terça-feira, 18 de maio de 2010

Vá com Dio



Ronnie James Dio (foto), morto na segunda-feira aos 67 anos, por causa de um câncer de estômago, foi o inventor do símbolo do heavy metal (indicador e mindinho em riste, resto dos dedos dobrados). Ou pelo menos assim ele explica em “Metal: a Headbanger’s Journey” (2005), de Sam Dunn, um dos melhores documentários de música já feitos. Ítalo-americano da gema – em seu RG lia-se Ronald Padavona -, passou a imitar os gestos que a avó fazia ao rogar praga nas vizinhas (a mão simulando as orelhas do demo), criando um dos ícones mais fortes da música pop (veja aqui). Já seria o suficiente para que o recém-finado fosse canonizado no Reino Eterno do Metal, mas vai muito além: Dio era um careca-cabeludo convicto; media 1,60m; enfrentava dragões e cavaleiros em seus clipes e shows, sem a menor cerimônia. Em outras palavras, Dio mandava bem. A ponto de, com toda sua estatura, auto-apelidar-se “Deus”.


Extremamente uncool, é claro. Como dizia um professor meu, “você não vai tentar conquistar a gatinha convidando-a para ver ‘Cartão Verde’ de Rider e meia”. Pois é parecido, você não tenta ganhar o broto colocando um disco do Dio para ela escutar. Muito embora o pequeno guerreiro, que enfrentou batalhas impossíveis como substituir Ozzy Osbourne no Black Sabbath, com certeza pegou muito mais mulher do que 99,99% dos indies blasés de cabelinho liso para o lado. Não só ele, mas toda a sorte de grupos que inspirou na virada dos anos 1970 para o 1980 se deram muito bem neste quesito.

E são justamentes estas bandas – e ele, Dio – os homenageados aqui. Os mais renegados entre os mais renegados da mais renegada das décadas. Os roqueiros broncos e ao mesmo tempo excêntricos que foram trilha para caminhoneiros toscos flertarem com garotas fáceis de shorts jeans e camisas amarradas em cima do umbigo; os que erraram feio, e muitas vezes, nos penteados e nas roupas. Dio inspirou este top 10 e está nele. Comboios de cabeludos geniais e sem senso de ridículo, donos de hits que embalariam à perfeição o trote firme a cavalo de um pelotão épico, todos com madeixas ao vento, rumo ao infinito. Mestres da teatralidade musical barata (e eficiente!) que tenham, de preferência, participado do Rock In Rio I e feito parte dos álbuns de figurinha Stamp Colour e Rock Stamp. Longa vida ao metal sem-noção dos anos 80. E que Dio esteja sempre convosco.





10-Scorpions – “Rock You Like A Hurricane” (1984)

Como Dio, o vocalista Klaus Meine já lidava com a calvice nos anos de auge de sua banda. E não dava a mínima para isso! Atenção para a dancinha pra-frente-pra-trás dos guitarristas, todo um clássico daqueles dias, e para o quão xexelentas são as grades da prisão cenográfica onde toca a banda. Brilhante.






9-Ozzy Osbourne – “Crazy Train” (1980)

No vídeo em que faria homenageando seu guitarrista Randy Rhoads, morto em 1982, Ozzy resolveu repicar o cabelo para ficar parecido com sua esposa Sharon. O momento mais “new wave” do Príncipe das Trevas.






8-Judas Priest – “Breaking The Law” (1980)

Nos bastidores do festival Goiânia Noise, bêbado e exausto, me deparei com um sujeito que tocava “Breaking the Law” na sanfona. Quando uma coisa como estas acontece, o mínimo que você deve fazer é respeitar a canção e quem a compôs.






7-Europe – “The Final Countdown” (1986)

Do começo alarmante aos baixos galopantes em marcha, passando – é claro - pelos teclados com delírio de grandeza, talvez seja o maior exemplo dos excessos maravilhosamente equivocados dos anos 1980.






6-Accept – “Balls to the Wall” (1984)

Reparem a partir dos 18 segundos. É assim que se dança quando se tem guitarras em punho. Sem contar o dress code perfeito dos alemães: tênis branco de cano alto, calça negra apertada, guitarras flying V. Um dia ainda realizarei o desejo secreto de contratar Udo, frontman do Accept, para demolir uma casa mandando bolas à parede.






5-Dio – “Holy Diver” (1983)

Não importavam os 1,60 m. Dio estava preparado para enfrentar quem viesse. Com espada e tudo, como ele costumava fazer nos shows. O cara era da pesada ou não?






4-Kiss - “I Love it Loud” (1982)

Ainda lembro do medo que senti quando me mostraram pela primeira vez a capa de “Criatures of the Night”, o álbum do Kiss que trazia esta faixa. Quando vi o clipe, então, com o adolescente sofrendo abdução pela TV com olho branco de peixe morto, nem me fale. Vinte anos mais tarde, o dono de um bar quis me expulsar por tocá-la em um set de discotecagem.






3-Survivor – “Eye of the Tiger” (1982)

O começo com todos os integrantes se encontrando para a “missão” é todo excelente. Mas o tecladista de óculos e mullet se juntando aos “guerreiros” sem esboçar nenhuma confiança, tremendo na base, aos 24 segundos de clipe, é absolutamente imperdível.




2-Twisted Sister – “We’re Not Gonna Take It” (1984)

Ora, quem nunca ergueu os punhos e socou o ar com uma mão, mantendo a cerveja na outra, ao som disso? Até Arnold Schwarzenegger usou em sua campanha ao governo da Califórnia. O vocalista Dee Snider, este cruzamento de Elke Maravilha com Zé do Caixão, se transformou em uma das grandes figuras do heavy metal ao ir aos tribunais defender-se contra as acusações de obscenidade dos puritanos americanos então comandados por Tipper Gore, mulher de Al Gore. Outro episódio precioso relatado no documentário de Sam Dunn citado na introdução (o trecho é este)






1-Quiet Riot – “Cum on Feel the Noize” (1983)

Um dia meu amigo André Faria me disse o quanto essa canção lhe fizera pular no quarto durante sua infância. Ele sentira o mesmo que eu. Pois para um garoto de 8 anos dos anos 80 poucas coisas poderiam ser mais perfeitas do que esta paulada, cover dos glam-setentistas Slade – cuja versão original, aliás, também é excelente. Em 2005 0 geninho indie Sufjan Stevens provou que era do nosso time: parodiou o título em seu (ótimo) álbum “Come On Feel the Illinoise”. Até o Oasis fez cover, que também ficou da pesada. Ou seja, a música é boa mesmo. E o vocalista Kevin DuBrow, outro careca-cabeludo, atestava que as lições capilares de Dio eram de fato o que pegava naquela era.




terça-feira, 11 de maio de 2010

Não corto



Na semana passada ocorreu finalmente comigo o que eu vinha temendo nos quatro anos em que moro em Barcelona: sair do barbeiro com um mullet não encomendado. Na Espanha, e muito especialmente na Catalunha, o inexplicável revival do mais execrável dos cortes de cabelo de nossa geração continua a todo vapor, e se você não entra no salão dando ordens expressas sobre evitar o temido hairdo, volta para casa literalmente no maior Xororó. Desesperado diante do primeiro espelho de carro com que topei na saída, corri de volta à cadeira e supliquei pela correção do erro.

O final foi feliz, mas não pude deixar de lembrar de outros capítulos da série “momentos marcantes de barbeiros e cabeleireiras em minha vida”. Sobretudo aqueles envolvendo o “ser cabeludo”: o quanto tardei para decidir tosar a cabeleira de pré-roqueiro aos 13 anos; e o quão bizarro foi raspar a juba – esta sim, volumosa e comprida - que cultivei entre os 14 e 17, para em seguida vendê-la por 60 reais a Mirta, uma cabeleireira da Rua Augusta. Lembro como se fosse hoje. Eu, incredulamente calvo, admirando a foto que Mirta tinha com Cauby Peixoto na parede.

A peculiar nostalgia ativou os arquivos do departamento de associações sonoras do Mala da Lista. E o blog homenageia aqui os bravos sobreviventes das eternas brigas enfrentadas diariamente com pais, professores e chefes, sempre ávidos em escalpelar a alegria alheia. 5 grandes canções sobre cortar ou não o cabelo. E um brinde aos que não vão cortar nunca: os Metaleiros e o Dudu Tsuda.



5-Crosby, Stills, Nash & Young - “Almost Cut My Hair” (1970)

Vietnã, drogas, policiais, bad trips. Por pelo menos um momento, David Crosby achou que não seguraria a barra e quase cortou o cabelo. Quase. Quando ele voltou a se encontrar com Stephen Stills, Graham Nash e Neil Young em meados da década passada, os fios (de todos) eram brancos, mas ainda tão longos quanto em 1970.






4-Pretenders - “Don’t Cut Your Hair” (2008)

Quase duas décadas sem disco para voltar pedindo à tchurma que não corte o cabelo. Chrissie Hynde pelo menos fez sua parte, mantendo o estilo “pica-pau” que tanto fez escola em roqueiras pós-Pretenders.






3-Nipônicos Anônimos – “Cabelereira do Zezé” (2009)

As boas marchinhas quase sempre são politicamente incorretas. É o caso desta, que mesmo dando margem à interpretação homofóbica, é genial. E as boas marchinhas têm também o mesmo impacto cru e veloz de uma canção dos Ramones. Dá para notar isso quando despimos a composição dos anos 1960, creditada a Roberto Faissal e João Roberto Kelly, a um arranjo (involuntariamente) minimalista deste grupo de nipo-brasileiros anônimos. É grito de guerra, parte 1, parte 2 e ponto final.






2-Pavement – “Cut Your Hair” (1994)

“Did you see the drummer’s hair?”. Eram os intelectuais do Pavement brincando com as mazelas da imagem no mundo pop. Para isso, até um gorila aparando o couro cabeludo entrou na dança.






1-Oswaldo Nunes – “Deixa o Meu Cabelo em Paz” (1969)

O título da música já seria a melhor mensagem anti-escalpo. Mas não fica só por isso: “Sou jovem avançado, estou na onda, o que é que há”. E ainda é um samba-rock para lá de grudento. Escute aqui ou divirta-se com o português bebaço cantarolando este clássico na rua.








terça-feira, 4 de maio de 2010

Todos os Olhos



Vi que um canal da TV espanhola vai passar um ciclo de cinema chamado “La Navaja de Luis Buñuel”, em clara alusão à inesquecível cena do corte de um olho no filme “Um Cão Andaluz”, que o cineasta e seu compatriota Salvador Dalí dirigiram em 1929. Era o que faltava para compor a cadeia de coincidências nonsense da semana: globos oculares. Sim, algo já me parecera estranho quando vi Neymar (foto) com seu óculos protetores high tech (e olho vermelho de replicante) que o craque acabou não usando na sofrida final do Paulistão. Pouco antes eu soubera que quinta, agora, será Dia do Oftamologista. E justo eu, que há pouco inaugurei minha faceta Quatro Olhos.

Enfim, tudo a ver com tudo, nada a ver com nada. Um samba-do-crioulo-doido que é mera desculpa para que caia em vossos colos um Top 10 de capas de álbuns ilustradas por olhos. Reparem que o pessoal caprichou no quesito aflição: a navalha de Buñuel e Dalí fez escola.



10-Caetano Veloso –“Circuladô” (1991)



Começamos caetaneando. Uma proposta colagem. Um lance assim, super conceito.



9-Michael Jackson – “Dangerous” (1991)



Se alguma escola de samba fizesse um enredo em homenagem ao Rei do Pop, este seria o carro abre-alas. Curioso como lá em 1991, há quase 20 anos, Michael já colecionava cirurgias plásticas nos olhos.



8-Olho Seco – “Olho por Olho” (1989)



A lendária banda punk paulistana tem várias capas escrotonas envolvendo olhos. Essa, para mim, é a mais impactante. Vou pensar duas vezes antes de comprar minhas próximas latas de sardinha.



7-José Mario Branco – “Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades” (1971)



Conheci este esquisito disco no blog do Paulo Beto, vulgo Anvil FX, um dos pioneiros da eletrônica no Brasil e incansável pesquisador de bolachas obscuras. Mistura de rockão dos anos 70 com folclore das antigas de Portugal - o país de origem de Branco -, tem uma canção chamada “O Charlatão” e esta intrigante capa. O que já faz valer uma certa pena.



6-Gilberto Gil – “Raça Humana” (1984)



Dezoito anos antes de seu tributo a Bob Marley – batizado horrivelmente de “Kaya n’Gan Daya” – Gilberto Gil já brincava de fazer reggae. Alguns experimentos deram certo e até viraram hit, como “Vamos Fugir”. E a capa da bolacha, com o que parece ser o então futuro ministro espiando a Humanidade pelo buraco da fechadura, também ficou para a posterioridade.



5-Matamachete – “Tanin No Kao” (2008)



Bisneta da cena de “Um Cão Andaluz”, esta capa triunfa mais no quesito angústia do que o som deste grupo suíço, uma variação do sempre bunda-mole nu-metal americano. Divertida mesma é a cover de “Cabeça Dinossauro”, aquela mesma dos Titãs, que aparece no final do álbum. Nem de longe tão boa quanto a original, claro.



4-The 13th Floor Elevators – “The Psychedelic Sounds of the 13th Floor Elevators” (1966)




Roky Erickson, o vocalista desta banda, foi para muitos a resposta americana a Syd Barrett. Pela parte boa – o som brabo psicodélico – e pela parte ruim – como o colega, ele também pirou. O estranho olhinho dentro do estranho olhão era um curioso presságio. Conheça mais sobre Roky e sua conturbada saga mental no muito recomendável documentário "You’re Gonna Miss Me”.



3-The La’s – “The La’s” (1990)



Ufa, algo mais convencional para aliviar. Simples e belo, como o som desta banda inglesa de sucesso relâmpago no mundinho indie de 1990.



2-Mr. Bungle – “Disco Volante” (1995)



Chega de descanso: Mike Patton neles. O que seria, aliás, isto em volta do olho? Bizarro, não?



1-Tom Zé – “Todos os Olhos” (1973)



Muitos leitores já conhecem a história. Aos que não estão a par: para reproduzir um olho, Tom Zé mandou colocar uma bola de gude em um local específico da anatomia de uma modelo. Observe bem e diga (mentalmente, se estiver no trabalho, por exemplo) qual seria. O próprio baiano se arrependeu da ousadia pelo menos em um momento de sua carreira – quando foi “descoberto” por David Byrne e, diz a lenda, escondeu “Todos os Olhos” ao mostrar sua coleção ao Talking Head.