverencia livro e filme (do Altman) de mesmo nome. A metáfora do ladrão. Boa ideia, até.



6-Chico Buarque – “Pivete” (1978)
Não poderia faltar o autêntico modelo made in brazil de delinquente juvenil. Aquele que, segundo Chico, “aponta um canivete”, “arromba uma porta” e “faz ligação direta”.



5-Chico Science & Nação Zumbi – “Da Lama ao Caos” (1994)
O saudoso olindense gostava de abordar o assunto. “Cidadão do Mundo” era um exemplo. Outro, ainda mais forte, fora a faixa-título do seu disco de estreia com a Nação Zumbi. O refrão ninguém esquece – “um homem roubado nunca se engana”, mas também entrou para a história o “peguei um balaio/ fui na feira roubar tomate e cebola/ Ia passando uma véia/ pegou a minha cenoura/Aí minha véia, deixa a cenoura aqui/Com a barriga vazia não consigo dormir”.



4-Serge Gainsbourg & Brigitte Bardot – “Bonnie and Clyde” (1967)
Poucos duetos poderiam ser mais sugestivos do que o cafifa Serge e a gostosa Brigitte cantando sobre o casal de bandidos mais pop da história. Outro figurão contravenção, Jesse James, também é lembrado nos versos iniciais. Mas se você é como eu, que não fala bulhufas de francês, foque na safadeza da dupla, o refrão grudento, o groove entorpecente e o suíngue têxtil da cuíca. Coisa de ladrão.



3-The Clash – “Bankrobber” (1980)
“Daddy was a bankrobber/ But he never hurt nobody”. Joe Strummer tentava assim sensibilizar as massas para a vida de familiares de assaltantes. Jogou sujo, criando um dos melhores momentos do sempre feliz affair Clash x música jamaicana.



2-Racionais MC’s – “Eu Sou 157” (2002)
“Vagabundo assalta banco usando Gucci, Versace/ Civil dá o bote usando caminhão da Light/ Presente de grego, né?/ Cavalo de Troia/ Nem tudo que brilha é relíquia nem joia”. Mano Brown é um obcecado por esmiuçar os bastidores da rotina de ladrões e outros criminosos. “Eu Tô Ouvindo Alguém me Chamar” já era uma obra-prima, mas “Eu Sou 157”, além de voltar ao tema, simboliza o auge da complexidade das letras do rapper: a bola da narração é passada inúmeras vezes com maestria, mas sem que o ouvinte deixe de saber que é a história do assaltante o fio principal. Tragédia, arrependimento, raiva, confusão, suspense e uma boa dose de comédia se fundem na panela, tornando esta crônica sem final feliz uma das mais completas sobre o assunto.



1-Janes’ Addiction – “Been Caught Stealing” (1990)
A regra é clara: “When I Want Something/and I don’t wanna pay for it/ I walk right/ Through the door”. Uma música que consegue ser um hit ensinando a roubar tem que ir para o trono. O fetiche em torno da canção - e do clipe sensacional - lá pelo início dos anos 1990 era brabo: a fita que eu tenho até hoje foi gravada do CD que um amigo meu “afanara” de uma filial do extinto Mappin. Eu poderia jurar que ele chegou para mim cantando: “Hey allright/ If I get by... It’s mine!”.



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