terça-feira, 24 de novembro de 2009

Yes, we can change



Cai nesta quinta-feira (26) a edição 2009 do Thanksginving Day, conhecido também como Dia de Ações de Graças, feriado no qual americanos e canadenses agradecem a Deus pelo ano comendo peru. Será o primeiro da Era Obama, e também uma boa desculpa para recapitularmos aqui o curioso hábito de artistas conterrâneos ao superastro da política de colocar a bandeira dos EUA em capas de discos.

Nenhum outro país tem um catálogo tão farto de bolachas estampadas pelo ícone que o define. Um misto de patriotismo com obsessão que valeria a pena investigar com embasamento científico. Seria até meio sem graça esta compilação, caso o foco fossem as capas com o uso convencional da bandeira. Mas tudo fica bem mais divertido se olharmos para os capistas que empregaram em seus trabalhos aquela velha conhecida, a licença poética.

Ou seja, neste Top 10 vocês identificarão as manjadas listras vermelhas e brancas e as estrelas brancas sobre fundo azul (em princípio), mas perceberão que estes elementos foram rearranjados ou reinterpretados de diferentes e intrigantes maneiras para a obtenção do impacto desejado. Não vale, por exemplo, a portada de "Born in the USA" (1984), em que o Bruce Springsteen posa olhando para a bandeira (embora só se vejam as listas, a bandeira está inteira).

Yes, we can change.... the american flag, of course.


10-MC5 - "Kick Out the Jams" (1969)

Há quatro aparições da bandeira americana aqui. Na mais notável dela, localizada entre o centro e o canto esquerdo, ela está ao contrário no sentido horizontal (com o quadrado azul e as estrelas brancas do lado direito). Pode ter sido uma simples ampliação invertida aleatória. Mas, em se tratando da banda proto-punk mais politicamente engajada, esquerdista a ponto de ter participado da fundação dos White Panthers, não faltam indícios para enxergarmos algo mais nesta capa.


                                         


9-Ryan Adams - "Gold" (2001)

Lançado duas semanas após o 9/11, "Gold" deixa claro logo de cara o que o seu autor opinava sobre a administração Bush, então em seu primeiro ano. A bandeira de ponta cabeça não era novidade em protestos de roqueiros - o Rage Against the Machine passou toda sua carreira tocando com a dita cuja ao contrário sobre seus amplificadores- mas o uso numa capa tem um impacto gráfico todo especial.


                                         


8-Outkast - "Stankonia" (2000)

A dupla mais ousada do hip-hop posando em frente a uma versão PB da bandeira. Não precisa dizer mais nada, a não ser talvez que pode ter sido uma homenagem conceitual aos dez anos de "Fear of a Black Planet", o fundamental álbum do Public Enemy.


                         


7-Soup Dragons - "Hotwired" (1992)

Nem sequer americana era a banda, revelada pela cultuada coletânea em K7 "C86", editada pela revista NME em 1986. Mas, quando já haviam experimentado sucesso mundial (com a cover de "I'm Free", dos Stones), os escoceses do Soup Dragons recorreram às cores dos EUA para ilustrar a simpática concepção neohippie desta capa.


                                         


6-Tortoise - "Standards" (2001)

Semana passada levei meus pais a um show do Tortoise. Apostei que seria uma interessante oportunidade de mostrar o que nossa geração considera vanguardista à minha mãe, fã de música erudita e do ainda moderníssimo alemão Kurt Weill, e ao meu pai, entusiasta de jazz e dos Beatles. Acertei. Saímos igual de satisfeitos, e eu inclusive concordei com a opinião dele de que há "uns 15% de chatice" no maravilhoso som do quinteto de Chicago. E notei bem que, para quem vê e escuta pela primeira vez, o efeito demolidor do Tortoise sobre as barreiras entre gêneros musicais é algo que poderia ser graficamente representado com uma desconstrução, tal qual esta da bandeira. Ah, e por falar em pais, avise os seus de que não se trata de uma coleção de standards da música americana.


                                        


5-Sly & the Family Stone - "There's a Riot Goin' On" (1971)

Até ler um pouco mais a respeito da história deste disco, tinha a convicção de que as figuras brancas que substituem as estrelas eram bombas explodindo. Pelo nome do álbum, por ter sido lançado durante a guerra do Vietnã, pela banda ter então ligações com os Black Panthers, pela cor negra ao invés de azul. Mas soube que o próprio Sly concebeu a ideia da capa pensando em sóis, e não bombas, "porque estrela é algo que temos que procurar, e o sol está sempre lá". Também veio com uma desculpa bem riponga para o fundo negro. Mesmo assim, é uma bela capa, apesar de não ser a única (logo o álbum ganharia outra, com foto da banda tocando ao vivo).


                    


4-N.E.R.D. - "Fly or Die" (2005)

Entre os produtores de sucesso no mainstream do hip-hop desta década, os Neptunes só ficam atrás de Timbaland. A dupla, formada pelo também rapper Pharrell Williams e por Chad Hugo, cuidou de singles, remixes e álbuns de infinitos figurões, de Britney Spears a Daft Punk, passando por Jay-Z e Beyoncé. Nas horas vagas, ainda se juntava ao amigo Shay no projeto paralelo mais roqueiro N.E.R.D., que já contabiliza três discos. O segundo traz esta peculiar capa, com o trio emergindo de um curioso ovo-pátria.


                                          


3-Happy Mondays Pills - "Pills'n'Thrills and Bellyaches" (1990)

As duas versões da capa deste entorpecido clássico têm soluções originais para enfeitar o nome da banda de Manchester e transmitir sua imagem neopsicodélica da vida. Mas esta, a original que foi vetada por lojistas americanos, é a melhor, toda feita com embalagens de balas e doces. Não é necessário quebrar a cabeça para suspeitar que o embrulho com a bandeira americana que aparece no centro tenha sido o motivo da implicância dos vendedores rednecks.


                                         


2-Don McLean - "American Pie" (1971)

O autor de "American Pie", canção em homenagem a Buddy Holly que gente como Madonna e Garth Brooks regravou, nunca obteria um outro hit à altura. Difícil de superar também é a capa, premiada aqui com o troféu joinha de simplicidade eficaz.






1-Black Crowes - "Amorica" (1994)

Claro que esta capa foi censurada (em seu lugar, circulou depois uma versão sem os pelos púbicos e com a pele da modelo trocada por um fundo preto). E claro também que o veto só ajudou a promover o álbum - mesmo sem um grande hit, vendeu suas 500 mil cópias. A foto foi tirada de um especial da revista Hustler lançado em 1976, em homenagem aos 200 anos da independência dos EUA (!).



terça-feira, 17 de novembro de 2009

No ar...






Sai esta semana o primeiro e homônimo disco do Them Crooked Vultures, o trio formado por John Paul Jones, ex-baixista do Led Zeppelin, Josh Homme, guitarrista e vocalista do Queens of the Stone Age, e David Grohl, líder do Foo fighters e ex-baterista do Nirvana. Pelo que já dá para escutar no site, soa bem parecido com o que se esperaria de um encontro entre os três "abutres malandros" do título: alto, com pegada e suingadão.
É a terceira superbanda da qual Homme e Grohl participam. Ambos fizeram parte do QOTSA na fase em que contavam também com o ex-Screaming Trees Marc Lanegan nos vocais. Antes disso, Grohl tocara na Backbeat Band, fazendo covers dos Beatles para a trilha do filme de mesmo nome lançado em 1994, na companhia de Thurston Moore (Sonic Youth), Mike Mills (R.E.M.) e Greg Dulli (o então ativo Afghan Whigs) e David Pirner (Soul Asylum); já Homme comandou por vários anos as Desert Sessions, projeto com o qual colaboravam figurinhas como PJ Harvey e Dean Ween.
Claro que a capa com o abutre inspirou um Top 10 com outras ilustradas por aves, cada qual com sua espécie diferente. Por ordem de quão legal são as capas, ei-las:

10-Os Mutantes - "Haih... ou Amortecedor" (2009) -

Interessante, embora muito aquém da maior parte de seus antecessores, o disco da nova formação dos Mutantes saiu este ano sem Rita, Arnaldo ou Liminha. E traz um corvo pra lá de esquisito na capa.








9-Queen - "A Night at the Opera" (1975)

Não vou cometer aqui a gafe de dizer que é um cisne, uma garça ou sei lá o quê. Se algum fã do Queen ou especialista pássaros souber de qual espécie se trata, me avise por favor. Seja o que for, dá perfeitamente para imaginar o bichão bailando "Bohemian Rhapsody" em comunhão com os leõezinhos e o Freddie Mercury.





8-Antônio Carlos Jobim - "Urubu" (1976)

Percebe-se que, como estratégia complementar de venda de mais um disco de Jobim no exterior, alguém tentou romantizar a imagem de um urubu. Imagino que nenhuma "liner note" de encarte explicou à época quais são os pratos favoritos ou o habitat natural destas nossas conhecidas aves.



7-Rush - "Fly By Night" (1975)

O Rush ainda era muito mais uma potente banda de hard rock do que um ícone progressivo quando pariu este disco. O segundo do trio canadense é o primeiro com Neil Peart, que chegou chegando com suas baterias milimetricamente elaboradas e letras para as canções. Ilustra o début a imensa coruja azul (a que "voa à noite", suspeito), embora os mais maldosos prefiram comparar a voz de Geddy Lee a aves de rapina ou araras.



6-Faith No More - "Angel Dust" (1992)

O primeiro aviso do quão impactante era este disco vinha de um velho truque: aliviar a barra na capa - uma exuberante e imaculada garça - e sentar a mão na contracapa - um mostruário de carnes cruas penduradas. Quem ignorou a deixa se surpreendeu em dobro com o conteúdo sônico da bolacha encartada, uma milagrosa zona fronca na fronteira entre territórios normalmente não amistosos entre si, como música de cabaré, industrial, funk, balada, death metal e uns quantos outros mais.



5-El Guincho - "Alegranza" (2007)

Poderia ser uma armadilha para atrair gringos. Mas a arara contraposta a uma espécie de favela psicodélica acaba sendo estranhamente digna de representação de como soa este imperdível álbum.



4-Robert Wyatt - "Shleep" (1997)

Também não poderia afirmar que pássaro é este. Só sei que ele transporta o próprio Robert Wyatt, este senhor que ainda do alto de seus 65 anos continua fino. Uma verdadeira autoridade com mais de quatro décadas de underground, e que provavelmente estava tentando reproduzir algum sonho voador nesta capa - deste que caiu de uma janela em 1973, Wyatt vive sobre uma cadeira de rodas.



3-Patti Smith - "Wave" (1979)

Em um dia de ressaca, dependendo da escolha da roupa e do penteado, Patti Smith pode perfeitamente incorporar a bruxa medonha ou alguma outa personagem de contos infantis. Acompanhada de pombas e encarando a câmera deste jeito, não precisa nem tomar a primeira dose. (Na contracapa do vinil, ela e os quatro caras da banda rodeiam uma gaiola com mais quatro pobres palomas).



2-Mundo Livre S/A - "Guentando a Óia" (1996)

Um dos melhores momentos da discografia de Zero Quatro e fiéis comparsas, tem "Free World", "Destruindo a Camada de Ozônio" e a versão do autor de "Computadores Fazem Arte", entre outros projéteis. De quebra, ainda vem com uma galinha na capa.




1-Mogwai - "The Hawk is Howlling" (2008)

A mesma nuvem de melancólica magia que troveja relâmpagos ruidosos em ouvintes de Mogwai parece ter possuído a alma desta ave. Não se trata apenas de um falcão, mas sim do falcão do Mogwai. E ele, como diz o título, está ganindo. Senhores, abram alas para Ele, o falcão do Mogwai.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Do You Remember The 00's?







Ano de 2021. Às 8h50 você abre os olhos e enxerga seu filho de seis anos, o caçula, em posição de sentido ao lado de sua cama. Antes que ele te relembre, ansioso, de que estamos em um sábado e você ficou de levá-lo na casa daquele endemoniado amiguinho, a primeira violenta palpitada em seu cérebro denuncia uma nova e braba ressaca. Precisamente a número 603 de seu currículo. Uma marca invejável, embora o número 602, de acordo com o seu atual andar de carruagem, tenha ocorrido no já longínquo day after do reencontro escolar de 2019.

É preciso ganhar tempo. Bernardo, o seu filho (agora estão na moda nomes pomposos como este) já está de cabelo penteado a contragosto e começa a demonstrar sinais de impaciência. Aí você aproveita para recapitular o que aconteceu na noite anterior.

Sim, foi isso mesmo. Voltaste às 6h15, trançando as pernas, da Do You Remember The 00's?, a festa que aquele cara com quem você trabalhou uma época remota resolveu organizar. Seguindo a infalível tendência de reverenciar a música de duas décadas atrás, o sujeito foi o pioneiro no revival dos anos 2000. Tinha até uns quarentões combinando terno com tênis Adidas e umas quarentonas enxutas imitando os penteados da Cat Power. E a música tendia ao rock, veja só, tocada por um DJ especializado na técnica vintage de disparar músicas desde dois iPod.

Corta. Como vocês viram, quis brincar com o recurso narrativo mais em voga atualidade, o flash foward. Ele está por toda parte, seja em séries como "Lost" e, a-han, "Flash Foward", no livro "Slam", de Nick Hornby, ou até, de certa forma, no filme "The Curious Case Benjamin Button". Mas imagino, de verdade, que as chances de situações como a de acima ocorrerem com milhões de pessoas em 2021 sejam grandes.

Para isso, o Mala da Lista já prepara, com mais de uma década de antecedência, o playlist da tal festa. Ou seja, as canções internacionais que, em dois segundos, te transportarão de volta aos 2000's. Da mesma forma como hoje em dia você volta aos 80 com um simples acorde de Echo & the Bunnymen, Michael Jackson, Cure, Smiths e Madonna, ou aos 90 quando soam nas caixas Smashing Pumpkins, Deee-Lite, Blur, Nirvana e, outra vez, Madonna. Como não haverá muito tempo a perder e todo mundo terá muito o que fazer no dia seguinte, o Top 10 da festa será objetivo. Ou seja:

1-Não são necessariamente as minhas músicas favoritas da década, e sim as que mais a identificam. Embora considere todas boas. Oras, me recuso a viajar no tempo oferecendo emo, nu-metal ou outras várias espécies de lixo que também representam estes 2000's. Para ouvir este tipo de som você precisará recorrer à noite "Trash 00's" que lançarão em 2022 num novo bar no centro de São Paulo, o Michelangelo.

2-Todas têm que ter sido grandes hits, ou seja, não espere Radiohead, TV on The Radio ou outros queridos e tão típicos da nossa era. Eles são geniais, mas menos massivos que os aqui selecionados.

Pois chega de lerolero. Aqui, o Playlist gringo da Do You Remember the 00's edição inaugural em 2021 (por ordem de identificação do hit com a década):


10- Madonna - "Music" (2000)

Só ela conseguiu. Enquanto umas vinte canções da Madonna são sinônimo de 1980's e mais uma meia-dúzia são puros 1990's, esta década começou com a loira marcando seu território graças a seu conhecido método: atualizar sua agenda de produtores para superar novos concorrentes. Nisso, ela provou que é mais eficiente até do que o Michael Jackson. A bola da vez da Madonna 2000 foi o suíço Mirwais, que reinventou mais uma vez o potencial de pista da cantora com um pancadão de frescos timbres, graves de tremer as paredes, vocoders e tecladinhos espertos. E ainda contou com Ali-G, o irmão mais velho do Borat, no clipe. Até a Adriana Calcanhoto fez cover. "Era a música que queria ter feito", me disse a gaúcha numa entrevista em 2002.
 

 

9-Kanye West - "Gold Digger" (2005)

Agora em 2009 a figura de Kanye West dá até uma certa preguiça, de tão superexposta. Mas isso está diretamente ligado ao quão talentoso e prolífico o cara é. Antes de estrear como artista solo em 2004 com "The College Dropout", já figurava como produtor em dezenas de álbuns de hip-hop e R&B, incluindo de pesos pesados como Jay-Z. Depois do début, a lista de colaboradores dobrou e, de forma impressionante, ele seguiu sacando um álbum por ano. Algo que ninguém do primeiro time do mainstream se aventura a fazer. O segundo, "Late Registration", é excelente e quase entrou no Top 10 da década do Mala da Lista. Companheiro a samples de gente como Curtis Mayfield e Gil Scott-Heron presentes no disco, o trecho de "I Got a Woman", de Ray Charles embalou "Gold Digger", o petardo do ano sobre mulheres aproveitadoras que namoram rappers. Aqui, a versão sem a ridícula censura da "N word" do refrão ("I ain't sayin' she's a gold digger/ But she ain't messing with no broke niggers").





8-Coldplay - "Clocks" (2002)
 
Aproveite que este será o momento mais calmo da noite, e você poderá acertar as diferenças com aquele affair que tinha futuro, mas acabou mal por algum motivo. E aproveite que não é sempre que um riff de piano cativa multidões. Acusado de imitar o Radiohead (discordo, acho que a voz de Chris Martin tem muito mais de Ian McCulloch do que de Thom Yorke), o Coldplay chegou comendo pelas beiradas e acabou virando o sucessor do U2 como "banda de estádio". Prefiro o primeiro álbum, "Parachutes" (2000) - suas primeiras seis músicas são impecáveis - e não tenho muito interesse no terceiro ou no quarto. Mas o segundo, "A Rush of Blood to the Head", e o pop suave de "Clocks" determinaram o status de megagrupo.
 
 

 


7-Beyoncé - "Crazy in Love" (2003)

Esse lance de superexposição que volta e meia é motivo de resmungos aqui poderia abrir, fácil fácil, uma exceção para a Beyoncé bailando com pouca roupa. Pode parecer um comentário troglodita, mas é apenas uma constatação de que me rendo a seus encantos. E não estou só: todo mundo, homens, mulheres, transexuais, velhos, crianças, acaba parando só para dar uma espiadinha quando aparece um clipe na moça na TV. E ela não é vulgar, como tantas contemporâneas. E seus hits são grudentos e com produção da pesada. E ela sabe cantar. Ora, quem não gosta da Beyoncé?
 
 

6-Franz Ferdinand - "Take me Out" (2004)
 
Roqueiros escoceses que vestem roupas de grife, têm cabelos milimetricamente penteados e tendem a usar ritmos "funkeados" ou "disqueados" em suas músicas. Poucas coisas podem sem mais 2000's que isso. O bacana do Franz Ferdinand em seus melhores momentos é que se trata de uma banda com formato clássico (quarteto com duas guitarras, baixo e bateria) soando com uma potência de produção de hip-hop e coesão perfeita para as pistas. Mesmo com uma faixa como "Take me Out", que muda de andamento na metade, algo muitíssimo raro em grandes hits.


5-Gnarls Barkley - "Crazy" (2006)
 
Para nosso prazer, existe um enxame de artistas hip-hop que experimenta para valer, obtendo parte fundamental do que mais importa na música pop contemporânea. No clube de elite dentro desta turma estão os que ainda por cima conseguem fazer muito sucesso. Como por exemplo o Kanye West ali do número 9, The Roots uma ou outra vez, o OutKast... e o Gnarls Barkley. O fato de "Crazy" ter sido um fenômeno comercial, mesmo com sua letra pesada sobre loucura e abusos químicos, é uma lufada de esperança de que a música boa ainda possa dominar o mundo. Se alguém chegasse para um produtor da Stax em 1966 e, com o uso do flash foward, mostrasse que 40 anos depois a soul music soaria desta maneira, ele diria um "oh, yeah" cheio de animada aprovação. E definitivamente não muitas coisas podem ser mais legais do que Cee-Lo, Danger Mouse e banda de apoio vestidos de personagens de "Star Wars" para cantar a música.




4-Strokes - "Last Nite" (2001)

Já com vários uísques na cabeça, você esperará alguns compassos da guitarra introdutória para se certificar de que é mesmo aquela música que está tocando. Quando entrar a bateria, você emitirá um urro gutural e comentará com o amigo do lado, o qual você tem visto uma vez a cada dois anos, mais ou menos, de que estavam juntos a primeira vez que a escutaram. E argumentará, soltando o bafo de álcool na cara dele, que clipes oficiais cujo áudio são na verdade uma gravação ao vivo mandam bem. E que clipes em que o microfone da bateria cai sobre o baterista (minuto 2'17), e ele aproveita para contar com as baquetas em cima do pedestal, e o guitarrista tenta ajudar mas só atrapalha, são ainda melhores.



3-Amy Winehouse - "Rehab" (2007)

Eu não conhecia a Amy Winehouse do primeiro disco, "Frank" (2003). Ela tocando "Rehab" em uma edição do programa inglês "Jools Holland" (todo um clássico dos 00, apesar de existir desde 1992) foi sua primeira para mim. Tudo ali chamava a atenção, da voz ao figurino, da expressão corporal à canção. Grande candidata a piada interna da festa. Afinal, ela poderá ter ingressado pela centésima vez em uma rehab no dia anterior, ou será evangélica, ou estará num reality show de celebridades decadentes, ou... bom, deixa para lá.
 

 

2-OutKast - "Hey Ya!" (2003)

Mais de vinte anos antes, Paul McCartney já tinha tido a ideia de aparecer tocando todos os instrumentos (mas como se fosse um personagem diferente em cada um) no clipe de "Coming Up". Só que a caretice cênica do ex-Beatle fica realmente pequena para a canalhice irresistível de Andre 3000 seduzindo suas groupies como o multihomem que ordena: "Now all Beyoncés and Lucy Lius/ Shake it like a Polaroid picture". Apenas ameaçada pela versão sincronizada da música com a inesquecível dança da turma do Charlie Brown que você também pode ver aqui. Lou Reed, quando ouviu "Hey Ya!" pela primeira vez, disse: "esta é a razão pela qual eu gosto do rock'n'roll".




1-White Stripes - "Seven Nation Army" (2003)

Numa manhã de maio de 2006, eu Ozama, Dudu e Fernandão, companheiros do recém-congelado Jumbo Elektro, esperávamos um trem que nos levaria de Lucca a Florença, na Itália. Na outra direção, subiram em um vagão uma meia centena de torcedores do Lucchese, um time de futebol xexelento que, em mais de cem anos, esteve por menos de dez na primeira divisão italiana. Eles rumavam a outra cidade ali perto, Viareggio, onde ocorreria naquela tarde um confronto imperdível com a equipe local. E, depois do "Viareggio, Viareggio, vaffanculo!" entoado pela rapeize, ecoou um estrondoso "ooo-o-o-o-o-oo-oooo", imitando o riff principal da guitarra que parece baixo de "Seven Nation Army".

Apenas dois meses depois, já na Espanha, acompanhei a final da Copa ao lado de um monte de italianos em um bar. Não só eles, mas a massa vermelha, verde e branca que festejava o título contra a França no estádio Olímpico de Berlim, cantavam em uníssono as sete palhetadas de Jack White. Na edição do ano seguinte do festival Sónar, aqui em Barcelona, o trio de beatboxers japoneses Afra & Incredible Beatboxband distribuíram aos jornalistas um DVD no qual mostravam sua versão vocal de "Seven Nation" a um incrédulo White nos bastidores de um festival. Enquanto isso, revistas como Rolling Stone, Q e NME a colocavam no alto de listas como "os melhores riffs de guitarra de todo o tempo".

A loucura mundial em torno deste trecho da música e as dezenas de covers que gerou já seriam quase suficiente, mas os méritos estão longe de parar por aí. Há ainda a dinâmica matadora (riff sozinho - riff com bumbo - riff com voz e bateria - refrão com guitarra distorcida - volta para o riff), a voz espetacularmente esganiçada de White, a sonoridade garageira. E completa o pacote clipe da dupla francesa Alex Courtes e Martin Fougerol, que suscitou o mais negro humor invejoso do compatriota Michel Gondry. "Tudo o que eu toco vira merda. Fiz seis clipes para o White Stripes e o único que não fiz foi hit", disse Gondry em ume entrevista.

E será justamente ao som do riff de "Seven Nation Army" que terminará seu último e perturbado sonho pré-ressaca, à chegada de Bernardo. Hora de voltar a 2021.






terça-feira, 3 de novembro de 2009

Tijolo com tijolo num desenho lógico




O que têm as bandas com as paredes e os muros de tijolo? É mais um destes enigmas do mundo pop. Deve ser porque estes desenhos lógicos lhes deixam mais mundanos, malditos, ou "callejeros", como dizem por aqui. Ou porque é simplesmente uma combinação esteticamente fotogênica sem mais profundas margens a interpretação. Fato é que em uma porção de capas discos estão lá os tijolos como coadjuvantes. Tanto que deu para selecionar só as mais legais, e que ainda por cima ilustram bons álbuns.

Eu já vinha preparando esta compilação, mas ela só sai agora talvez porque ontem tenha reassistido na TV a "The Wall", filme que Alan Parker rodou em 1982 baseado no álbum duplo homônimo lançado pelo Pink Floyd três anos antes. A capa desta ópera-rock, aliás, fica de fora do Top 10 porque só valem as que incluem personagens.

Mas esta curiosidade sobre tijolos deve ter também algo a ver com a obra que estão fazendo no apartamento embaixo do meu. As paredes internas do prédio são finíssimas e a martelada do pedreiro andino parece atravessar o cérebro. Até fui com a Anita dar uma conferida no trabalho dos caras com o pretexto de "echar un vistazo en el piso", quando na verdade o que nos interessava era "cuando acabará la obra de una puta vez". (Descobrimos que o apê , localizado no "entresuelo" - nem térreo, nem primeiro andar -, tem o pé-direito baixo digno do cenário de "Being John Malkovitch", mas isso fica para um outro post)




10-Elastica - "Elastica" (1995)
"Eles eram uma porcaria", me disse Colin Newman, guitarrista e vocalista do Wire, outro dia em uma entrevista. É uma declaração cheia de rancor, já que o Elastica de fato copiou sem dar créditos o riff de "Three Girl Rumba", do Wire, em "Connection", até hoje garantia de sucesso nas pistas. Mas é verdade também que, plágios não-autorizados à parte, o disco é consistentes e oferece outros vários bons momentos além do hit. E a brancura dos esquálidos integrantes contraposta aos tijolos escuros resultou numa das mais marcantes capas do britpop.




9-Run-D.M.C. - "Run-D.M.C." (1984)

Tudo que tenha a ver com o Run-D.M.C. tende irresistivelmente a ser da pesada. Sobre sua influência no hip-hop musicalmente falando, nem vem ao caso discorrer agora neste post. Mas em termos de visual e estilo, vale por exemplo lembrar de capas como esta, do primeiro disco, tosca mas de alguma forma genial. Juntamente com os chapéus, os óculos de D.M.C. e a fetichezação dos tênis e agasalhos Adidas, o retrato que estampa "Run-D.M.C." compõe a idiossincrática imagem da dupla (trio, quando contavam com o finado DJ Jam Master Jay).






8-The Clash - "The Clash" (1977)
O próprio Clash usaria novamente tijolos em uma outra capa de disco (o triplo e sensacional "Sandinista!", de 1980). Mas o impacto desta inaugural é difícil de superar, posto que se tornaria uma das representações gráficas definitivas da estética punk inglesa. Alinhados em triângulo, Paul Simonon, Joe Strummer e Mick Jones posam para Kate Simon (fotógrafa de encartes de artistas de reggae e punk) próximo ao local podrão onde ensaiavam. Como se avisassem que uma grande banda nascia. Terry Chimes, o baterista que gravou o álbum, já havia resolvido deixar o grupo, e por isso não aparece aqui.




7-Paul McCartney - "Band on the Run" (1973)
Como atores, Paul McCartney e seus colegas de apoio eram excelentes músicos (OK, menos Linda). Nenhuma das poses "estamos fugindo" seria aprovada nem no mais chulé dos castings (com a possível exceção do da novela "Explode Coração", que deu o aval ao Cigano Igor). Mesmo assim, a ideia funcionou, inclusive pela canastrice da banda, mas igualmente pelo uso do holofote e o paredão de tijolos.



6-Nick Cave & the Bad Seeds - "The Boatman's Call" (1997)

No domingo assisti a "Shadowplay", documentário sobre Anton Corbijn, o holandês que, não bastando ter dirigido dezenas de clipes fodões e o ainda mais "cojonudo" longa "Control", é o mais importante fotógrafo de artistas pop. E entre seus clientes habituais, além de U2, Depeche Mode, R.E.M. e do próprio núcleo Joy Division-New Order, está Nick Cave. Alguém que não lembro agora diz no filme que Corbijn é tão especial porque extrai, de seus modelos, um 50 % de celebridade e um 50 % de humanidade/intimidade. É uma boa forma de defini-lo e se aplica a este retrato de Cave, condizente com o espírito melancólico deste ótimo LP.





5-Iron Maiden - "Iron Maiden" (1980)

De nada valeria ter um blog se em nenhum momento pudesse fazer qualquer menção a Eddie. Repare bem nesta ilustração: o mascote mais famoso do rock manda ou não extremamente bem? Ele é anterior inclusive a Bruce Dickinson, que neste álbum de estréia ainda não era o vocalista do Iron. E digo mais, é a capa desta lista que sugere mais interpretações. Afinal, que som estaria emitindo Eddie a ao gritar de forma tão ameaçadora? Por que os tijolos são amarelos? Por que Eddie está com esta camiseta com esta gola? Estaria ele de pijama? Ah, Eddie, só você mesmo para encher nossa imaginação com tantos mistérios.




4-Charlie Haden - "Liberation Music Orchestra" (1969)

Quando gravou este álbum, Charlie Haden já acumulava uma década de atividade como um dos principais contrabaixistas do jazz, principalmente em formações ligadas à face "free" do gênero (participou do marco zero do estilo, "Free Jazz: A Collective Improvisation", de Ornette Coleman). Arrebanhando colegas da mesma turma ou com semelhantes visões musicais, tais quais o trompetista Don Cherry e a pianista Carla Bley, Haden fez jus ao "Liberation" do nome e mostrou neste LP o porquê da free ter sido a mais política das correntes jazzísticas, interpretando hinos da luta dos direitos civis nos EUA e canções com referências a Che Guevara e a Guerra Civil Espanhola. É ele, Haden, o que aparece na foto segurando a faixa ao lado direito, tendo uma sólida parede de tijolos ao fundo.




3-The Heptones - "On Top"

Quem olha esses três jovens sentados relaxadamente pode nem desconfiar da magia que emana de suas gargantas. As vozes deste clássico fundamental do rocksteady jamaicano parecem vir de outra dimensão, tamanho o feeling e o bom gosto interpretativo de seus donos, Leroy Sibbles, Barry Llewellyn e Earl Morgan. Quisera eu que fosse a mureta da minha casa.





2-Michael Jackson - "Off the Wall" (1979)

O começo da parceria de Michael com Quincy Jones e a guinada definitiva da carreira adulta do cantor não poderia ter uma capa melhor e mais promissora do que viriam a ser seus extraordinários anos seguintes. Jovem, alegre e confiante, Michael prova um smoking e se deixa fotografar num beco. Pronto pra tudo, ou quase tudo que ainda ia viver. Há versões do disco em que a capa principal é a parte de baixo da foto, com as frágeis - e ágeis, muito ágeis - pernas do Rei do Pop.



1-Ramones - "Ramones" (1976)

Não foi a primeira, mas é a "capa de tijolo" definitiva. Ali estavam os quatro jovens representantes da suposta escória americana, com suas reinvidicações primitivas e honestíssimas de "I Wanna" ou "I Don't Wanna", mostrando mais ou menos involuntariamente a que vinham. Para revolucionar o rock, é claro. Joey era tão alto que sua cabeçorra quase engole metade do "o". A banda gostou tanto que repetiu praticamente a mesma foto no terceiro e igualmente arrebatador álbum, "Rocket to Russia", do ano seguinte.