domingo, 26 de julho de 2009

Band of Brothers


De momento, cansei de falar de Michael Jackson. Por isso ele comparece neste post apenas como convidado, dividindo a cadeira cativa com seus brothers. Em outras palavras, menção honrosa para The Jackson Five, mas eles ficarão de fora deste Top 10, o das melhores bandas de irmãos. Um abraço e um aperto de mão bem dado também para os gatunos que deram golpe de marketing – não eram nem primos de oitavo grau -, como os Walker Brothers, do imprevisível e brilhante Scott Walker, e os Los Hermanos, fraternos mesmo só na barba. E irmão que é irmão briga logo de uma vez, não faz “separação amigável”. Também não valem os consanguíneos que mandam bem mas não têm um grupo juntos, como as dinastias jazzísticas Jones (de Elvin, Hank e Thad) e Marsalis (uma penca deles) ou os Sanches-Takara, de São Paulo.
 Assim, primogênitos, soltem um momento as golas de camisa dos caçulas e só voltem a se estapear após conferir mais este ranking do Mala da Lista:

10-ESG 
O clã das Scroggins inspirou fundo os encontros de culturas da nova York do final dos anos 70. Devolveu, em disco, simplicidade e ganas de do it yourself, e no palco, uma aula de despretensão e simpatia.




 

9-Hurtmold 
Sim, é possível mandar bananas para todo mundo e fazer o som que lhe dá na telha. Às vezes fica muito bom, e esse mesmo “todo mundo” até gosta. Entre os elogios, soam as guitarras dos Cappi, deste paulistaníssimo sexteto, que se completam como irmãs.




8-Beach Boys 
De Brian para os outros Wilson: “Cair na estrada, eu? Vão indo eu que eu já vou. Tenho um piano e quero colocá-lo dentro deste tanque de areia”. Só deus sabe os constrangimentos que a compreensão fraternal tem que administrar de vez em quando.

 

7-The Meters 
Quando negociava com os filhos Aaron e Charles a mesada, Papai Neville devia pedir só uma coisa: não saiam deste quarto sem antes suingar por alguns compassos. Com agregados como Zigaboo Modeliste na bateria, ele rápido viu que havia feito mau negócio.

 

6-Sepultura 
Houve um tempo em que, além de perguntarem aos brasileiros radicados no exterior se sambavam, jogavam capoeira, faziam embaixadas ou eram travestis, os gringos queriam saber se o nome “Sepultura” lhes era familiar. Devia ser bom. (ironia do destino: saquem a legenda para estes dois clássicos dos Cavalera. É catalão).

 

5-Breeders 
Não sei o que é mais legal: se as gêmeas Deal bonitinhas e com 30 (60, no total) quilos a menos do que hoje, ou se a câmera fotográfica arcaica do baterista. Na dúvida, fico com esta preciosa canção que embalou os meus 14 anos.


4-Staple Singers 
Ao invés de escravizar os filhos, como o patriarca Jackson fazia, Roebuck “Pops” Staple ia junto com os seus, ou melhor, suas filhas, para o palco. Não era má idéia.

 

3-The Jesus & Mary Chain 
Uma década antes dos Gallagher, os Reid já se pós-graduavam em blazesismo e intriga familiar. “Eram uns amargos”, disse Anthony Kiedis sobre eles. Diferentemente da dupla do Oasis, nasceram na Escócia, o que torna tudo muito ainda mais cool, e sua banda era bem mais legal. Diante de David Letterman, eles fingem que não estão nem aí, é claro. Mas disputam, em segredo de irmãos, a atenção de Hope Sandoval, a musa do Mazzy Star. Você e seu mano aí do lado não fariam o mesmo?


2-Kinks 
Já que tinham que competir com Beatles, Stones e Who, Ray e Dave Davies acharam melhor estar juntos. Nem que fosse para botar um no outro a culpa do fracasso.


1-Stooges 
Iggy era Iggy. Mas ele não teria tocado o puteiro como tocou nos últimos 40 anos se não estivesse sempre apoiado pela máquina de riffs selvagens de Ron Asheton (morto no ano passado) e dos tambores brutos de seu mano Scott. Não havia mesmo outra saída para o iguana a não ser besuntar-se (“that’s peanut butter”, observa o narrador).



 

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quem era Michael Jackson?


Na mitologia pop dos mortos, até a semana passada eram Elvis e Beatles. Agora serão Elvis, Beatles e Michael Jackson. Um dia, quando resolverem, por fim, morrer, os Stones farão parte do clube. Mas isso deve demorar.

A minha geração, que bate agora os 30 anos, foi privilegiada no acompanhamento da transformação do Rei do Pop. Herdamos um Michael que, enquanto mastigávamos nossas primeiras papas, já era um veterano jovem adulto. Anos antes, seu talento desproporcional humilhara os irmãos mais velhos, alegres em seus penteados afro e jaquetas de franja, mas já naqueles programas de TV cientes de estarem condenados ao mais segundo dos planos. E pouco depois do mundo, incrédulo, testemunhar o cara espichando e marcando território como um ousado moleque Disco - aquele que Justin Timberlake gostaria de ser –, presenciamos Jackson se eternizar como o superastro definitivo. Para depois nos mostrar o significado da palavra decadência e um mundo de estranhezas inconcebíveis.

Enfim, pegamos boa parte do filé, seguindo ao vivo, em mais de uma vez, a ficção superando a realidade pelo filtro do Rei do Pop. E um dia, antes do que você pensa, alguém mais novo e mais esperto lhe cobrará explicações sobre o porque de Jackson estar no Triunvirato ali em cima. De fato, ele fez e desfez tanto, que é normal que esqueçamos suas peripécias monumentais. Por isso aqui vai, então, um Top 10 lembrete em ordem crescente com os elementos que fazem de Michael Jackson este ser de outro planeta, único, irreproduzível, que pensamos ter visto vivo um dia. Cada façanha transformaria o currículo de qualquer outro artista. Mas é só mais um detalhe para o dele.

10- Michael Jackson foi uma celebridade peculiar.

É duro começar pelas extravagâncias e fuxicos não-musicais. Mas, sobretudo no caso de Michael Jackson, eles fazem parte do pacote. Seria possível escrever uma enciclopédia de duas mil páginas com tudo o que já foi dito e publicado sobre a celebrity Michael: o delírio Neverland, as acusações de pedofilia, as dívidas estratosféricas, os filhos vestidos em burkas, o bebê sacudido e dependurado da janela. Somente no assunto tribunais, renderia uma vida de pesquisas. Dê um google teclando seu nome e a palavra “lawsuit” e descobrirás que até o açougueiro da esquina de sua casa o processou em algum momento.

9-Michael Jackson é co-autor de “We Are the World”.

Ele de fato um dia sentou e escreveu esta canção, criou o refrão, pensou nas harmonias. Tentou sentir a dor de quem se incomoda com a fome na África. E com o Lionel Richie do lado, de bigode em riste. Eu mesmo quase nunca lembro disso, provavelmente pela quantidade de nego que canta na gravação original. O resultado soa piegas e demagogo, mas nunca ninguém havia reunido tantas estrelas na mesma sala. Todo mundo, aliás, tentando dar o seu toque pessoal, o que torna tudo mais engraçado (O Bob Dylan se esforçando para mostrar que não está nem aí é o mais cômico de todos).






8-Michael Jackson casou com a filha de Elvis Presley.


No Brasil existe uma dinastia Buarque-Gilberto, o que não é pouca coisa. Mas já imaginou se tivesse nascido um Presley Jackson? A boda com Lisa Marie durou menos de dois anos, deixando apenas uma sensação pitoresca de incesto no triunvirato lá do começo do texto. Se chamaria este descendente hipotético King Michael I? Seria o branco em que o pai se transformou ou o negro que o avô imitou? Teria a virilidade irresistível do avô aliada à elasticidade precisa e sexualmente ambígua do pai? Sua figura paterna seria uma mistura alegórica do Elvis gordo de Las Vegas, o Michael de smoking e Peter Pan? E se resolvesse ser cantor?

7-Michael Jackson comprou o catálogo dos Beatles.

Sim, dos Beatles, a outra perna do triunvirato. “I want to by your songs”, ele confidenciou, com sua voz de passarinho, a Paul McCartney nos anos 80. O ex-Beatle, seu comparsa nos hits “Say, Say Say” e “The Girls is Mine”, não levou a sério até que cada execução de “Yesterday” no rádio parasse de engordar sua conta corrente na mesma proporção que fazia até então. A brincadeira custou a Jackson cerca de 50 milhões de dólares, um terço do valor pelo qual ele venderia metade do acervo com direitos daquelas 250 canções perfeitas uma década depois à Sony, que passou a ser sua parceira. Em 2007, tudo era estimado em, no mínimo, 390 milhões. Michael era malandro nos negócios, e o leite dos príncipes do pop parece estar garantido, apesar das pilhas de dívidas que herdaram.




6-Michael Jackson protagonizou o clipe de “Thriller”.

De cujo qual, aliás, ele ajudou a criar o roteiro, além de produzir. O primeiro posto do blog se aprofunda mais no tema, mas faltou dizer que “Thriller” abriu a porta para pelo menos uma dezena de outros vídeos musicais épicos também estrelados pelo próprio. Aguardava-se um novo clipe de Michael Jackson com a mesma ansiedade, ou com mais, que um disco seu. E todos eles sempre traziam um truque novo – como o então chocante embaralhamento de rostos de “Black or White”, de 1991. Dez anos mais tarde, os insanos videomakers paulistanos do Estereodaltônicos desmoralizariam a novidade, usando o mesmo recurso para fundir as figuras de Roberto Carlos, Emerson Fittipaldi e um macaco.

5-Michael Jackson gravou o álbum mais vendido de todos os tempos.

Cada hora divulgam uma cifra. Pode ser 40 e tantas milhões de cópias, mas pode ser mais de cem. Fato é que nem um álbum vendeu mais no planeta terra do que “Thriller”. Eu tenho, você tem, o jornaleiro tem. Ronald Reagan tinha, porque ganhou um do próprio Michael. “Billy Jean”, “Beat It”, “Human Nature” estão lá, e em nosso inconsciente coletivo. Ah, e é bom pra caramba. Ousado, cheio de ritmos recombinados e puxado em arranjos, ainda que com alguns timbres bem datados. Reparem como nenhuma música parece com a outra. Não é sempre que isso funciona.



4-Michael Jackson já era Michael Jackson aos 6 anos.
O molequinho ainda negro suingava e comandava o espetáculo com uma tranquilidade que nem ele mesmo poderia repetir, mais velho, de tão detalhista que se tornara. Nunca um artista infantil foi tão carismático,  cantou ou dançou tão bem. Nem o amigo Stevie Wonder, seu antecessor nas empreitadas da Motown com crianças-estrelas, ainda em seus dias de Little Stevie Wonder. Nem precisava ensaiar. Improvisando, já era um pequeno Rei. 







3-Michael Jackson inventou o moonwalking.
E mais um monte de passos que não se descrevem em texto. Antes deles já haviam dançarinos de outro planeta, como James Brown, sua grande influência. Mas Michael elevou a dança pop a uma complexidade para a qual nem o Godfather of Soul estava preparado. Busque qualquer antologia de moonwalkings no You Tube. Ainda parece montagem. Neste outro vídeo da década de 1980, James Brown convoca Michael e, em seguida, Prince para bailar, e acaba gargalhando. A gargalhada nervosa dos que não acreditam no que estão vendo.



2-Michael Jackson é uma linha do tempo do pop.
Xodó de gigantes como Smokey Robinson e Diana Ross nos golden years da Motown, fundada, aliás no ano de seu nascimento; ídolo funk juvenil; astro adulto explosivo com espetaculares arranjos disco; pupilo de Quincy Jones na produção; maior popstar do planeta; parceiro de um ex-Beatle; renovador do R&B como conhecemos hoje; autor de canções politicamente corretas. Ele esteve lá, quase sempre se antecipando ao que viria. E não fosse a tempestade de escândalos dos últimos 15 anos, poderia ter produzido muito mais.
1-Michael Jackson mudou de cor.
OK, já falamos de tudo o que ele fez musicalmente. Mas… o cara mudou de cor. Era preto e ficou branco. Leonardo Da Vinci, Albert Einstein. Eles podem ter inventado ou descoberto o que seja, mas passaram longe disso. E se tentassem, não conseguiriam mudar nem um tonzinho sequer. Mas Michael Jackson sim, nasceu negro e ficou branco, e de corpo inteiro, como aparece naquele clipe com a Lisa Marie, enrolado numa toalha. Claro, não só: esbugalhou os olhos, sacou e depois recolocou barba, quase extinguiu o nariz, sua aparência beirou a de um chihuahua albino e esquálido. Só que tudo isso a gente até imagina como se faz. Mudar de cor, não.



domingo, 5 de julho de 2009

Um Lobisomem americano em Peruíbe





Michael Jackson está morto.

Longa vida a este blog, que nasceu agora.


Pois, vocês já sabem, quando o Mala da Lista engata a primeira, é imparável, obsessivo. Interrompe aos berros as mais agradáveis das conversas, "atropelando os presentes, com salivação intensa, o olho rútilo e lábio trêmulo", tal qual descreveria Nelson Rodrigues. Tudo para anunciar que tem mais uma lista. Uma nova lista para sua lista de listas. 


Listas musicais, já vou avisando. Ou intimamente ligadas à música. Fazer o quê, se é o meu assunto preferido? Mas não fuja para o seguinte blogueiro antes de saber que o enfoque aqui não será nada técnico, e se esforçará para se esquivar do previsível. Como ensinou Nick Hornby em “Alta Fidelidade”, estas listas têm que minimamente servir para recapitular um pouco das lembranças pessoais de quem as cria. No meu caso, incluem a fase Daniel pré-Mala da Lista. Claro, claro, os malas das listas também choram, têm fome, ressaca, ficam roucos, suam, gaguejam, sofrem insolação, se excitam, expõem-se ao ridículo. E são amor.



Em sua maioria, elas serão Top 10, mas os Top 5 também terão sua vez, até como homenagem ao Hornby. E sempre direi antes se é um “Os dez ou cinco MELHORES isso, isso e isso”, se é apenas um “Os dez ou cinco isso, isso e isso” ou até se um outro critério foi usado. Haverá Tops em ordem crescente e vice-versa. Subjetivo, opinativo, parcial. Quem quiser xingue, mas as sugestões de listas ou listáveis são muito mais bem-vindas.



Ah, o Michael Jackson. Pois é, esta ideia de blog já vem ocupando meus devaneios há um bom tempo. E quando o enigmático Rei do Pop subiu, moonwalking, aos céus, não deu para adiar mais. Fui correndo escutar “Thriller” e, entre “The Girls is Mine” e a faixa-título, soou um grunhido pavoroso e inédito. Dei rewind três vezes até entender que eram sons ao contrário, entre os quais se podia distinguir uma voz me dizendo: “Mai-koulll Jakzonn eeesss deattt, Mai-koulll Jakzonn eeesss deattt!!!”. Na sequência, desta vez nítido, veio outro brado: “Que empieces este blog de una puta vez”. Não me perguntem porque o contato começou em inglês e acabou em espanhol. Entre as estranhezas de Jacko, imagino, uma delas deve ter sido saber que eu moro em Barcelona. Mas ainda acho que vou tomar satisfações com o departamento pop das mensagens subliminares emitidas ao contrário em álbuns multiplatinados.



Enfim, basta. Conto neste post inaugural, para aquecer, os Top 5 momentos do dia em que Michael Jackson me marcou de forma irreversível. Em ordem cronológica. Poderia falar da ocasião em que presenciei um marmanjo de 120 quilos requebrando, sozinho, ao som de “ABC”, ou de como em onze anos coloquei “Billy Jean” em 95 % das baladas em que discotequei. Mas aquela tarde de vinte e tantos anos atrás ainda está mais fresca em minha lembrança.


1-O cenário



O clipe de “Thriller” estreara na MTV americana no finalzinho de 1983. Então o ano em questão deveria ser 1984, quando este tipo de coisa ainda demorava um pouco para chegar no Brasil. Estava com minha irmã mais velha, a também blogueira Adriana, e meus pais, em Peruíbe, cidade do litoral sul paulista onde morava meu avô, o lituano Petras (Pedrão), e onde acabávamos de comprar uma casa próxima à praia.



A Adri, que tinha no máximo 8 anos, não confirma, mas minha memória arrogante de quem atingira os 5 (esticava todos os dedos de uma mão para mostrá-lo) insiste em que fomos ela, eu e uns amigos a uma espécie de lanchonete/discoteca infanto-juvenil. Sei lá, algo parecido a uma matinê.



O lugar se chamava San Régis, o que àquela altura já me parecia um nome absurdo, de santo apelidado. Régis para mim era apelido de Reginaldo, e portanto assim estavam livres para existir uma Santa Tonha, um São Mané. Ficava a poucas quadras de um boliche homônimo, sua filial.



À frente deste boliche, Pedrão, que já era dono de um restaurante, um dia abriria um fliperama. E eu, que para impressionar os caras mais velhos da rua vivia dizendo que meu avô tinha “quatro kombis, um doberman e um pastor alemão”, enfatizando o detalhe de que uma das peruas havia ardido em chamas, agora poderia anunciar, febril de contentamento: meu avô tem um fliperama.



2-Negro Gato



Mas voltemos ao Michael. Pouco disso tudo importa comparado ao que se passariam nos 13 minutos e 41 segundos seguintes no San Régis, quando um telão me mostrou pela primeira vez o curta-metragem disfarçado em clipe “Thriller”. Já na primeira parte, quando Michael vira lobisomem, me petrifiquei na cadeira, justamente como fazem os atores do vídeo, eles próprios  acompanhando a cena em um cinema.



A metalinguagem e a transformação em lobisomem – o diretor é John Landis, o mesmo de “Um Lobisomem Americano em Londres”, outro ícone de minha infância – eram só o começo da revolução.  Embora reconheça, hoje, que a criatura tinha, na verdade, cara de gato. Um gato negro e bravo e que veste agasalho de universidade americana. Mas gato.



3-Caminho sem volta



A segunda parte, na qual Jackson canta e flerta em círculos com a mocinha bonita, era suave e sorridente, mas criava tensão: o cara estava levando a mina para o cemitério, oras. E enquanto os zumbis, babando um sangue grosso e preto, começavam a deixar suas tumbas ao trovejar da voz de Vincent Price para cercar o casal, a criançada no San Régis, também como observaria Rodrigues, já “uivava” e “cavalgava nas cadeiras”.



4-Black or White. Or Green



De repente, a espinha ainda em crescimento da platéia infantil gelou. Em silêncio, podíamos sentir no ar a vibração de nosso eufórico pânico. A 8 minutos e 26 segundos, a câmera fechava em close sobre o rosto de Michael. Meu deus, ele virara um zumbi. Um zumbi verde, que precisaria morrer na vida real para que eu me desse conta: antes de querer trocar o preto pelo branco, Michael Jackson fora verde.



Devo ter permanecido agarrado à minha irmã, paralisado, pelo mais de um minuto da seguinte coreografia sem vocal, sobre o groove imortal de Jackson e Quincy Jones. Eu preciso e devo fugir dos clichês, então não vou dizer muito sobre o sacolejo sincronizado dos mortos-vivos ser a maior sequências de passos de dança da história, e praticamente a única coreografia que presta no mundo pop. (Com exceção de algumas coisas da Missy Elliott, vá lá.). Por isso prefiro afirmar só que Jacko também era talentoso como ator - sua cara de coisa-ruim no comando da dança é inesquecível.



5-Michael Jackson & Nação Zumbi



Depois de tudo isso e mais a risadinha no final – agora Michael tinha olhos amarelos -, eu nunca mais seria o mesmo. Na volta para nossa casa na Rua 3, aqueles bailarinos putrefatos, principalmente o gordo careca, o babão com pinta de Frankenstein e a loira prima da Smurfette, poderiam surgir em nossa frente a qualquer momento.



Suspeitei, com horror, que eu me tornaria, de uma hora para outra, integrante daquela Nação Zumbi. No transe da excitação e do cagaço, saltei o córrego fedido na rua ao lado. Só dali poderiam emergir os cadáveres reanimados. Ao ritmo de funk eletrônico, eles marchariam à capital pela rodovia Pedro Taques (por anos achei que fosse Pedro Táxi), devorando os miolos das famílias congestionadas. E eu estaria no meio, saciando minha sede infernal com o sangue fresco dos farofeiros e a garapa morna das barracas de pau. Michael Jackson entrara em minha vida para ficar.